Notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 24 de abril de 2020 (leia aqui), referente ao HC 562452.
Com base no artigo 112, parágrafo 3º, da Lei de Execução Penal (LEP), e tendo em vista a necessidade de proteção física e emocional das crianças – aspecto central do princípio da fraternidade –, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da Fonseca concedeu habeas corpus para assegurar a uma presa com filho de quatro anos de idade o direito de progredir para o regime semiaberto.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) negou o pedido de progressão de regime porque a presa não teria comprovado ser imprescindível aos cuidados da criança. Contudo, o ministro concluiu que são presumíveis as necessidades de cuidados maternos a um filho menor de 12 anos, ainda que ele não esteja sob a guarda direta da genitora.
De acordo com o artigo 112, parágrafo 3º, da LEP, no caso de mulher gestante ou que seja mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, a progressão de regime deve ser concedida depois de cumprido um oitavo da pena no regime anterior (contra um sexto para os presos em geral). Cumulativamente, exige-se que a mulher não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça, seja primária, apresente bom comportamento carcerário e não integre organização criminosa.
A ré foi condenada a dez anos de reclusão, em regime inicial fechado, por tráfico de drogas e associação para o tráfico. O magistrado de primeiro grau considerou remidos alguns dias de pena pela conclusão do ensino médio, mas indeferiu o pedido de progressão para o regime semiaberto.
Para o magistrado, a criança estava sob os cuidados adequados do pai, mesmo antes do início do cumprimento da pena – o que demonstraria que a presença da mãe não é necessária. Além disso, ele considerou que, como a mulher também foi condenada por associação para o tráfico, não cumpriria um dos requisitos previstos pelo artigo 112, parágrafo 3º, da LEP.
A decisão foi mantida pelo TJSC, que também concluiu que a mãe, antes de ser presa, tinha apenas contatos esporádicos com o filho, o que impossibilitava o acolhimento do pedido de progressão de regime.
Princípio da taxatividade
Em relação à exigência de não envolvimento com organização criminosa prevista pelo parágrafo 3º do artigo 112 da LEP, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca mencionou que a Lei 12.850/2013 considera organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente caracterizada pela divisão de tarefas. Por outro lado, o artigo 35 da Lei 11.343/2006 descreve como crime a associação de duas ou mais pessoas para o tráfico de drogas.
Entretanto, o ministro lembrou que esses tipos penais não se confundem, tendo em vista que, no âmbito do direito penal, impõe-se a observância do princípio da taxatividade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu.
“Por conseguinte, o impedimento previsto no inciso V, parágrafo 3º, artigo 112, da Lei 13.769/2018 não se aplica ao caso concreto, sobretudo porque, conforme se observa do decreto sentencial, os crimes (tráfico de drogas e associação para o tráfico) foram praticados, em concurso, por apenas duas pessoas”, afirmou o ministro.
Fraternidade
Além de reconhecer que a presa cumpre todos os requisitos previstos pelo artigo 112 da LEP, Reynaldo Soares da Fonseca ressaltou que a proteção integral dos filhos decorre do princípio da fraternidade, previsto no preâmbulo e no artigo 3º da Constituição Federal.
Segundo o ministro, o princípio da fraternidade – macroprincípio dos direitos humanos proclamado pelas constituições modernas ao lado de valores como a igualdade e a liberdade – pode ser concretizado também no âmbito penal, por meio da chamada Justiça restaurativa, além do respeito aos direitos humanos e da humanização da aplicação do próprio direito penal.
Sob essa perspectiva, na hipótese dos atos, o ministro apontou que a certidão de nascimento do filho da presa comprova que ele tem menos de cinco anos de idade.
“De fato, no caso, além de se presumir a necessidade dos cuidados maternos em relação à referida criança – ainda que, supostamente, apenas no aspecto afetivo, haja vista que o menor está sendo devidamente acompanhado –, não se deve ignorar que a paciente é primária e não há indicativo de que esteja associada com organizações criminosas, sendo certo, ademais, que o crime em questão não revela violência ou grave ameaça, circunstâncias essas que, em conjunto, ensejam, por ora, a atenuação da situação prisional da acusada”, concluiu o ministro ao conceder o habeas corpus.
Leia a decisão.
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