STJ: falta grave por posse de aparelho telefônico e seus componentes
Conforme o art. 50, VII, da Lei de Execução Penal (LEP), comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que “tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”. Essa hipótese de falta grave foi incluída pela Lei nº 11.466/07.
Interpretando esse dispositivo legal, observa-se que apenas há falta grave se o aparelho telefônico, de rádio ou similar permitir a comunicação (com presos ou com o ambiente externo). “A contrario sensu”, caso não se trate de dispositivo que possibilita a comunicação, não há, consequentemente, falta grave.
Entrementes, a jurisprudência tem interpretado de forma ampla – e “contra legem” – esse dispositivo.
Recentemente, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o seu entendimento de que a posse de aparelho celular, bem como de seus componentes essenciais, tais como chip, carregador ou bateria, constitui falta de natureza grave (AgRg no HC 376.643).
Uma decisão curiosa também foi tomada no final de 2016, nos seguintes termos:
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. EXECUÇÃO PENAL. RECEBIMENTO DE APARELHO CELULAR VIA SEDEX. FALTA GRAVE. CARACTERIZAÇÃO. DE FALTA GRAVE. RECONHECIMENTO. DESCONSTITUIÇÃO. NECESSIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCABIMENTO. ORDEM NÃO CONHECIDA.
[…]
2. Reconhecida a ocorrência da falta disciplinar de natureza grave pela conduta de tentar possuir aparelho celular enviado por terceiro via sedex (art. 50, VII, da Lei de Execução Penal), por meio de procedimento administrativo disciplinar (PAD), a desconstituição dessa conclusão chancelada, ainda, pela instâncias ordinárias, implica, necessariamente, o revolvimento de todo o acervo fático probatório dos autos, o que é vedado na via angusta do habeas corpus.
3. Ordem de habeas corpus não conhecida.
(HC 371.763/SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 06/12/2016, DJe 23/03/2017)
Nessa decisão, o STJ considerou falta grave o fato de o apenado ser destinatário de um sedex contendo um aparelho celular. Para o Tribunal, houve tentativa de possuir o aparelho, o que, conforme o art. 49, parágrafo único, da LEP, justificaria a punição como se fosse uma falta consumada.
Ainda que não se conheça com profundidade a questão fático-probatória do caso, deve-se tomar cuidado com a punição por falta grave em decorrência de ato de terceiro, como na situação narrada, em que alguém teria tentado enviar ao apenado um celular. Caso contrário, poder-se-ia punir um apenado que, desconhecendo a situação e sem ter efetuado pedido ao terceiro, esteja no pátio do estabelecimento prisional no momento em que é lançado para o interior do presídio um aparelho celular. Haveria uma indevida responsabilização – punição por falta grave – do apenado como resultado de um ato exclusivo de terceiro (quem lançou o aparelho ou o enviou por sedex sem a solicitação do apenado).
Em outra decisão, a Sexta Turma do STJ considerou desnecessária a realização de perícia no aparelho que estava na posse no apenado. Afirmou que a interpretação do dispositivo legal demonstra ser prescindível a realização de perícia no aparelho para atestar sua funcionalidade, porque poderia haver alguma situação concreta em que o preceito normativo seria esvaziado, se encontrados compartimentos desmantelados, que juntos poderiam ser montados, formando o aparelho de comunicação (HC 345.954).
Esse entendimento do STJ é criticável, pois desconsidera que o art. 50, VII, da Lei de Execução Penal, determina que o aparelho “permita a comunicação”. Ora, se o aparelho deve ter funcionalidade para tanto, é imprescindível que seja realizada perícia, sob pena de se produzir uma sanção na execução penal (uma metapunição – leia aqui) sem que, de fato, esteja demonstrada a materialidade da conduta caracterizadora da falta grave.
Noutros termos, sem prova cabal de que o aparelho permite a comunicação, não se caracteriza a falta grave, razão pela qual a posse de celular com defeito, sem bateria ou sem chip deve ser considerada um fato atípico para fins disciplinares.
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