STJ: corrupção de parte dos arquivos digitais inviabiliza a utilização da prova
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 10/12/2024 (processo sob segredo judicial), decidiu que a corrupção de parte dos arquivos digitais compromete a integralidade da prova, inviabilizando sua utilização.
Informações do inteiro teor:
A questão em discussão consiste em saber se a prova digital obtida mediante busca e apreensão, com parte dos arquivos corrompidos e inacessíveis, pode ser admitida em juízo.
O simples fato de se ter documentado as hashes dos arquivos (formados a partir do espelhamento do conteúdo de cada aparelho eletrônico apreendido), por si só, não garante a integridade do material.
O tema foi examinado pela primeira vez pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do AgRg no RHC 143.169/RJ, em que foi esclarecido que a finalidade da documentação das hashes é permitir a comparação posterior entre os arquivos. A simples existência da hash não permite concluir que o arquivo apresentado é autêntico e íntegro: para se auditar essas características, é necessário comparar a hash do arquivo espelhado com a daquele apresentado no processo.
No caso, seria necessário comparar, então, pelo menos as hashes dos arquivos disponibilizados à defesa em nuvem, no link enviado pelo Ministério Público, com as hashes daqueles constantes dos HDs de origem e do “HD do Fisco”, onde foram armazenados. Sendo idênticos os códigos, aí sim poderíamos concluir que os arquivos constantes nesses suportes são também idênticos. Como a acusação e o juízo de origem se recusaram a adotar esse procedimento, há um prejuízo concreto à confiabilidade da prova, porque não há como saber se os arquivos são, de fato, os mesmos.
Além disso, na situação sob análise, há um fato incontroverso: Ministério Público, juízo singular e acórdão recorrido reconhecem que parte do material apreendido é absolutamente inacessível, porque seus arquivos foram corrompidos por “algum tipo de erro”, que se acredita ter acontecido no momento da extração dos dados na busca e apreensão. O problema principal da causa está, dessarte, na ofensa à integralidade da prova.
Todos os agentes processuais reconhecem que a defesa não tem acesso à integralidade do material, pois parte dos arquivos foi irremediavelmente perdida, por algum erro desconhecido. Não se sabe qual parte dos arquivos é essa, se ela fomentaria uma elucidação melhor dos fatos ou mesmo se ela corroboraria alguma linha fática defensiva. Por exclusiva responsabilidade do Estado, essa informação se perdeu, e não há como acessá-la.
Em resumo, a prova digital está incompleta. Considerando que parte das conversas se perdeu por responsabilidade exclusiva do Estado, quando esses dados estavam em sua custódia, é ônus do Estado arcar com as repercussões jurídicas da incompletude da prova. Isso porque, se o remanescente da interceptação fosse admitido em juízo, pairariam eternamente dúvidas muito relevantes sobre o conjunto probatório.
Portanto, à semelhança da situação julgada no HC 160.662/RJ, não houve a “salvaguarda da integralidade do material colhido na investigação, repercutindo no próprio dever de garantia da paridade de armas”.
A jurisprudência do STJ, em casos análogos, determina a inadmissibilidade de provas incompletas, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, e à própria confiabilidade dos registros de corpo de delito.
Assim, mantendo íntegra e coerente jurisprudência desta Corte Especial, como manda o art. 926 do Código de Processo Civil (CPC), deve-se aplicar aqui a mesma solução dada no AgRg no RHC 143.169/RJ, em 2023, e ao HC 160.662/RJ, em 2014, no sentido da inadmissibilidade da prova digital que não atende a requisitos mínimos de confiabilidade.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
LEGISLAÇÃO
Código de Processo Civil (CPC), art. 926.
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 838 – leia aqui.
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