Novidade legislativa: progressão de regime da mulher gestante, mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência
Com o recesso e as festas de fim de ano, imaginamos que a legislação permanecerá inalterada por algumas semanas. Aliás, uma imagem divulgada nas redes sociais dizia: “É bom ver o STF de férias. Dá uma sensação de segurança jurídica”. Confesso: concordo totalmente!
Entretanto, no dia 20 de dezembro de 2018, foi inserida uma nova forma de progressão de regime, por meio da inclusão dos §§ 3º e 4º, no art. 112, da Lei de Execução Penal, em razão da publicação da Lei nº 13.769/18. Como essa lei entra em vigor na data da publicação (não há “vacatio legis”) e se trata de norma mais benéfica, a aplicação é imediata, ou seja, há apenadas que já preenchem os requisitos para esse direito, que deve ser devidamente postulado ao Juízo da Execução Penal.
De início, insta salientar que a regra da progressão, prevista no art. 112, caput, da Lei de Execução Penal, não sofreu alteração. Logo, como regra, continua previsto o prazo de 1/6 para a progressão dos condenados por crimes que não sejam hediondos ou equiparados, sendo irrelevante se é primário ou reincidente.
Quanto ao art. 2º, §2º, da Lei de Crimes Hediondos, houve uma pequena alteração:
§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).
Destarte, a progressão dos condenados por crimes hediondos ou equiparados continua exigindo 2/5 ou 3/5, conforme seja primário ou reincidente. Entretanto, a parte final do mencionado dispositivo legal passa a exigir a observância do novo texto do art. 112, §§3º e 4º, da LEP.
Para compreender a inovação legislativa, é importante ver a redação dos parágrafos incluídos no art. 112 da LEP:
Art. 112, § 3º, da LEP: No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V – não ter integrado organização criminosa.
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo.
Como se observa, trata-se de uma nova forma de progressão de regime, prevista exclusivamente para “mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência”.
O requisito do inciso I afasta a aplicação dessa forma de progressão de regime às apenadas que cumprem pena por crime cometido com violência ou grave ameaça a pessoa, como homicídio, roubo e extorsão.
Considerando que se trata de uma novidade legislativa que tem foco não apenas na apenada, mas também – e principalmente – na pessoa que recebe os cuidados da apenada, o inciso II não admite essa modalidade de progressão se o crime foi cometido contra filho ou dependente.
Os incisos I e II, como visto, são obstáculos para a aplicação dessa progressão. Ademais, o art. 112, §3º, menciona a expressão “cumulativamente”. Dessa forma, caso a situação da apenada se amolde a apenas uma dessas proibições, seria suficiente para afastar essa modalidade de progressão, passando a ser aplicada a regra do art. 112, caput, da LEP, ou aquela da Lei de Crimes Hediondos.
Portanto, se a apenada praticou um crime sem violência ou grave ameaça contra o filho ou se praticou um crime com violência contra qualquer pessoa que não seja seu filho ou dependente, não fará jus a essa espécie de progressão, devendo cumprir os outros prazos (1/6, 2/5 ou 3/5).
O inciso III, por sua vez, prevê um novo prazo para a progressão de regime, aplicável somente nessa hipótese do art. 112, §3º, da LEP. Trata-se da exigência do cumprimento de 1/8 da pena no regime atual, considerando o início da pena ou outra data-base (em caso de falta grave, por exemplo).
No que concerne ao inciso IV, exige-se o bom comportamento carcerário, o que é comprovado por meio de atestado de conduta carcerária assinado pelo diretor do estabelecimento. Percebe-se que não há menção de exame criminológico, motivo pelo qual não deveria ser cabível a exigência do referido exame, haja vista que não cabe ao Judiciário criar requisitos que dificultem a concessão de um direito legalmente previsto e disciplinado. Contudo, é provável que os Tribunais entendam que o exame não é obrigatório, mas pode ser determinado, motivadamente, em alguns casos, considerando-o facultativo.
O inciso IV também exige a primariedade, inviabilizando essa espécie de progressão para as apenadas que tiveram a reincidência reconhecida no processo que gerou a condenação. Conforme analisei em um vídeo recente (veja aqui), não é possível reconhecer a reincidência na execução penal, se ela não foi mencionada na decisão condenatória.
Em suma, se a apenada é primária e preenche os outros requisitos mencionados, deve ser aplicada a nova espécie de progressão. Por outro lado, se é reincidente, ainda que preencha os outros requisitos, deverá cumprir 1/6 (crimes comuns) ou 3/5 (crimes hediondos ou equiparados).
Por fim, conforme o inciso V, não será cabível a nova espécie de progressão se a apenada integrou organização criminosa. Nesse ponto, o art. 1º, §1º, da Lei 12.850/13, conceitua organização criminosa de forma detalhada.
O §4º do art. 112 da LEP possui uma redação confusa, que provavelmente produzirá inúmeras teses defensivas. Ele diz que “o cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo”.
A expressão “revogação” normalmente é utilizada para o trabalho externo, o livramento condicional, a saída temporária, a prisão domiciliar e a monitoração eletrônica. Quanto à progressão de regime, a forma técnica deveria ser “regredir” (art. 118 da LEP).
Pela redação legal, algumas divergências poderão surgir: ocorrerá a “revogação do benefício”, impedindo que a apenada se utilize desse prazo diferenciado futuramente? Ou será apenas a regressão de regime, cabendo, futuramente, uma nova progressão com a exigência de 1/8? Por se tratar de dispositivo específico que regulamenta essa nova espécie de progressão, a “revogação do benefício” é a única consequência legal no caso de falta grave? Ou também será cabível a perda de até 1/3 dos dias remidos? Enfim, podem surgir alguns debates a partir do mencionado dispositivo legal.
Por derradeiro, destaca-se que o livramento condicional não foi modificado, razão pela qual, mesmo sendo mulher gestante, mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, continuam sendo aplicados os prazos já estabelecidos (1/3, 1/2 ou 2/3).
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