O sistema prisional é perigoso para o Advogado?
No final de abril de 2018, três Defensores Públicos foram feitos reféns dentro de um estabelecimento prisional por 20 horas (leia aqui). Os presos reivindicavam melhores condições na unidade.
Esse caso despertou a atenção de muitos estudantes, bacharéis e jovens Advogados. Inúmeros questionamentos surgiram quanto à segurança dos estabelecimentos prisionais para Advogados. Afinal, o Advogado corre algum risco quando faz atendimentos no interior do cárcere?
Esse assunto é importante, considerando que muitos estudantes e Advogados que sempre gostaram da área criminal podem achar que esse fato isolado reflete uma realidade diária.
Como já relatei em outra oportunidade (leia aqui), do momento em que me graduei até agora, passando pela atuação como Defensor Público e, atualmente, na Advocacia privada, enfrentei apenas uma situação um pouco mais perigosa.
Em determinada oportunidade, participava do interrogatório de um apenado na sala do diretor do presídio. Tratava-se de uma audiência relativa a um procedimento administrativo que apurava uma suposta falta grave.
Quando fui questionado pelo apenado quanto à proximidade da sua progressão de regime, expliquei-lhe que uma falta grave anterior havia alterado sua data-base para esse direito, fazendo com que a progressão fosse adiada por mais 2 anos. Naquele momento, o apenado, que acreditava que esse direito seria deferido em poucos dias, ficou irritado e começou a dizer frases como “o que me impede de te matar agora?”, enquanto se levantava e inclinava o corpo em minha direção. Imediatamente, os agentes penitenciários contiveram o apenado.
Tratou-se de um fato isolado, que ainda exige uma contextualização. Aquele apenado havia permanecido por alguns meses internado, diante de uma doença mental que o afetava. Portanto, não é possível afirmar que estava em pleno gozo das faculdades mentais.
Nos atendimentos realizados antes e depois desse fato, nada aconteceu. Aliás, já fiz atendimentos em vários ambientes (principalmente para evitar deslocamentos desnecessários no interior do cárcere), como em corredores, na porta da cela, em salas de atendimento e, inclusive, na cozinha do presídio, enquanto o apenado preparava a refeição que seria servida aos outros apenados. Nada aconteceu!
Por outro lado, já tive ciência de outros riscos. Em certa ocasião, um apenado registrou boletim de ocorrência por corrupção passiva contra Defensores, Promotores e Juízes em uma cidade próxima de onde eu atuava. Ele alegava que todos que conversavam com ele “cobravam propina”. Apesar do risco para as autoridades, as investigações logo concluíram que o apenado fazia isso como uma forma de pressionar para ter direitos. Qual foi o resultado? O apenado passou a ser investigado por denunciação caluniosa.
A “sorte” no caso acima foi que várias autoridades sofreram com essa conduta. Se fosse apenas um indivíduo (apenas o Promotor, por exemplo), haveria a chance de que ele respondesse criminalmente por corrupção passiva, destruindo sua vida.
Assim, os momentos de perigo durante (ou decorrentes de) atendimentos no interior dos presídios são raríssimos.
Os riscos são menores e quase inexistentes se o Advogado fizer atendimentos de forma respeitosa, não demorar para dar respostas aos questionamentos feitos pelos apenados (considero que o ideal seria não ultrapassar o prazo de uma semana entre o atendimento e a resposta) e nunca mentir dizendo que fez algo que ainda não fez (dizer, por exemplo, que já peticionou requerendo a progressão de regime, quando ainda não o fez).
Também é necessário manter um afastamento, evitando pessoalizar excessivamente o atendimento. É necessário demonstrar, a cada momento, que o Advogado é quem mais se importa (ou talvez o único) com o preso. Aliás, não apenas demonstrar, mas também ser alguém que lute, com todas as armas legalmente cabíveis, pelos direitos do apenado.
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