O princípio da insignificância nos crimes ambientais
Em outros textos, já abordei o princípio da insignificância, especialmente quanto ao porte de munição (leia aqui), aos crimes contra a Administração (leia aqui) e à transmissão clandestina de rádio (leia aqui). Também já tratei de 16 teses do STF sobre o princípio da insignificância (leia aqui) e a relação desse princípio com a habitualidade delitiva (leia aqui).
O princípio da insignificância, também chamado de princípio da bagatela, tem sido amplamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência, ainda que com algumas reservas (como no caso da aferição do requisito subjetivo), quando há mínima ofensividade ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.
Quando o bem jurídico protegido pelo Direito Penal não é seriamente ofendido, não é justificável a aplicação do mais rigoroso ramo do Direito.
Nesse ponto, há divergência sobre a aplicação do princípio da insignificância ao Direito Penal Ambiental. Assim, faremos uma breve análise dessa celeuma a partir do ponto de vista defensivo.
Há quem defenda a inaplicabilidade do princípio da insignificância quando o bem jurídico for o meio ambiente, haja vista que seria um direito coletivo e que constituiria um dever de todos zelar por sua proteção. Ademais, argumenta-se, se todos ofenderem minimamente o meio ambiente, ocorrerá uma catástrofe.
Nesse caso, qualquer lesão ao meio ambiente seria relevante, porque atinge um direito que é da coletividade, nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal (“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”).
Por outro lado, há quem entenda que é possível a aplicação do princípio da insignificância, desde que a lesão ambiental não seja significativa. Nesse prisma, não seria cabível a intervenção do Direito Penal, mas sim de outros meios para solucionar o problema, como o Direito Administrativo.
Particularmente, entendendo pessoa possibilidade de incidência do princípio da insignificância. Aliás, punir mínimas ofensas ao meio ambiente com o argumento de que “se todos praticarei tais atos mínimos, teremos uma catástrofe” é gerar uma responsabilidade por potenciais atos de terceiros (o agente é punido pela possibilidade de que terceiros também ofendam o meio ambiente), além de se tratar de uma punição por meras suposições, isto é, imaginando a possibilidade de que todos os seres humanos (ou uma parte considerável da população) agridam o meio ambiente.
Os Tribunais Superiores possuem algumas decisões entendendo pela aplicação do princípio da insignificância em relação aos crimes ambientais.
Em um caso envolvendo a pesca de apenas um quilo de peixe, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a atipicidade da conduta, em virtude do princípio da insignificância:
[…] CRIME AMBIENTAL. PESCA MEDIANTE PETRECHOS NÃO PERMITIDOS. MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. […] 2. Aplica-se o princípio da insignificância, reconhecendo a atipicidade material da conduta, consubstanciada em pescar mediante a utilização de petrechos não permitidos, se foi apreendida a ínfima quantidade de um quilo de peixe, o que denota ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado. 3. Flagrante ilegalidade reconhecida. […] (STJ, Sexta Turma, HC 178.208/SP, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 20/06/2013)
Em outro caso, o STJ também aplicou o princípio da insignificância para a conduta de indivíduos que tentavam praticar pesca em local interditado, mas não tiveram nenhuma quantidade de pescado apreendida:
[…] AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Hipótese em que, com os acusados do crime de pesca em local interditado pelo órgão competente, não foi apreendido qualquer espécie de pescado, não havendo notícia de dano provocado ao meio-ambiente, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante. 3. Embora a conduta dos pacientes se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado. […] (STJ, Quinta Turma, HC 143.208/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, julgado em 25/05/2010)
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