STJ: para julgamento perante o júri, a presença do dolo não pode se dar por mera presunção
No AgRg no HC 891.584-MA, julgado em 5/11/2024, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que, ainda que a pronúncia seja uma fase em que a decisão é tomada com base em um juízo de probabilidade, não se admite que a presença do dolo, elemento essencial para a submissão do acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, seja imputado mediante mera presunção.
Informações do inteiro teor:
Discute-se a possibilidade de afastamento do dolo eventual, a fim de que seja desclassificada a conduta de homicídio simples doloso para homicídio culposo na direção de veículo automotor, ao argumento de que não havendo nos autos demonstração cabal de que o recorrente aquiesceu com a ocorrência do resultado morte, assumindo o risco de produzi-la, a desclassificação da conduta em questão para outra de competência do juízo singular é medida que se impõe.
Ao contrário do que afirma o Magistrado singular, a pronúncia é sim o momento em que, após devida instrução probatória, o Juízo tenha condições mínimas de averiguar se se trata de homicídio com intenção de matar, tanto que é possível nesta fase decisões como impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. Não se trata de uma decisão que avalia a plausibilidade jurídica das acusações e recebe a inicial acusatória, mas de um juízo de admissibilidade realizado após produção probatória, razão pela qual não se admite que o acusado seja submetido a julgamento por juízes leigos, apenas por mera presunção, o dolo deve estar inequívoco, sob pena de incompetência do Tribunal do Júri.
Há de se ressaltar, ainda, a notícia trazida aos autos pela defesa, de que logo após o acidente foram tomadas medidas preventivas pela Prefeitura da Capital, no sentido de reforçar a segurança na via para evitar outros acidentes no local, a reforçar fundada dúvida a respeito do dolo eventual do acusado. Aliado a isto, a notícia de que, além de terem acontecido anteriores acidentes no local e o fato de que uma defensa metálica vinha sendo uma reivindicação constante dos moradores daquela área, que realizaram protestos, fecharam a via, mas só conseguiram uma atitude proativa do Poder Público, após a fatalidade.
A corroborar ainda mais essa conclusão, narram os autos que se tratava de local ermo na ocasião do acidente (que ocorreu de madrugada), além de a tragédia ter acontecido em razão de o carro ter caído de um barranco sobre uma rua de casas em que acontecia um evento, circunstâncias não passíveis de ser previstas pelo condutor do veículo.
Em casos semelhantes ao dos autos, em que não são apontadas outras circunstâncias concretas, além do suposto estado de embriaguez e a velocidade acima da permitida para a via, o Superior Tribunal tem reconhecido inviável a conclusão a respeito da presença do dolo eventual.
Nesse contexto, deve ser desclassificada a conduta de homicídio simples doloso para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro), afastando, por consequência, a competência do Tribunal do Júri.
Leia a ementa:
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES DOLOSO. PRONÚNCIA. PRETENSÃO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO. CONDUTA PRATICADA MEDIANTE A CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR, SUPOSTA EMBRIAGUEZ (ATESTADA POR CONCLUSÃO DOS POLICIAIS) E VELOCIDADE SUPERIOR À DA VIA. CIRCUNSTÂNCIAS UTILIZADAS NA DENÚNCIA PARA DETERMINAR A IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DA CONDUTA COM DOLO EVENTUAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. FALTA DE ELEMENTOS QUE DEMONSTREM O ASSENTIMENTO DO ACUSADO COM O RESULTADO DESASTROSO. LOCAL ERMO E QUEDA DO VEÍCULO DE UM BARRANCO. VIA CONHECIDA PELA COMUNIDADE COMO PERIGOSA (OCORRÊNCIAS ANTERIORES) E CARENTE DE MEDIDAS DESTINADAS A EVITAR ACIDENTES (SINALIZAÇÃO E DEFENSA METÁLICA). EXISTÊNCIA DE UM EVENTO FESTIVO NO LOCAL EM QUE O VEÍCULO CAIU E CAUSOU AS MORTES. AUSÊNCIA DE PREVISÃO. NOTÍCIA DE QUE APÓS O ACIDENTE A PREFEITURA TOMOU MEDIDAS PARA EVITAR FUTUROS DANOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL QUE SE IMPÕE. 1. Ainda que a pronúncia seja uma fase em que a decisão é tomada com base em um juízo de probabilidade, não se admite que a presença do dolo, elemento essencial para a submissão do acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, seja imputado mediante mera presunção. 2. Este Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que, na hipótese em que não são apontadas circunstâncias concretas, além do suposto estado de embriaguez e a velocidade acima da permitida para a via, é inviável a conclusão a respeito da presença do dolo eventual. Precedentes. 3. Hipótese em que, além do suposto estado de embriaguez e a velocidade superior à permitida para a via, o fato ocorreu em avenida conhecida pela ocorrência de anteriores acidentes, existindo notícias da reivindicação de medidas destinadas a evitar tais eventos por parte dos moradores, que pleiteavam devida sinalização e defensa metálica, além de o fato ter ocorrido mediante a queda do veículo em um barranco que o conduziu a uma rua na qual acontecia um evento festivo, circunstâncias fora da esfera de previsão do agente. 4. Agravo regimental provido para desclassificar a conduta de homicídio simples doloso para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro), afastando, por consequência, a competência do Tribunal do Júri. (AgRg no HC n. 891.584/MA, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 18/11/2024.)
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
LEGISLAÇÃO
Código de Trânsito Brasileiro (CTB), art. 302.
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 835 – leia aqui.
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