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Evinis Talon

STJ: A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime

06/08/2019

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Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1021670/SP, julgado em 03/12/2013 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO TENTADO. DESCLASSIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. IRRADIAÇÃO DOS EFEITOS OBJETIVOS DA COISA JULGADA MATERIAL. RECONHECIMENTO DE CONDUTA CULPOSA. RESULTADO DOLOSO. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. OCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO AGENTE. RECURSO PROVIDO. 1. Na esfera penal, os efeitos da coisa julgada material estão previstos expressamente no art. 110, § 2º, do Código de Processo Penal e atingem a parte dispositiva da sentença, bem como o fato principal, independentemente da qualificação jurídica a ele atribuída, irradiando os seus efeitos para dentro e para fora do processo, ficando o órgão julgador vinculado ao que foi decidido. 2. Os efeitos da coisa julgada material têm por objetivo evitar a prolação de decisões conflitantes referentes ao mesmo fato e sujeitos processuais, observando o princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações de direito material. 3. No caso, o agente, mediante uma só ação, deu causa a resultados jurídicos diversos – morte e lesão corporal de vítimas distintas. A despeito da ocorrência de concurso formal de crimes, os fatos tiveram tramitação em diferentes procedimentos penais. Em relação ao processo criminal referente ao resultado morte (que não é objeto do presente recurso), o agravante, ao ser submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri por crime de homicídio doloso, teve a sua conduta desclassificada para homicídio culposo, tendo a decisão transitada em julgado. Referindo-se esse processo à mesma conduta que se examina no presente feito, é de rigor a extensão dos efeitos daquela decisão transitada em julgado para os autos desta ação penal, reconhecendo-se, assim, tratar-se, no caso, igualmente de conduta culposa, haja vista a prática de apenas um ato pelo agente. 4. Havendo a prática de uma conduta culposa pelo agravante, o resultado naturalístico e indesejado somente lhe pode ser imputado a título culposo, situação que impõe a desclassificação do fato para lesão corporal culposa (art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro). 5. A sentença de pronúncia e o acórdão que a confirma continuam a ser marcos interruptivos da prescrição, ainda que procedida a desclassificação da conduta do agente. Súmula 191/STJ. 6. Diante da reclassificação do crime e, verificando-se a nova pena abstratamente cominada ao delito – 2 (dois) anos de detenção -, constato o transcurso do lapso prescricional entre a data do acórdão que confirmou a decisão de pronúncia (7/12/2004) – último marco interruptivo dos autos – até a presente data. 7. Recurso especial provido para reclassificar a conduta para o crime previsto no art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro e, nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal, declarar extinta a punibilidade do agente pela prescrição da pretensão punitiva do Estado. (REsp 1021670/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 11/12/2013)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (Relator):

O recorrente objetiva, em síntese, a desclassificação do crime de tentativa de homicídio doloso para lesão corporal culposa.

A denúncia imputou ao recorrente a prática do crime previsto no art. 121, caput, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal, nos seguintes termos (fls. 6/7):

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 23 de agosto de 1998, por volta da 1:00 hora, no viaduto Antartica, confluência com a Praça Luis Carlos Mesquita, nesta capital, CRAUZEMBERG CASOTTI CAMPOS, agindo com dolo eventual, assumiu o risco de matar Magda Silva de Figueiredo, quando em alta velocidade, arremessou seu automóvel, contra uma motocicleta, causando na vítima os ferimentos descritos no laudo de exame de corpo de delito a ser oportunamente juntado. Segundo apurou-se, o denunciado conduzia o seu veículo pela Av. Sumaré quando envolveu-se em uma discussão com Franco Giobbi, fato este apurado no processo crime n. 625/08 que tramita perante esta egrégia Vara. Percebendo que Franco Giobbi saiu do local, o denunciado imprimiu alta velocidade em seu automóvel com o intuito de alcançá-lo. Ao encontrá-lo, direcionou seu conduzido para a motocicleta onde estava Franco Giobbi chocando-se contra a mesma. Com o impacto o automóvel dirigido pelo denunciado capotou. Com tais manobras perigosas o indiciado assumiu o risco de matar Magda Silva de Figueiredo, posto que a mesma permaneceu, durante todo o tempo, como passageira do automóvel, acabando por suportar ferimentos que serão demonstrados no laudo.

O Juiz de primeiro grau pronunciou o recorrente pela prática de homicídio tentado sob os seguintes fundamentos (fls. 1.098/1.103):

Neste diapasão, quanto ao mérito, compulsados os autos, verifica-se que o acusado deve ser pronunciado, uma vez presentes os requisitos do art. 408 do CPP. Efetivamente, a materialidade do delito encontra-se evidenciada pelo laudo de exame de corpo de delito acostado às fls. 695 e verso, havendo indícios suficientes quanto a autoria, consoante a prova oral colhida em instrução. No interrogatório de fls. 263/265, o acusado negou as imputações de que tivesse intenção de matar a vítima, Magda, pois jamais imaginou que os fatos pudessem acabar daquela maneira. Contudo, no interrogatório do processo n.º 625/98, cuja xerocópia encontra-se às fls. 325/328, asseverou ter bebido à tarde entre 19:00 horas e 20:00 horas, três copos de cerveja e no jantar dois copos. No interrogatório realizado em plenário confirmou, também, que estava em excesso de velocidade e que estava indo atrás da motocicleta. Magda Silva de Figueiredo relatou que na ocasião dos fatos estava junto com o acusado, no estabelecimento comercial denominado Pantanal. Ele tomou dois chopps e ela uma caipirinha. Foram embora, sendo que na avenida Sumaré o acusado, que dirigia o Tempra, notou a presença de um motoqueiro, dando-lhes sinais de luz e gesticulando. Olhou para trás e percebeu que na verdade eram dois motoqueiros e não apenas um. Pararam em um dos sinais de trânsito, quando então um dos rapazes da moto passou a xingar o acusado com palavras de baixo calão, dizendo-lhe que era cego e que o havia fechado. A seguir, xingou a depoente de vagabunda. O outro rapaz que estava na outra moto deu um soco no acusado, fazendo com que a cabeça dele batesse na cabeça da depoente. Em seguida, os motoqueiros fizeram ziguezague na frente do tempra e foram embora, ingressando na Avenida Antártica. O acusado foi atrás deles para anotar a placa. Porém, um dos motoqueiros sumiu do campo de visão, visto que a moto andava mais rápido. Passaram o topo da Avenida Antártica e na descida viram que o farol estava fechado e que havia carros parados, oportunidade em que a moto que ia bem a frente do veículo diminuiu a marcha. O acusado brecou, mas o tempra derrapou, batendo na motocicleta. A partir daí não se lembrava de mais nada. Fábio Abate Manhani Santos, motociclista que acompanhava o falecido Franco Giobbi, aduziu que na ocasião dos fatos ele e Franco vinham pela Avenida Sumaré, quando um carro Tempra verde ziguezagueava, fechando-os várias vezes, sendo que até pensaram que o motorista estivesse passando mal ou estivesse bêbado. Desceram das motocicletas perguntando-lhe se estava bem, mas o acusado não falava coisa com coisa. O depoente, então falou para Franco que deveriam ir embora, pois o acusado parecia bêbado ou drogado. Todavia, o acusado saiu com o carro em alta velocidade, dando luz de ré e tentando atropelá-los, só não o conseguindo porque cada um saiu para um lado do viaduto e havia carros na frente. Em seguida, o depoente viu a explosão e o carro capotou. Antes da explosão, não ouviu barulho de frenagem. Não viu Franco agredir ninguém, sendo que o depoente também não agrediu ninguém. Acrescentou, ainda, ter chamado o acusado de crápula pela atitude de tê-los seguido durante dois quilômetros, fazendo o que fez. Nem o depoente nem Franco estavam embriagados ou drogados. O acusado os fechou várias vezes, sendo que houve uma discussão. Após a colisão, encontrou o corpo do amigo a uns quarenta ou cinquenta metros do local do impacto. Wlademir Constantino Oliveira, Delegado de polícia, na ocasião dos fatos estava de plantão no 23º DP de Perdizes, quando recebeu a informação do ocorrido. Segundo o apurado, houvera um desentendimento entre as pessoas envolvidas no acidente, sendo que o acusado perseguiu um motoqueiro, com um veículo Tempra, o qual faleceu em razão do sinistro. Foi até o local, encontrando 62 metros de sinais de frenagem o que significava que o motorista do tempra dirigia a 130 Km por hora ou mais. Quando ouviu o réu na delegacia notou que o mesmo exalava um odor azedo, característico de quem havia ingerido bebida alcóolica, cujo efeito já estava começando a passar. O acusado e a vítima lhe disseram que o motoqueiro teria agredido um dos dois com um soco no rosto. O depoente não autuou o acusado por tentativa de homicídio em relação a Magda, pois naquela época não tivera tal convicção. Gilberto Carvalho, policial militar, na data do ocorrido foi ao local atender a ocorrência, encontrando a vítima fatal Franco com ferimentos na cabeça, o qual estava sem capacete, mas mesmo assim já havia falecido. Foi até o Pronto Socorro, conversando com o acusado e a vítima Magda, os quais lhe disseram ter ocorrido uma discussão com um dos motoqueiros, sendo que o acusado saiu em perseguição dos rapazes. Nem o réu nem a vítima lhe esclareceram como um dos motoqueiros conseguiu esmurrar o réu com os veículos em movimento, observando que o acusado não apresentava ferimento de soco no rosto, mas só do acidente. O outro motociclista relatou-lhe que o Tempra fechara as duas motos, próximo ao clube Palmeiras, quando houve uma discussão e o Tempra passou a persegui-los. Ao chegarem na confluência do viaduto Antártica com a Praça, escutou o barulho da explosão e ao se virar para trás viu fumaça e o veículo danificado. Passou a procurar por Franco e deu algumas voltas na praça, localizando-o inerte e caído na sarjeta. Cláudia da Silva Rosa, policial militar, conversou com Fábio, o qual lhe afirmou que houvera uma discussão com o motorista do Tempra. Fábio e Franco foram embora. Porém, o acusado passou a persegui-los, sendo que no local dos fatos colidiu com a motocicleta conduzida por Franco, o qual faleceu. O acusado e a vítima lhe disseram que houvera uma discussão com os motoqueiros, sendo que um deles deu um soco no réu, razão pela qual este passou a persegui-los. Entretanto, a partir daí nem o acusado, nem a vítima, lembravam-se de mais nada. A depoente aduziu, ainda, textualmente: “Pelo estado do carro seria possível ter havido o resultado morte com relação aos ocupantes do mesmo.” Assim sendo, diante da situação em que os dois processos se encontram, não há que se falar em desclassificação do delito destes autos para a modalidade culposa ou dolosa. A inexistência de representação processual da vítima e as respectivas consequências jurídicas, bem como as divergências entre os laudos periciais anexados aos autos, deverão ser analisadas no julgamento em plenário. As circunstâncias do crime, em princípio, permitem o encaminhamento do caso a julgamento em plenário, cabendo ao Conselho de Sentença, analisar se o acusado teria agido com dolo eventual, antevendo o resultado morte e aderindo subjetivamente a ele ou com culpa consciente, prevendo o resultado morte, mas supondo que o mesmo não se concretizaria. Pondera, finalmente, que para a pronúncia deve ser observado o princípio in dubio pro societate e não in dubio pro reo.

A Corte de origem manteve a sentença que pronunciou o recorrente por tentativa de homicídio, nos seguintes termos (fls. 1.250/1.258):

No mérito, impende que se mantenha a pronúncia. Na madrugada de 23 de agosto de 1998, o Recorrente saiu de um restaurante da Av. Sumaré, em companhia da vítima Magda, conduzindo seu veículo “Fiat-Tempra”. Enquanto trafegava por essa avenida, houve um desentendimento entre ele e Fábio Gíobbi, que pilotava uma motocicleta, quando esse motociclista ter-lhe-ia desferido um soco no rosto. O Recorrente, logo após esse incidente, foi no encalço do motociclista. Alcançou-o no viaduto Antártica, altura da Praça Luiz Carlos Mesquita, onde chocou o seu veículo contra a motocicleta, arremessando seu piloto por vários metros, e, em seguida, o automóvel capotou. O Dr. Wlademir Constantino Oliveira, Delegado de plantão, que esteve no local do acidente, afirmou que o automóvel chegou a bater em um poste de iluminação pública, derrubando-o, tal forte o impacto (fls. 313). Em razão da queda ao chão, o motociclista faleceu no local, e, com o capotamento do “Tempra”, Magda sofreu ferimento na face e fratura do úmero direito, conforme o laudo de exame de corpo de delito de fls. 695/v’. Fábio Abate Manhani Santos, – falecido após sua inquirição antejudicial (fls. 313), – que pilotava sua motocicleta em companhia da vítima fatal, confirmou aquele incidente entre ela e o Recorrente, porque este interceptou a trajetória de suas motocicletas, ele indo no encalço de ambos. A vítima Magda esclareceu que, em seguida ao aludido incidente, o Recorrente resolveu ir atrás dos motoqueiros, acelerando seu “Tempra” para alcançá-los, uma vez que eles andavam bem mais rápido do que o automóvel (fls. 321). A perícia de fls. 410/412, efetuada pelo Instituto de Criminalística, constatou, no sitio da colisão, a existência de aproximadamente 62 metros de frenagem, em correspondência com os pneus do “Tempra”, concluíndo que ele era conduzido com a velocidade de 105 km/h. Aliás, no interrogatório do Processo 625/98, – cuja juntada o Recorrente sugeriu nestes autos (fls. 264), – ele reconheceu que estava “correndo muito”, imprimia ao “Tempra” velocidade incompatível com aquela situação, acrescentando que brecou “fundo” o automóvel, mas ele “começou a escorregar com os pneus travados”, assim colidindo com a motocicleta à sua frente, acabando por capotar (fls. 769). As testemunhas de defesa não presenciaram os fatos, limitando-se a referir os bons antecedentes do Recorrente (fls. 350, 352, 354, 356, 358, 625, 626, 638). Vê-se, em tudo, que as circunstâncias antecedentes e concomitantes ao fato evidenciam que o Recorrente teria assumido o risco de matar a vítima Magda, dirigindo o “Tempra” com velocidade incompatível com o local, como ele próprio reconheceu.

Não obstante a previsibilidade do evento ilícito, o Recorrente teria admitido sua superveníência, como a realidade fática parece revelar. Encaixa-se, no caso, a fórmula de PRANK, a respeito do dolo eventual, a denominada “teoria hipotética do consentimento”, lembrada por NÉLSON HUNGRIA. […] Enfim, o Recorrente teria pressentido o perigo, sabendo de sua possibilidade, mas, apesar disso, desse no que desse, resolveu praticar o ato arriscado. Não é possível, portanto, a pretendida desclassificação da tentativa de homicídio doloso para o delito de lesão corporal culposa, até porque não transitou em julgado o julgamento do Júri, no Processo n. 625/98, o Recorrente vindo de ser julgado, nos presentes autos, necessariamente, por outro Conselho de Sentença. Impende, em suma, que seja submetido ao julgamento do Júri, que, em sua soberania, não deixará de apreciar, também, a perícia oficial de fls. 410/412 e as criticas discordantes, que lhe foram feitas pelo ilustre Professor e Perito Pedro Lourenço Thomaz, em trabalhos elaborados a pedido da pugnaz Defesa (fls. 363/398, 419/416, 640/659), considerando-se que os Peritos poderão ser convocados a dar os esclarecimentos que as partes entenderem oportunos ou convenientes à melhor solução da causa. Derradeiramente, cabe realçar que os fatos são ora apreciados sob seu aspecto estritamente indiciário, de judicium accusationis, a existência de elementos informativos hábeis recomendando a submissão da lide a seu juízo natural. III – Em conseqüência, rejeitadas as preliminares, negam provimento ao recurso.

Opostos embargos infringentes, foram rejeitados, tendo a decisão sido assim ementada (fls. 1.335):

EMBARGOS INFRINGENTES. Tentativa de homicídio simples. Desclassificação para o delito de lesão corporal culposa, com extinção da punibilidade pela decadência, em sede de pronúncia, em razão da ausência de prova da existência do crime e também porque operada a desclassificação para homicídio culposo em crime conexo. Impossibilidade. Circunstâncias fáticas suficientemente comprovadas, autorizando a cogitação da tentativa com dolo eventual. Desclassificação, por ocasião do ‘iudicium accusationis’, só pode ocorrer quando o seu suporte fático for inquestionável e detectável de plano. Na fase da pronúncia, qualquer questionamento ou ambiguidade faz incidir o princípio ‘in dubio pro societate’. Alegação de inexistência de tentativa em dolo eventual. Não cabimento. O dolo eventual equipara-se ao dolo direto, não havendo incompatibilidade com o homicídio tentado. Embargos infringentes rejeitados.

Pelo cenário fático delineado na denúncia, na sentença de pronúncia e no acórdão recorrido, constata-se que a imputação da conduta de tentativa de homicídio ao agravante consistiu no fato de que, após uma briga de trânsito entre ele e o motociclista Franco Giobbi, teria empreendido perseguição contra este, sendo que, em determinado momento, imprimindo alta velocidade em seu veículo Fiat/Tempra, direcionou o seu carro contra a motocicleta, vindo os veículos a colidirem. Dos fatos, ocorreu a morte do motociclista Franco Giobbi e ferimentos no agravante e em sua namorada que o acompanhava ante o capotamento do veículo.

Do relatado, depreende-se que o agravante Crauzemberg Casotti Campos praticou tão somente uma conduta consistente em empreender alta velocidade em seu veículo e, com isso, provocar a colisão de seu carro com a motocicleta pilotada por Franco Giobbi, ocasionado a queda desta e o capotamento daquele. Dessa conduta, decorreu a produção de resultados distintos – morte de Franco Giobbi e lesões no agente e em sua namorada. Assim, não há dúvidas quanto à ocorrência do concurso formal de crimes, visto que o agente, com apenas uma conduta, deu causa a diversos resultados – a morte de uma das vítimas e lesões na outra.

Embora constatada a ocorrência de concurso formal entre as infrações praticadas pelo agravante, estas tiveram processamento em autos distintos.

Em relação à vítima Franco Giobbi, foi ajuizada a ação penal n. 625/1998, na qual o agravante foi denunciado pela suposta prática de crime de homicídio qualificado. Submetido a julgamento perante o Conselho de Sentença, os jurados determinaram a desclassificação de sua conduta para homicídio culposo na direção de veículo automotor, tendo o Juiz Presidente estabelecido a pena do agente em 2 (dois) anos de detenção e suspensão do direito de dirigir pelo mesmo período. Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs recurso de apelação.

Solicitadas informações ao Tribunal de Justiça de São Paulo, estas foram prestadas com esclarecimentos de que, em sessão realizada no dia 14/11/2006, a Quarta Câmara Criminal daquela Corte, por maioria de votos, negou provimento ao recurso ministerial e, de ofício, julgou extinta a punibilidade do réu pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, tendo o acórdão transitado em julgado.

Em relação à ofendida Magda Silva de Figueiredo foi instaurado o presente processo criminal autuado sob o n. 328.903-3/4-00, no qual se imputou a infração de tentativa de homicídio.

Como ressaltado anteriormente, o agravante praticou tão somente uma conduta e, sobre essa, já houve pronunciamento definitivo do Tribunal do Júri no sentido de que o agente não quis e nem assumiu o risco de produzir o resultado morte de Franco Giobbi, dando causa ao resultado morte por imprudência na direção do veículo automotor.

Ora, sendo apenas uma a conduta praticada pelo agravante, com a produção de dois resultados contra vítimas distintas, impossível que se atribua a um deles a modalidade dolosa e para o outro a culposa, quando já definitivamente julgado que o ato perpetrado pelo agente decorreu de culpa e não de dolo. Isso porque, embora possível que de uma conduta dolosa decorram resultados que possam ser atribuídos ao agente a título de dolo – ele quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo – ou a título de culpa – não quis o resultado e nem assumiu o risco de produzi-lo, contudo, imprudentemente, negligentemente ou de forma imperita, acabou por dar causa a resultado lesivo de algum bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico –, referida situação não ocorre quando a conduta perpetrada pelo agente é culposa.

Se o agente mediante ação ou omissão imprudente, negligente ou imperita – espécies de culpa – dá causa a um resultado indesejado, este não poderá ser imputado a título de dolo, mas tão somente a título culposo, pois, uma conduta culposa não pode dar causa a resultado doloso, visto que não deriva da intenção do agente e sim da violação de um dever objetivo de cuidado. Ou seja, se o agente não teve a intenção de produzir o resultado, não o quis e nem assumiu o risco de produzi-lo – dolo – mas, por violação a dever jurídico de cuidado – culpa – deu causa a resultado típico, ilícito e culpável, este não lhe pode ser imputado a título doloso, mas apenas culposamente e desde que previsto em lei a punição daquele fato a título culposo, uma vez que, no crime culposo, o resultado danoso é involuntário. Portanto, se praticado o fato mediante conduta culposa, o resultado advindo daquela somente poderá ser imputado ao agente a título culposo por uma ligação causal de previsibilidade do evento danoso.

Nesse sentido é a lição de Guilherme de Souza Nucci:

Elementos da culpa. a) concentração na análise da conduta voluntária do agente, isto é, o mais importante na culpa é a análise do comportamento e não do resultado; b) ausência do dever de cuidado objetivo, significando que o agente deixou de seguir as regras básicas e gerais de atenção e cautela, exigíveis de todos que vivem em sociedade. Essas regras gerais de cuidado derivam da proibição de ações de risco que vão além daquilo que a comunidade juridicamente organizada está disposta a tolerar (cf. Marco Antonio Terragni, El delito culposo, p. 29). c) resultado danoso involuntário, ou seja, é imprescindível que o evento lesivo jamais tenha sido desejado ou acolhido pelo agente. d) previsibilidade […] e) ausência de previsão […] f) tipicidade, vale dizer, o crime culposo precisa estar expressamente previsto no tipo penal. […] g) nexo causal, significando que somente a ligação, através da previsibilidade, entre a conduta do agente e o resultado danoso pode constituir o nexo de causalidade no crime culposo, já que o agente não deseja a produção do evento lesivo (NUCCI, G. S. Manual de Direito Penal: Parte Geral e Parte Especial. 6. ed. [s.l.]: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 231/232).

Deve-se observar, diante de toda essa digressão, que a discussão do presente recurso não é sobre a existência ou inexistência de conduta culposa – haja vista já ter sido esta objeto de decisão perante o Tribunal de Júri, o qual assentou que a conduta foi praticada mediante imprudência, estando referida decisão, inclusive, acobertada pelo manto da coisa julgada desde o ano de 2006 –, mas sim sobre os efeitos objetivos que ela irradia para o processo criminal ora em análise.

Embora proferido em autos distintos, o julgamento de desclassificação realizado pelo Tribunal do Júri refere-se ao mesmo fato objeto de apreciação no recurso especial epigrafado e dirige-se à mesma conduta perpetrada pelo agente, razão pela qual irradia os seus efeitos para o presente feito.

Diante disso, necessário observar, por mais uma vez, que tendo sido praticada pelo agente apenas uma única ação culposa, inviável a manutenção da sentença de pronúncia por tentativa de homicídio em relação à vítima Magda Silva de Figueiredo, ante a decisão proferida pelo Tribunal do Júri que reconheceu, por ocasião do julgamento do processo em relação à vítima Franco Giobbi, que o ato foi realizado mediante imprudência.

Entendimento diverso, no sentido da possibilidade de manutenção da sentença de pronúncia do agravante em relação à vítima Magda Silva de Figueiredo, violaria a própria soberania dos veredictos e a coisa julgada material, bem como importaria em julgamentos distintos sobre a mesma situação fática. Isso porque, tendo o Conselho de Sentença assentado que a conduta praticada pelo agente decorreu de ato imprudente, desclassificando, na ocasião, o homicídio doloso de Franco Giobbi para culposo, a afirmação em contrário, nesse momento, e ainda que em processos distintos, no sentido de que o ato teria sido praticado mediante dolo eventual, atingiria os efeitos da decisão proferida pelo Júri no processo referente a Franco Giobbi, visto que referentes à mesma e única conduta praticada pelo agravante. Essa situação importaria rescisão reflexa do julgamento proferido pelos jurados e confirmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, bem como colidiria com os próprios efeitos da coisa julgada material, pois estar-se-ia revendo situação fática sobre a qual já houve pronunciamento definitivo do Estado.

Trata-se, na verdade, de extensão ao presente processo criminal dos efeitos objetivos da coisa julgada material, produzida nos autos da ação penal n. 625/2008, visto que referentes ao mesmo fato e à mesma conduta praticada pelo agravante, devendo o reconhecimento da conduta culposa perpetrada pelo agente naquele processo ser estendida ao presente feito.

A extensão dos efeitos da coisa julgada material visa evitar decisões conflitantes entre si, de modo a impedir que questão idêntica e referente ao mesmo fato e ao mesmo sujeito receba soluções jurídicas distintas, conforme disposição do art. 110, § 2º, do Código de Processo Penal. Isso porque os fundamentos objetivos da relação jurídica de direito material acabam sendo atingidos pelos efeitos decorrentes da imutabilidade produzida pela coisa julgada material, projetando-se para fora do processo e obrigando o juiz a acatar a respectiva decisão. Assim, fica vedada a rediscussão dos fatos dentro e fora do processo em que foi proferido o julgado, como na espécie, haja vista a impossibilidade de debate, nesse momento, da natureza culposa da conduta praticada pelo agravante, uma vez que implicaria agravamento/piora na situação do agente em relação ao processo no qual foi condenado por homicídio culposo, tratando-se de uma questão já decidida e sobre a qual não cabe revisão prejudicial ao ora recorrente.

Nos termos dos arts. 63, 65 e 110, § 2º, do Código de Processo Penal, o limite objetivo da coisa julgada material abrange os fatos julgados, independentemente da qualificação jurídica que lhes tenha sido atribuída, principalmente, como no caso dos autos, em que a própria parte dispositiva da sentença proferida anteriormente nos autos do Processo n. 625/1998 assenta que a conduta do agravante foi praticada culposamente, o que nos permite concluir que o presente processo criminal é atingido pelos efeitos da coisa julgada produzida naquela ação penal em relação às questões fáticas lá decididas. Logo, a manutenção da decisão de pronúncia por tentativa de homicídio no presente feito criminal violaria a coisa julgada, seja em relação à parte dispositiva da decisão, seja em relação ao fato principal já decidido anteriormente.

Sobre a questão, é a lição da doutrina:

A coisa julgada tem afinidade com a litispendência porque ambas se fundam no princípio da duplicidade de processo sobre o mesmo fato criminoso ou no princípio do non bis in idem. (NOGUEIRA, P. L. Curso Completo de Processo Penal. 9. ed. Revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 134). LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA Na esfera penal, os limites objetivos da coisa julgada estão gizados no § 2º do art. 110 do CPP: “a exceção de coisa julgada somente poderá ser oposta em relação ao fato principal, que tiver sido objeto da sentença.” Esse fato principal a que se refere o art. 110 no seu § 2º, é aquele “acaecer histórico”, aquele acontecimento, aquele fato que levou o acusador a ingressar em juízo com a ação penal, imputando-o ao réu, pouco importando a qualificação jurídico-penal que se lhe dê. (TOURINHO FILHO, F. C. Manual de Processo Penal. 14. ed. [s.l.]: Saraiva, 2010. p. 851/852).

Fernando da Costa Tourinho Filho lecionando especificamente sobre os efeitos da coisa julgada em concurso formal de crimes, como no caso dos autos, assim dispõe:

Se, na sentença, foi apreciado apenas um desses fatos, e o réu logrou absolvição, o trânsito em julgado dessa sentença impedirá a instauração de outro processo contra o mesmo réu, pelo outro resultado, vale dizer, pelo outro fato? Torna-se necessário indagar qual foi o fundamento do decreto absolutório. Se, por exemplo, a absolvição foi embasada na ausência de dolo ou culpa, evidente que um segundo processo pelo outro resultado seria até ridículo. Assim, se um motorista de ônibus é processado, porque, em face da sua imprudência, deu causa a um acidente, lesionado duas pessoas, e, afinal, o juiz o absolve, sob o fundamento de não haver ele obrado com culpa, não teria sentido se instaurasse um segundo processo, por esse mesmo fato, em relação a uma terceira vítima. Como é que uma mesma ação é culposa e não culposa? (TOURINHO FILHO, F. C. Processo Penal. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2, p. 632).

Assim, reconhecendo a irradiação dos efeitos objetivos da coisa julgada produzida nos autos da Ação Penal n. 625/1998 – a qual assentou que foi culposa a conduta praticada pelo agravante – para o presente processo criminal, e nos termos do art. 419 do Código de Processo Penal, impõe-se a reclassificação da conduta do agente para lesões corporais culposas na direção de veículo automotor (art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro).

Diante da nova classificação jurídica conferida aos fatos, constato a consumação da prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Nos termos da jurisprudência desta Corte, a sentença de pronúncia e a decisão que a confirma continuam a ser marcos interruptivos da prescrição ainda que procedida a desclassificação ulterior da conduta.

Nesse sentido:

A – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. PACIENTE PRONUNCIADO PELO CRIME DE HOMICÍDIO. DESCLASSIFICAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO PELA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. SÚMULA N. 191/STJ. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. – […] – É firme a jurisprudência desta Corte superior no sentido de que “a pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime. Este é o teor do enunciado da Súmula 191/STJ. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 179.090/SP, Relatora a Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE, DJe 8/5/2013.)

B – CRIMINAL. RESP. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. POSTERIOR DESCLASSIFICAÇÃO PELO JÚRI. SÚM. 191/STJ. EXCLUDENTE DE LEGÍTIMA DEFESA E TESE NEGATIVA DE AUTORIA. INCABÍVEL REEXAME PROBATÓRIO. SÚM. 07/STJ. RECURSO DESPROVIDO. I. A sentença de pronúncia é marco interruptivo da prescrição, ainda que ocorrida posterior desclassificação do delito pelo Tribunal do Júri. Súm. nº 191/STJ. II. É inviável, nesta especial instância, a apreciação de alegações que envolvem o reexame de matéria fático-probatória. Súm. nº 07/STJ. III. Recurso conhecido e desprovido. (REsp. n. 94.057/PR, relator o Ministro GILSON DIPP, DJ 21/6/199, p. 180.)

Nos termos do art. 109, caput, do Código Penal, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença penal condenatória, regula-se pela pena máxima abstratamente cominada ao delito. No caso, a conduta foi desclassificada para o tipo descrito no art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro, cuja pena máxima cominada corresponde a 2 (dois) anos de detenção. Nos termos do art. 109, V, do mencionado diploma normativo, para sanções de até 2 (dois) anos, a prescrição ocorrerá em 4 (quatro) anos. Portanto, encontra-se prescrita a pretensão punitiva do Estado ante o transcurso do lapso prescricional desde o último marco interruptivo – acórdão confirmatório da sentença de pronúncia proferido em sessão realizada no dia 7/12/2004 (fl. 1.237)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para desclassificar a conduta para lesões corporais culposas e, nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal, declaro extinta a punibilidade do agravante pela prescrição da pretensão punitiva do Estado.

É como voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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