O STJ e a prova emprestada no processo penal
No processo penal, a prova emprestada deve ser admitida com cautela. Isto porque, no processo penal, as provas devem ser propostas, admitidas e produzidas especificamente para demonstrar a presença ou não dos elementos do crime (fato típico, ilícito e culpável) e para demonstrar se, em relação ao acusado, há provas de autoria.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o seu entendimento pela necessidade de autorização judicial para a utilização de prova emprestada, “in verbis”:
RESTITUIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL PELO STF PARA FINS DO ARTIGO 1.030, II, CPC PARA ADEQUAÇÃO AO RE 601.314/SP JULGADO EM REPERCUSSÃO GERAL. AUSÊNCIA DE DIVERGÊNCIA. MATÉRIA DISTINTA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA COM BASE EM PROVA EMPRESTADA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA.
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2. No âmbito da matéria criminal, por outro lado, resulta incontroverso do constructo normativo, doutrinário e jurisprudencial pátrio que é peremptoriamente vedada a utilização no processo penal de prova emprestada – do procedimento fiscal – sem autorização judicial.
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(REsp 1373498/SE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 22/02/2017)
Considero, contudo, que quando as provas presentes em outro processo podem demonstrar a inocência do acusado ou, de alguma forma, beneficiá-lo, deve-se valorar tais provas, ainda que sem autorização judicial, com base no entendimento que afirma ser admitida a utilização (“rectius”: valoração) de provas ilícitas “pro reo”, com fulcro no princípio da proporcionalidade.
Quanto aos indivíduos que podem ser atingidos pelas provas emprestadas, o STJ tem entendimento consideravelmente amplo, porque não exige a presença das mesmas partes no processo em que foi produzida a prova que será emprestada ao processo penal:
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3. Esta Corte Superior manifesta entendimento no sentido de que “a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto.
Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo” (EREsp 617.428/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Corte Especial, DJe 17/6/2014).
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(HC 292.800/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 10/02/2017)
Admitindo-se uma heterogeneidade de partes de forma desregrada, ocorreriam situações em que o contraditório seria, no mínimo, mitigado, quando não suprimido. Exemplifico:
Imagine dois processos: em um processo criminal, um indivíduo responde por determinada infração penal; em outro processo, de natureza cível, esse indivíduo não tem nenhuma participação, mas uma das testemunhas refere-se a um fato criminoso praticado por ele. Como as partes do processo cível estavam mais preocupadas com a lide, deixaram de perguntar à testemunha sobre os detalhes do fato criminoso.
No processo criminal, a testemunha não é localizada. Assim, o Magistrado admite o depoimento dado no processo civil, que ingressa no processo penal como prova emprestada, em forma documental. Considerando que o acusado não integrou o processo civil, tampouco constituiu Advogado, naquele feito, para indagar à testemunha sobre a narrativa relacionada ao crime, qual é o contraditório existente?
Nesse caso, o contraditório seria limitado à eventual incidente de falsidade, que para parte da doutrina diz respeito somente à falsidade material, enquanto outros doutrinadores o admitem também para a falsidade ideológica. Ainda que se admita a possibilidade de declarar a falsidade do teor do documento – que são as declarações da testemunha -, a defesa não teve a possibilidade de atuar ativamente durante a produção dessa prova. Ela será admitida – e prejudicará o acusado – ou será declarada falsa – e desconsiderada -, mas, por não ter integrado o processo civil, o acusado não teve a oportunidade de, por seu Advogado, fazer perguntas à testemunha, não tendo a chance de tornar essa prova favorável as suas alegações.
Por esse motivo, é imperativo, para a utilização da prova emprestada no processo penal, que o acusado tenha participado da produção probatória no processo originário, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório.
Em outras palavras, o fato de não se exigir a identidade de partes no processo originário e naquele em que se pretende utilizar a prova emprestada não significa que o acusado não precise ter participado dos dois processos. A sua participação é necessária no processo em que foi produzida a prova e no processo penal em que essa prova será utilizada.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça:
[…]
6. A jurisprudência é firme na compreensão de que admite-se, como elemento de convicção, a prova produzida em outro processo, desde que a parte a quem a prova desfavorece houver participado do processo em que ela foi produzida, resguardando-se, assim, o contraditório, e, por consequência, o devido processo legal substancial. Assim, produzida e realizada a prova em consonância com os preceitos legais, não há falar em decreto de nulidade.
[…]
(AgRg no HC 289.078/PB, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 15/02/2017)
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