Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 322.414/SP, julgado em julgado em 12/04/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006. PACIENTE CONDENADO À PENA DE 4 ANOS E 2 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO. PLEITO DE AUMENTO DA FRAÇÃO REDUTORA PELO TRÁFICO PRIVILEGIADO, PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. QUANTIDADE, VARIEDADE E NOCIVIDADE DAS DROGAS APREENDIDAS QUE JUSTIFICAM A FRAÇÃO ESCOLHIDA. REPRIMENDA MANTIDA. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL PREJUDICADO. REGIME PRISIONAL. MODIFICAÇÃO. MATÉRIA NÃO ENFRENTADA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. – O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. – Esta Corte Superior tem decidido que a quantidade, a variedade e a nocividade da droga apreendida evidenciam a dedicação à atividade criminosa e, em decorrência, podem embasar o não reconhecimento da minorante do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Precedentes. – Deve ser mantida a fração redutora de 1/6, pelo reconhecimento da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, quando o acórdão recorrido, dentro da discricionariedade permitida por lei, fundamenta o patamar escolhido, concretamente, na quantidade, variedade e nocividade das drogas apreendidas (cocaína, crack e maconha). Ademais, alterar a conclusão a que chegou as instâncias ordinárias implica, sem dúvida, revolver o acervo fático-probatório, inviável na estreita via do habeas corpus. – Mantida a fração pelo tráfico privilegiado e, em decorrência, inalterada a pena corporal, fica prejudicado o pleito de substituição da pena, uma vez que o patamar de 4 anos e 2 meses de reclusão não atende ao requisito objetivo do art. 44, I, do Código Penal. – Quanto ao regime prisional, verifica-se, pela leitura do acórdão recorrido, que a matéria não foi enfrentada pelo Tribunal de origem, o que impossibilita a análise direta por esta Corte Superior, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância. – Habeas corpus não conhecido. (HC 322.414/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 19/04/2016)
Confira a íntegra do acórdão:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.
Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício. Nesse sentido, a título de exemplo, confiram-se os seguintes precedentes: STF, HC n. 113890, Relatora Ministra Rosa Weber, 1ª Turma, julgado em 3/12/2013, publicado em 28/2/2014, STJ, HC n. 287.417/MS, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 4ª Turma, julgado em 20/3/2014, DJe 10/4/2014 e STJ, HC n. 283.802/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, julgado em 26/8/2014, DJe 4/9/2014.
Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Como já consignado no relatório, busca a defesa a aplicação, em patamar superior ao mínimo, da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, bem como o abrandamento do regime prisional e a aplicação do art. 44 do CP.
Como é cediço, a dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
No caso, o sentenciante, após as considerações acerca da materialidade e autoria do delito de tráfico de entorpecentes, fixou a pena-base no mínimo legal de 5 anos de reclusão. Na segunda fase, a pena basilar ficou inalterada. Por fim, reconhecido o tráfico privilegiado, a pena foi reduzida na fração de máxima de 2/3, fixando-se a pena definitivamente em 1 ano e 8 meses de reclusão (fls. 21/22).
A Corte local, ao julgar o recurso ministerial, deu-lhe provimento e reduziu a fração de diminuição do tráfico privilegiado para 1/6, tendo o voto condutor do acórdão recorrido assentado que (fls. 37/38):
No entanto, na última fase do cálculo, tal como sustentado pelo combativo Promotor de Justiça oficiante, não há que se falar em redução máxima com fundamento no § 4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, sobretudo em razão da quantidade, variedade e natureza das drogas apreendidas – maconha, cocaína em pó e cocaína na forma de crack, notadamente este último, entorpecente com forte indutor de dependência – o que, sem dúvida alguma, deve ser considerado na fixação do percentual da reprimenda. Como cediço, a cocaína, sobretudo na forma de pedras de crack, tem sido a droga de maior incidência, atualmente, sendo causadora de dependência química rápida e danos irreversíveis, que podem levar o usuário a óbito em pouco tempo de uso. Assim, a apreensão dessa droga (peso líquido de 5,9g), juntamente com pequena quantidade de cocaína em pó (peso líquido de 1,83g) e razoável quantidade de maconha (peso líquido de 15,06g), entorpecente considerado leve, mas cujo consumo, geralmente, serve de estímulo para o uso de drogas mais pesadas, deve ser levada em consideração para a fixação do percentual de redução da reprimenda, como já acentuado, sendo certo de que no caso em tela a diminuição mínima de 1/6 (um sexto) se mostra razoável, de pleno acordo com os comandos dos artigos 42 da Lei 11.343/2006 e 59 do Código Penal e em perfeita consonância com o princípio da suficiência da resposta penal. Por consequência, as penas do réu ficam redimensionadas para 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e pagamento de 416 (quatrocentos e dezesseis) dias-multa, no piso mínimo.
Pela leitura do excerto acima transcrito, observa-se que a Corte local consignou que o paciente faz jus ao redutor do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, mas que, diante da quantidade, variedade e nocividade das drogas apreendidas, quais sejam – 15,06g de maconha, 1,83g de cocaína e 5,9g de crack -, inviável reduzir a pena no patamar máximo de 2/3, sendo adequado, à espécie, o patamar mínimo de 1/6.
Assim, não verifico constrangimento ilegal a ser sanado no ponto em que foi aplicada a fração de diminuição da pena no patamar mínimo de 1/6, em prestígio à discricionariedade do julgador, que fundamentou concretamente a escolha de dito percentual, ao sopesar a quantidade, a espécie e a variedade das drogas apreendidas e as circunstâncias em que o delito ocorreu.
Sobre a possibilidade de a nocividade, variedade e quantidade da droga embasarem o percentual de redução nos casos de reconhecimento da figura do tráfico privilegiado, destaco os seguintes precedentes:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. QUANTIDADE E NATUREZA DAS SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES APREENDIDAS. ILEGALIDADE MANIFESTA. INEXISTÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS IMPOSSIBILIDADE. PENA SUPERIOR A QUATRO ANOS. REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. NÃO CONHECIMENTO. 1. O estabelecimento do redutor na fração de 1/6 não se mostrou, de modo flagrante, desarrazoado, diante da quantidade e natureza das substâncias entorpecentes apreendidas – 19 pinos de cocaína e 10 invólucros de crack – a atrair a incidência do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006. O quantum de redução aplicado fica indene ao crivo do habeas corpus, pois é matéria que demanda revolvimento fático-probatório. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. (…) 4. Writ não conhecido. (HC 339.558/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 02/02/2016) – grifei. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FIGURA DO ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. REEXAME DE PROVAS. VIA ELEITA INADEQUADA. QUANTUM DA DIMINUIÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.340/2006. RAZOABILIDADE. REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. ORDEM NÃO CONHECIDA (…) 5. Esta Corte tem firmado o entendimento de que a quantidade e natureza da droga apreendida podem interferir na escolha do percentual da referida causa de diminuição, bem como para estabelecer o regime de cumprimento de pena. 6. Habeas corpus não conhecido. (HC 338.156/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 02/02/2016) – grifei
Ademais, alterar a conclusão a que chegou o Tribunal de origem implica, sem dúvida, revolvimento fático-probatório, inviável na estreita via do habeas corpus. Nessa linha:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. APLICAÇÃO DO REDUTOR EM PATAMAR DIVERSO DO MÁXIMO. DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO. 1. O julgador, ao aplicar o art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, deve levar em consideração os elementos concretos coligidos aos autos, especialmente a natureza, a diversidade e a quantidade de entorpecentes apreendidos, haja vista o disposto no art. 42 da referida lei, objetivando atender aos fins da reprimenda, bem como aos princípios da discricionariedade vinculada e da individualização da pena. 2. A decisão agravada, à vista dos parâmetros legais, ratificou o julgamento da Corte de origem que aplicou a minorante à razão de 1/3 (um terço), consideradas a natureza e quantidade da droga apreendida, aliadas à apreensão de balança de precisão, de agenda com diversas anotações indicando venda de entorpecentes, de pinos e saquinhos para dosagem da cocaína, e, ainda, de duas identidades com a mesma fotografia, porém com dados diferentes inseridos. 3. Compete às instâncias ordinárias aplicar a fração pertinente do redutor em cotejo com as provas trazidas aos autos. Não cabe, no presente recurso, o reexame da matéria, pois demandaria revolvimento do conjunto fático-probatório. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC 295.285/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 3/2/2015, DJe 12/2/2015) – (grifei).
Por oportuno, consigne-se que, mantido o não reconhecimento do tráfico privilegiado e, em decorrência, inalterada a pena corporal, fica prejudicado o pleito de substituição da pena, uma vez que o patamar de 4 anos e 2 meses de reclusão não atende ao requisito objetivo do art. 44, I, do Código Penal.
Por fim, quanto ao regime, verifica-se, pela leitura do acórdão recorrido, que a matéria não foi enfrentada pelo Tribunal de origem, o que impossibilita a análise direta por esta Corte Superior, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância.
A propósito, destaco:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.340/2006. DEDICAÇÃO DO AGENTE A ATIVIDADES CRIMINOSAS. INAPLICABILIDADE. REEXAME DE PROVAS. REGIME PRISIONAL E ATENUANTE DA MENORIDADE. MATÉRIAS NÃO DEBATIDAS NA ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO. (…) 4. As questões referentes à aplicação da atenuante da menoridade e a alteração do regime inicial de cumprimento de pena não foram objeto de debate no acórdão impugnado, razão pela qual esta Corte está impedida de conhecê-los, sob pena de indevida supressão de instância. 5. Habeas corpus não conhecido. Liminar cassada. (HC 315.655/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 17/03/2016) – grifei.
Ante o exposto, inexistindo constrangimento ilegal a ser reconhecido de ofício por este Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus, pois manifestamente incabível na espécie.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator
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