Justiça

Evinis Talon

A proibição da reformatio in pejus: um exemplo claro

17/10/2018

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Como é sabido, não é permitido que a decisão do recurso interposto exclusivamente pela defesa prejudique o réu. Em outras palavras, é vedada a “reformatio in pejus”.

O fundamento legal dessa proibição é o art. 617 do Código de Processo Penal, que dispõe: “o tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”.

Sobre esse tema, deve-se destacar que, no senso comum, há um forte receio dos réus de que a interposição de um recurso aumente a pena ou produza qualquer outro prejuízo. Nesse ponto, nós, Criminalistas, devemos instruir adequadamente nossos clientes, explicando que os recursos defensivos têm apenas duas consequências possíveis: manter a decisão ou gerar algum benefício (redução da pena, anulação da sentença, desclassificação etc.).

Recentemente, enquanto pesquisava as últimas decisões do STJ, encontrei uma ementa que narra várias situações violadoras da proibição de “reformatio in pejus”:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO QUALIFICADO. RECURSO ESPECIAL. EFEITO SUSPENSIVO. ATRIBUIÇÃO. PERDA DO INTERESSE. INSURGÊNCIA DEFINITIVAMENTE APRECIADA. APELAÇÃO EXCLUSIVA DA DEFESA. REFORMATIO IN PEJUS. OCORRÊNCIA.

1. Havendo decisão definitiva no recurso especial interposto pelo Paciente, não mais subsiste interesse no pleito de concessão de efeito suspensivo à aludida insurgência.

2. Não pode o Tribunal, no julgamento de recurso exclusivamente defensivo, agravar a situação do condenado.

3. No caso concreto, houve reformatio in pejus quando o Tribunal, ao apreciar a apelação tão somente da defesa, majorou o quantum de aumento decorrente da agravante, diminuiu a fração de redução pela tentativa, reconheceu a existência de crime continuado em relação a condutas que a sentença considerara crime único e incluiu, no cálculo da pena do delito tentado, a exasperação da reprimenda pela causa de aumento, quando o sentenciante, por erro de cálculo, não o fizera.

4. Feito o redimensionamento das penas, está extinta a punibilidade, prescrição da pretensão punitiva, tão somente no tocante ao delito de estelionato qualificado tentado.

5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, concedido em parte, inclusive com concessão de ofício.

(HC 434.321/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2018, DJe 17/09/2018)

No caso acima, que teve origem em São Paulo, o Tribunal havia elevado o aumento decorrente da agravante. Nesse ponto, insta salientar que há “reformatio in pejus” não somente quando a decisão do recurso exclusivamente defensivo reconhece uma qualificadora, agravante ou causa de aumento de pena que não foi mencionada na sentença, mas também quando, em relação a uma agravante reconhecida na sentença, há um “aumento no seu aumento”, ou seja, o Tribunal impõe um aumento mais significativo.

Também é necessário notar que o Tribunal “diminuiu a fração de redução pela tentativa”, o que também foi considerado pelo STJ como violação da “reformatio in pejus”. De forma semelhante à explicação anterior, há “reformatio in pejus” não apenas quando, em recurso exclusivamente defensivo, o Tribunal afasta privilegiadora, atenuante ou causa de diminuição de pena reconhecida na sentença, mas também na hipótese em que há uma “diminuição da diminuição”, isto é, se o Tribunal aplica uma fração menor para diminuir a pena.

Quanto à tentativa, o art. 14, parágrafo único, do Código Penal, determina uma diminuição de 1/3 a 2/3. Se, por exemplo, a sentença aplicava a diminuição da pena em 2/3, mas, em recurso exclusivamente defensivo, o Tribunal reduz a diminuição para 1/3, há “reformatio in pejus”.

Também consta na ementa da decisão do STJ que o Tribunal “reconheceu a existência de crime continuado em relação a condutas que a sentença considerara crime único”. Sobre esse tópico, vale lembrar que a consideração como crime único é melhor que o reconhecimento da continuidade delitiva. Da mesma forma, o reconhecimento do crime continuado seria melhor que o concurso material. Portanto, qualquer piora da situação do réu (deixar de reconhecer o crime único para aplicar a continuidade delitiva) em recurso exclusivamente defensivo constitui inegável “reformatio in pejus”.

Por fim, também consta na ementa que “incluiu, no cálculo da pena do delito tentado, a exasperação da reprimenda pela causa de aumento, quando o sentenciante, por erro de cálculo, não o fizera”.

Nesse prisma, indaga-se: poderia o Tribunal de Justiça, em recurso exclusivamente defensivo, corrigir um erro de cálculo do Juiz de piso e, consequentemente, aumentar a pena? A resposta é negativa, porque essa correção somente seria possível em recurso da acusação, sob pena de violar a proibição da “reformatio in pejus”.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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