STJ: ausência de contraditório sobre provas decisivas gera nulidade no julgamento do Tribunal do Júri
No REsp 2.050.711-DF, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “1. A disponibilização tardia de depoimentos considerados essenciais configura cerceamento de defesa e nulidade processual, violando os princípios da plenitude da defesa e da paridade de armas.
- A ausência de contraditório efetivo em relação a provas determinantes para a condenação enseja a nulidade do julgamento perante o Tribunal do Júri e, caso constatada a negativa de acesso durante a instrução processual, da própria decisão de pronúncia”.
Informações do inteiro teor:
As questões em discussão consistem em (i) saber se a disponibilização tardia (apenas no sétimo dia de julgamento perante o Tribunal do Júri) de mídias contendo depoimentos de corréus que atribuem a autoria delitiva à recorrente configura ofensa à plenitude da defesa e paridade de armas; e (ii) saber se a identificação da nulidade, que ocorreu durante a instrução relativa à primeira fase do procedimento bifásico, somente após o julgamento em plenário, limita-se a contaminar a sessão de julgamento do Tribunal do Júri ou abrange a própria decisão de pronúncia.
Do exame do acórdão do Tribunal de origem, verifica-se que o alegado cerceamento de defesa não foi algo ínsito à sessão julgamento perante o Tribunal do Júri, mas fato que se operou durante toda a ação penal, pois consta expressamente da decisão que, não obstante os insistentes pedidos formulados ao longo do processo, inclusive nos recursos interpostos, a defesa não teve acesso, antes do julgamento em plenário, às mídias contendo depoimentos dos corréus, prestados em delegacia. Consta, também, que os depoimentos foram coletados em 2010 e oportunizados o acesso à defesa somente na sessão plenária em 2019.
Quanto a esse fato, a pretensão não está fulminada pela preclusão, porque não se trata de nulidade ínsita ao julgamento em plenário do Tribunal do Júri, mas da própria ação penal, razão porque não atrai a regra do art. 571, VIII, do Código de Processo Penal.
Ademais, é incontroverso nos autos que durante a ação penal a defesa se insurgiu contra a falta de acesso aos referidos depoimentos, ao que parece em mais de uma vez, tendo o acesso sido negado ou ignorado, circunstância que consta dos trechos transcritos.
E, por fim e mais importante, não existe dificuldade nenhuma em aquilatar o indispensável prejuízo ao reconhecimento da nulidade, uma vez que os depoimentos extrajudiciais dos corréus foram determinantes para justificar a autoria da recorrente no crime, tanto que utilizados para justificar a manutenção da condenação no Tribunal de origem.
Assim, a juntada dos depoimentos extrajudiciais que incriminam a recorrente somente no sétimo dia de julgamento perante o Conselho de Sentença, impossibilitando o exercício do contraditório efetivo durante a primeira e segunda fases do procedimento bifásico do Tribunal do Júri, a que, por sinal, a Constituição da República atribui a observância da plenitude da defesa (art. 5º, XXXVIII, a, da CF), configura inegável cerceamento e, por consequência, latente ofensa à paridade de armas.
Aliás, a paridade de armas é princípio essencial no processo penal, devendo ser garantido à defesa o mesmo tratamento concedido à acusação, especialmente no que tange ao acesso e análise de provas. O acesso às provas pela defesa antes de sua apreciação no processo é condição para assegurar o contraditório e a ampla defesa, permitindo a instrumentalização de sua atuação de forma eficaz.
Considerando que em julgamento anterior, realizado em 12/2/2019, no Recurso Especial n. 1.750.906/DF, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou válida a decisão que pronunciou a recorrente nos crimes imputados na peça acusatória, é importante ressaltar que a conclusão do presente julgamento em nada contradiz a conclusão adotada naquele acórdão.
Primeiro, porque, no julgamento do Recurso Especial n. 1.750.906/DF, interposto contra a manutenção da decisão de pronúncia pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, a Sexta Turma enfrentou as questões relativas ao excesso de linguagem da decisão de pronúncia e à suposta falta de fundamentação do acórdão, no tocante à admissão de laudo pericial como evidência suficiente de autoria.
Além disso, porque, como nos presentes autos se reconheceu a ocorrência de nulidade absoluta anterior à própria decisão de pronúncia, não existe outra solução a não ser o provimento do apelo, em maior extensão, para que o reconhecimento da nulidade abranja tanto a sessão de julgamento do Tribunal do Júri como a própria decisão de pronúncia.
Portanto, em relação à alegada negativa de vigência dos arts. 7º, incisos XIII e XIV, da Lei n. 8.906/1994, e 479 do Código de Processo Penal, deve ser anulada a condenação e a decisão de pronúncia, devendo ser: a) ratificadas as provas produzidas durante a instrução relativa à primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri; e b) oportunizado à defesa a produção de novas provas, decorrente do acesso aos depoimentos dos corréus que imputaram a conduta delituosa à recorrente, antes da prolação de nova decisão relativa ao encerramento da primeira fase do procedimento (pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária).
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Código de Processo Penal (CPP), arts. 479 e 571, VIII;
Constituição Federal (CF), art. 5º, XXXVIII, a;
Lei n. 8.906/1994, art. 7º, XIII e XIV
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 864, de 30 de setembro de 2025 (leia aqui).
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