STJ: ato libidinoso contra vulnerável consuma o delito de estupro de incapaz
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no AgRg no HC n. 649.371/SP, decidiu que “a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra vulnerável constituiu consumação do delito de estupro de incapaz, não havendo se falar em desclassificação da conduta”.
Confira a ementa relacionada:
(…) 3. Não é plausível a aplicação do art. 215-A do Código Penal na hipótese de estupro de vulnerável, porque a conduta do agente possui elemento especializante, referente ao fato de ser a vítima incapaz, bem como de ser presumida a violência, sendo tais hipóteses regidas pelo art. 217-A do Código Penal, no qual é despiciendo o consentimento da vítima e presumida a violência. 4. O crime de estupro de incapaz contempla duas condutas distintas, quais sejam, ter conjunção carnal e praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, ou alguém com enfermidade ou deficiência mental, independentemente do emprego de violência ou grave ameaça, essenciais ao tipo penal descrito no art. 213 do CP, dada a vulnerabilidade da vítima. 5. A prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra vulnerável constituiu consumação do delito de estupro de incapaz, não havendo se falar em desclassificação da conduta. Precedentes. 6. Quanto ao questionamento acerca da idade e vulnerabilidade da vítima, o tema não foi submetido à apreciação da Corte Estadual, o que obsta o exame da matéria por este Superior Tribunal de Justiça, sob pena de incidir em indevida supressão de instância e em violação da competência constitucionalmente definida para esta Corte. Ademais, sendo o réu padrasto da vítima, tendo convivido por cerca de seis anos com a família, certamente não desconhece a idade da menor, tendo plena consciência de sua vulnerabilidade. 7. A individualização da pena é submetida aos elementos de convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, a fim de evitar eventuais arbitrariedades. Assim, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das circunstâncias judiciais e dos critérios concretos de individualização da pena mostram-se inadequados à estreita via do habeas corpus, por exigirem revolvimento probatório. 8. O fato de o agente ter submetido a vítima a diferentes abusos, praticando com ela vários atos sexuais – sexo oral, masturbações, passadas de mão em suas partes íntimas – os quais, em algumas oportunidades, foram perpetrados na presença de seu filho de apenas 2 anos de idade, justifica a majoração da reprimenda, pois demonstrado o dolo intenso e o maior grau de censura a ensejar resposta penal superior. 9. A pena-base do paciente foi devidamente aumentada em razão do modus operandi do delito, a revelar gravidade concreta superior à ínsita aos crimes de estupro de vulnerável, tendo em vista que o paciente, mediante constantes ameaças e se aproveitando da ausência da genitora da vítima, com a qual mantinha relacionamento conjugal, praticou, por cerca de quatro anos, atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima, em sua própria residência e até mesmo nas horas de lazer da família, manipulando-a de várias maneiras, tendo, inclusive, impedido seu contato com pessoas estranhas ao grupo familiar, a fim de garantir seu silêncio. 10. Em relação às consequências do crime, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. In casu, extrai-se dos autos “as terríveis consequências emocionais/psicológicas trazidas não só à vítima, como também no seio familiar, na forma como concluiu o estudo técnico realizado nos autos, sendo descritos como ‘de difícil reparação'”, o que não pode ser confundido com mero abalo psicológico passageiro, restando justificada a exasperação da pena-base a título de consequências do crime. 11. Considerando que o paciente é padrasto da vítima, exercendo autoridade sobre ela, não há que se falar em afastamento da causa de aumento de pena constante do art. 226, II, do Código Penal, que resta devidamente configurada. Outrossim, para desconstituir a conclusão das instâncias ordinárias, as quais reconheceram a incidência de aumento do art. 226, II, do CP, seria necessário revolver as provas constantes dos autos, providência que não se coaduna com a via do habeas corpus. 12. No tocante à continuidade delitiva, a exasperação da pena será determinada, basicamente, pelo número de infrações penais cometidas, parâmetro este que especificará no caso concreto a fração de aumento, dentro do intervalo legal de 1/6 a 2/3. Nesse diapasão esta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que, em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações. 13. Nos crimes sexuais envolvendo vulneráveis, torna-se bastante complexa a prova do exato número de crimes cometidos. Tal imprecisão, contudo, não deve levar o aumento da pena ao patamar mínimo. Especialmente quando o contexto apresentado nos autos evidencia que os abusos sexuais foram praticados por diversas vezes e de forma constante, tendo a vítima afirmado que os fatos ocorreram entre os anos de 2015 e 2019, declarando, ainda, que “o réu obrigava a declarante a praticar atos de cunho sexual; pedia para a declarante retirar a roupa para ele, ele se masturbava para ela; ele se despia na frente dela; praticava sexo oral na depoente, sendo que estes atos ocorriam, no mínimo, 2 (dois) dias por semana”, mostrando-se apropriado, portanto, o aumento da pena na proporção máxima de 2/3. 14. O Superior Tribunal de Justiça entende que é facultado aos Tribunais de Justiça atribuir às Varas da Infância e da Juventude competência para processar e julgar crimes de natureza sexual praticados contra crianças e adolescentes, de acordo com o disposto no art. 96, I, “a” e “d” e II, “d”, da Constituição da República. 15. Sendo facultativa a alteração da competência para o processo e julgamento dos crimes de natureza sexual praticados contra crianças e adolescentes, a qual deve ser efetivada de acordo com as circunstâncias e necessidades de cada Unidade da Federação, e tendo o Tribunal a quo determinado que a competência é das Varas Criminais, não se constata qualquer nulidade no julgamento do processo pela Justiça comum. 16. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 649.371/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 13/9/2022.)
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