Notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 11 de agosto de 2019 (leia aqui).
Para dar andamento aos cerca de 80 milhões de processos atualmente em trâmite no país, os brasileiros contam com mais de 1 milhão de advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. Ao lado da Defensoria Pública, a advocacia constitui parte indispensável à função jurisdicional do Estado e, exatamente por isso, possui determinados direitos e prerrogativas para garantir o livre exercício da defesa.
Algumas das prerrogativas asseguradas aos advogados – cujo dia é comemorado em 11 de agosto, data de criação dos cursos jurídicos no Brasil – estão previstas diretamente na Constituição Federal, como a inviolabilidade por atos e manifestações no exercício profissional (artigo 133 da CF/1988). Outros direitos estão especificados em leis federais como o Estatuto da Advocacia, a exemplo da comunicação reservada com clientes presos, da inviolabilidade de documentos e arquivos, e do livre acesso a espaços como tribunais, delegacias e prisões.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), além do constante aprimoramento da oferta de produtos, serviços e instalações adequadas para os advogados, temas relativos às prerrogativas e aos direitos inerentes à advocacia são constantes nas pautas de julgamento. Entre os assuntos abordados pelos ministros, estão a validade de atos de intimação, a extensão da imunidade dos profissionais e o direito a certos atos de defesa, como as sustentações orais.
Licença-paternidade
Em março deste ano, a Terceira Turma confirmou a possibilidade de comprovação do nascimento de filho no momento da interposição do recurso ou da prática do primeiro ato processual pelo advogado, para demonstrar a hipótese de suspensão do processo em virtude da licença-paternidade, nos termos do artigo 313, inciso X, do Código de Processo Civil de 2015.
Com base nesse entendimento, a turma acolheu recurso de um advogado que se tornou pai durante o período para interpor a apelação e que, no entendimento do Tribunal de Justiça de Goiás, havia perdido o prazo recursal.
De acordo com o artigo 313 do CPC/2015, suspende-se o processo pelo período de oito dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, quando o único patrono da causa se tornar pai. Para gozar da licença, o advogado responsável pelo processo deve notificar o seu cliente e apresentar ao juízo a prova do nascimento ou da adoção.
Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, o dispositivo legal busca concretizar os princípios constitucionais da proteção especial à família e da prioridade absoluta assegurada à criança, na medida em que permite aos genitores prestar toda a assistência necessária ao filho recém-nascido ou adotado.
Nesse sentido, apontou a ministra, a suspensão do processo em razão da paternidade deve ocorrer tão logo se verifique o fato gerador, mas não pode ser exigido do advogado, para tanto, que haja a comunicação imediata ao juízo, sob pena de se esvaziar o alcance do benefício legal.
“Se a lei concede ao pai a faculdade de se afastar do trabalho para acompanhar o filho nos seus primeiros dias de vida ou de convívio familiar, não é razoável lhe impor o ônus de atuar no processo, durante o gozo desse nobre benefício, apenas para comunicar e justificar aquele afastamento”, concluiu a ministra ao prover o recurso do advogado (REsp 1.799.166).
Processo eletrônico
A lógica da presunção de ciência inequívoca do conteúdo de decisão constante de autos físicos, nas hipóteses da habilitação de advogado com a carga do processo, não se aplica aos processos eletrônicos. Com a tese, a Terceira Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que afastou a intempestividade de um agravo de instrumento por entender que o prazo para interposição foi corretamente contado a partir do dia em que o advogado leu a decisão impugnada.
A parte contrária alegou que o TJPR violou o artigo 9º da Lei 11.419/2006 (Lei de Informatização do Processo Judicial), tendo em vista que, segundo ela, a habilitação nos autos digitais equivaleria ao acesso à íntegra do processo e, assim como na antiga carga física dos autos, o advogado deveria ser considerado presumidamente ciente da decisão recorrida no ato da habilitação.
O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que, para ler o conteúdo de uma decisão prolatada e ainda não publicada, é necessário clicar sobre o conteúdo, gerando uma intimação imediata do seu teor, com o respectivo registro na movimentação processual. Por isso, a habilitação em processo eletrônico não equivale à carga física, na qual o procurador tinha acesso à integralidade dos autos em papel.
“No processo eletrônico, o advogado terá a oportunidade, se tiver interesse, de ver o conteúdo de uma decisão prolatada e não publicada, mas, em assim querendo, se submeterá ao início automático de seu prazo recursal, o que não ocorreu no caso concreto”, concluiu o ministro Sanseverino (REsp 1.592.443).
Imunidade
Os limites da liberdade de atuação profissional são um dos temas discutidos pelo STJ na esfera penal. Na Rcl 15.574, a Terceira Seção analisou o caso de um homem que teve queixa-crime contra sua ex-esposa e a advogada dela rejeitada pela Justiça do Rio de Janeiro, por ausência de dolo. Segundo o ex-marido, a advogada, em juízo, teria cometido o crime de calúnia contra ele.
Na reclamação, o homem alegou que o crime de calúnia não estaria acobertado pela imunidade profissional inerente ao exercício da advocacia. Ele também afirmou que os crimes de injúria e difamação apenas são afastados pela imunidade quando a ação é cometida na discussão da causa e, ainda assim, em alguns casos, é necessária a produção de provas para se verificar a possibilidade de invocar essa prerrogativa profissional.
O ministro Rogerio Schietti Cruz lembrou que as instâncias ordinárias fundamentaram a rejeição da queixa por não vislumbrarem a intenção de caluniar, pois, conforme os documentos juntados pelo próprio reclamante no oferecimento da queixa, a advogada apenas formulou manifestação defensiva nos autos de uma exceção de incompetência, enquanto a ex-esposa limitou-se a fornecer documentos à sua defensora.
“Ausente a intenção de ofender a honra do reclamante, não configura crime de calúnia a manifestação da advogada, em juízo, para defender sua cliente, ex-esposa daquele, em processo perante a vara de família, nem a conduta da última em oferecer documentos à causídica para sua defesa na ação judicial”, concluiu o ministro ao rejeitar a reclamação.
Sustentação oral
Também sob relatoria do ministro Rogerio Schietti, a Sexta Turma analisou recurso no caso de um advogado que pediu o adiamento do julgamento de uma apelação criminal e informou sobre a intenção de proferir sustentação oral. O pedido de adiamento foi atendido; no entanto, no dia do julgamento, a defesa oral foi indeferida porque o advogado só pediu a inscrição após as 13h30, descumprindo norma da presidência da turma criminal.
O ministro Schietti destacou que, como um direito da parte, o contraditório e o respeito a todas as regras relacionadas ao devido processo legal se concretizam no exercício dos poderes processuais necessários para agir ou se defender em juízo e para influir no convencimento judicial. Entre essas prerrogativas, ressaltou o ministro, está a possibilidade de fazer sustentação oral.
“Não é possível cercear o direito do advogado a realizar a sustentação oral em um processo que ainda não tenha sido apreciado, apesar de ele estar presente no momento do julgamento, tão somente porque não se inscreveu antes do horário fixado pela presidência do órgão julgador, para a realização de pedido de sustentação oral”, afirmou o ministro.
De acordo com o relator, a sustentação oral permite ao advogado apresentar pessoalmente ao colegiado os argumentos indicados, por escrito, nas peças processuais, além de oferecer uma explicação mais detalhada dos dados fáticos e jurídicos ligados à causa em julgamento.
“Não há ilegalidade alguma no fato de se estabelecerem regramentos para, em reforço às normas regimentais de cada tribunal, conferir maior racionalidade e eficiência no desenvolvimento das sessões. Mas, havendo conflito entre direito da parte (e do advogado) a realizar sustentação oral já deferida e eventual restrição regulamentar, entendo que há de prevalecer aquele direito”, concluiu o ministro ao anular o julgamento da apelação e determinar que o tribunal abrisse ao advogado a possibilidade da defesa oral (REsp 1.388.442).
Questão de fato
Ainda no âmbito das sustentações orais, a Terceira Turma firmou o entendimento de que, após a defesa oral, não há previsão legal para que os advogados se manifestem enquanto o relator e os demais ministros votam, ainda que sob a justificativa de a intervenção ter relação com os votos ou se tratar de “questão de fato”.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, em deferência à advocacia, é costume que o presidente do órgão julgador pergunte ao relator sobre a necessidade de algum esclarecimento relacionado a questão de fato. Contudo, uma eventual resposta negativa não viola o direito previsto no artigo 7º, inciso X, da Lei 8.906/2004 (fazer uso da palavra em juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida que influam no julgamento).
A relatora lembrou que, conforme previsto pelo artigo 937 do CPC/2015, durante o julgamento, o advogado deve ter respeitado o seu direito de usar a palavra pelo prazo legal – oportunidade em que tem a possibilidade de esclarecer todas as questões de fato e apontar todos os temas que lhe pareçam importantes. Depois da sustentação, frisou a ministra, passa-se a outro momento do julgamento.
Por esse motivo, explicou, o artigo 941 do CPC prevê que, proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento. Para a ministra, o uso do verbo “anunciará” não deixa dúvida em relação à dinâmica da sessão de julgamento colegiado, que, nesse momento, não comporta “debates, diálogos, réplicas, tréplicas, manifestações ou impugnações sobre o conteúdo dos votos ou das discussões travadas pelos julgadores, ainda que rotuladas de ‘questão de fato'” (REsp 1.643.012).
Acesso ao tribunal
No RMS 28.091, a Primeira Turma analisou ação na qual um advogado buscava o reconhecimento do direito ao ingresso nas áreas comuns do fórum da Comarca de Londrina (PR), sem restrições de horário de expediente. Para o advogado, uma resolução do TJPR que restringiu o ingresso dos advogados nas dependências dos ofícios judiciais em horários determinados violou direito líquido e certo assegurado pela Lei 8.906/1994.
O mandado de segurança foi negado pelo tribunal paranaense sob o argumento de que, de acordo com o artigo 7º do Estatuto da Advocacia, a prerrogativa do advogado de ingressar em repartições públicas fora do horário de expediente somente se refere às delegacias e prisões, não se estendo às dependências judiciais.
Em análise do recurso em mandado de segurança, a ministra Denise Arruda (já falecida) citou precedentes do STJ no sentido de que o direito de ingresso e atendimento nas repartições públicas pode ser exercido em qualquer horário pelo advogado, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. Os precedentes também indicam que é proibido ao juiz vedar ou dificultar o atendimento de advogado em horário reservado a expediente interno.
Segundo a ministra, as prerrogativas legais da advocacia constituem direito público subjetivo e não podem ser afastadas por atos da administração. Nesse sentido, Denise Arruda apontou que a resolução do TJSC, ao impedir o acesso dos advogados às repartições judiciais fora dos horários fixados no normativo, violou prerrogativa dos defensores.
Prisão especial
O Estatuto da Advocacia também assegura ao profissional, em seu artigo 7º, inciso V, o direito de só ser preso em sala de estado-maior ou, na sua inexistência, em prisão domiciliar, até o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.
O dispositivo legal foi analisado pela Quinta Turma ao julgar recurso em habeas corpus de advogado que teve prisão preventiva decretada sob a acusação de falsidade ideológica e adulteração de veículo.
Como estava regularmente inscrito na OAB do Rio de Janeiro, ele requereu sua transferência para sala de estado-maior ou prisão domiciliar, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais indeferiu o pedido sob o argumento de que o acusado se encontrava em cela especial individual com instalações adequadas, a qual cumpriria a função de sala especial.
Todavia, no recurso em habeas corpus, o advogado alegou que, na realidade, estava recluso em cela coletiva, em condições precárias e insalubres, de forma que essas condições não atenderiam às prerrogativas de advogado militante preso preventivamente.
Na análise do pedido, o ministro Jorge Mussi apontou que a prerrogativa de índole profissional, que o Supremo Tribunal Federal já qualificou como direito público subjetivo do advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB, não pode ser desrespeitada pelo poder público, embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal.
No caso dos autos, Jorge Mussi ressaltou ter ficado demonstrado que o lugar em que estava recolhido o acusado não era adequado às prerrogativas de advogado militante e, comprovada a falta de sala de estado-maior, ele deveria ser colocado em prisão domiciliar, em virtude da configuração de constrangimento ilegal.
“Com efeito, não obstante a gravidade das condutas imputadas ao recorrente, flagrante a violação aos seus direitos de advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, previstos no artigo 7º, V, do Estatuto da OAB, de ser recolhido em local adequado às suas condições profissionais até o trânsito em julgado de eventual condenação, uma vez que se encontrava segregado preventivamente em estabelecimento prisional onde não há sala de estado-maior ou outra cela especial que faça as suas vezes”, concluiu o ministro ao determinar a transferência do advogado para prisão domiciliar (RHC 63.811).
Entretanto, em outros julgamentos, o STJ já decidiu que o advogado não tem direito a sala de estado-maior na execução provisória da pena (HC 412.481). Nos casos em que é demonstrado o cumprimento da prisão preventiva em instalações dignas e separadas dos demais detentos, a corte também já firmou o entendimento de que não há a configuração de constrangimento ilegal nem a necessidade de transferência para prisão domiciliar (HC 445.826).
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