Notícia publicada no site do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 06 de dezembro de 2019 (leia aqui), referente ao RHC 170559.
Em sessão realizada na terça-feira (3), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar um caso que discute se o Ministério Público pode recorrer de julgamento em que o Tribunal do Júri absolve o réu, mesmo após admitir a existência de materialidade e de indícios de autoria ou participação no delito. A matéria é objeto do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 170559, que teve análise suspensa por pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Homicídio
O recurso foi interposto em favor de um comerciante submetido a Júri popular por crime de homicídio qualificado, acusado de ter mandado matar um juiz de Mato Grosso do Sul (MS). O crime ocorreu no Paraguai em setembro de 1999, e o corpo foi encontrado parcialmente queimado com dois tiros na cabeça.
A executora do homicídio recebeu a pena de 12 anos de reclusão, em condenação definitiva. Já o acusado de ser o mandante do crime foi absolvido pela maioria dos votos do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri Federal de Mato Grosso (MT).
Apelação
O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão, alegando que o terceiro quesito respondido pelo Júri, relativo à absolvição do suposto mandante, deveria ter sido considerado prejudicado pelo juiz presidente porque, nos dois quesitos anteriores, o conselho de sentença havia reconhecido a autoria e a materialidade do delito (comprovação que o crime ocorreu) e, por isso, não poderia absolver o acusado.
Ao prover a apelação do MPF, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) determinou a anulação da sentença e a realização de novo julgamento. A defesa não obteve êxito em habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, por essa razão, apresentou o recurso ao Supremo. Em agosto, o relator do RHC, ministro Marco Aurélio, concedeu liminar para suspender o trâmite do processo-crime até o julgamento do mérito do recurso.
Absolvição
No julgamento do mérito, o relator votou no sentido de endossar a decisão do Conselho de Sentença. Segundo o ministro Marco Aurélio, o Código de Processo Penal (artigo 483, parágrafo 2º) prevê que, após a resposta positiva de mais de três jurados sobre os quesitos referentes à materialidade e à autoria do crime, será formulado o quesito genérico de absolvição (se o acusado deve ser absolvido).
Para o relator, não se trata de contradição, pois o Júri respondeu “sim” à pergunta contida no próprio CPP: “O jurado absolve o acusado?”. Ele observou que o Conselho de Sentença não é um órgão técnico e tem liberdade de decisão. Ainda de acordo com o ministro Marco Aurélio, o CPP também estabelece que o julgamento prosseguirá apenas se os jurados decidirem pela condenação do acusado e que a resposta pela absolvição impede a continuidade do julgamento.
Soberania do júri
Ao abrir divergência para negar provimento ao recurso, o ministro Alexandre de Moraes observou que o Supremo ainda não tem jurisprudência sobre o tema e lembrou que há a possibilidade de recurso para que se realize novo julgamento pelo Júri quando uma das partes entender que a decisão foi contrária às provas, como ocorreu no caso. “Reconhecendo-se essa possibilidade do julgamento contrário à prova dos autos, devolva-se para que o Júri novamente delibere”, afirmou. “A palavra final sobre o mérito da acusação, absolvendo ou condenando, é do Júri. Se novamente o Júri entender dessa maneira, não cabe esse recurso novamente”.
Para o ministro, qualquer alteração jurisprudencial estaria indo de encontro ao sistema acusatório, à paridade de armas entre acusação e defesa e ao próprio entendimento do Supremo de que os jurados não são portadores de poder absoluto, “ao menos no primeiro julgamento”.
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou a divergência. Segundo ele, há inúmeros precedentes do Supremo no sentido de que a soberania do Tribunal do Júri não impede a apelação pela acusação e pela defesa. Ele entendeu que uma nova redação do quesito relativo à absolvição, depois de reconhecida a autoria e a materialidade, se aplica a hipóteses como legítima defesa e desclassificação do crime.
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