A incoerência e a falta de opinião dos juristas
No Brasil, as matrizes teóricas, correntes e Escolas possuem pouca importância para alguns aplicadores do Direito Penal e do Direito Processual Penal.
Falam sobre ônus da prova e exigem a presença do prejuízo para a declaração da nulidade relativa no processo penal como se adotassem a Teoria Geral do Processo, mas em seguida, sem nenhuma explicação, utilizam expressões próprias de uma teoria exclusiva do Processo Penal, como “fumus comissi delicti”. Há um déficit de coerência que, em alguns momentos, também se exterioriza como ausência de coesão (inclusive textual).
Abordam as leis e a moral como se não existissem correntes filosóficas que tratam desses temas, cada uma com as suas peculiaridades. Valem-se do Utilitarismo no processo penal desconhecendo o seu significado e, especialmente, os seus problemas. Apenas acreditam, de forma incoente, que tudo que tenha utilidade – inclusive o processo penal como meio de dar exemplo ou como política de controle social – é útil. E nada mais!
Discutem sobre a interpretação de algum conceito penal desconsiderando a relevante divergência entre Habermas e Gadamer. Em alguns momentos, conceituam de forma essencialista; em outros, de modo solipsista. Oscilam de forma desordenada entre as várias hermenêuticas e os inúmeros “métodos”, inclusive mencionando o “método” utilizado na pesquisa quando analisam e defendem autores que são contra o próprio “método”.
Se de um lado temos a falta de coerência, tratando assuntos interligados como se fossem células individualizadas de algo que não deve ser contemplado de forma holística, do outro lado temos juristas que se comportam como jornalistas aparentemente imparciais que demonstram receio em opinar.
De fato, o medo de manifestar a sua opinião é um problema que os juristas enfrentam. Isto ocorre em virtude de inúmeros motivos, como o desconhecimento sobre o tema, o medo de se filiar a um entendimento que posteriormente seja oposto a sua posição profissional e o receio de ser criticado.
A um, opinar sobre algo juridicamente relevante pressupõe conhecer minimamente o assunto e ter elementos suficientes para compreender o que se pretende. Em outras palavras, pressupõe preconceitos linguisticamente adquiridos pela tradição que, no momento da compreensão, são reconhecidos como uma fusão de horizontes (GADAMER, 2013, p. 514).
A dois, a exteriorização da opinião sobre um tema jurídico deve sempre ser apartada da atuação profissional, isto é, quem compreende e comunica o Direito não pode ter receio de que o seu posicionamento (leia-se compreensão) vá de encontro à sua atuação profissional. Destarte, um Promotor de Justiça não pode ter receio de, após o processo hermenêutico, compreender algo de forma garantista, assim como um Advogado Criminalista não pode ter a pusilanimidade de compreender algo que afaste as suas alegações defensivas. A honestidade intelectual não pode depender da atuação profissional.
Não se nega que o Direito apenas se aperfeiçoa por força da produtividade de cada caso concreto (GADAMER, 2013, p. 79). Isso não é incompatível com minhas afirmações anteriores. Quando digo que a compreensão e o processo hermenêutico não devem ser feitos sob a perspectiva da atuação profissional, não digo que essa compreensão deve ser realizada “in abstracto”. Apenas refiro que disfarçar a compreensão sob o manto corporativista da posição processual que ocupa é tentar subverter o resultado de sua compreensão, em nítida desonestidade intelectual.
Portanto, considero que o Direito Penal e o Direito Processual Penal precisam de autores que sejam coerentes com as Escolas, correntes e teorias que adotam e, concomitantemente, tenham a valentia de opinar, ainda que contrariando a posição profissional que ocupam. Felizmente, temos excelentes nomes no Brasil, mas deixo de mencioná-los, haja vista que qualquer lista com pretensão de ser exaustiva sempre será prejudicada por esquecimentos inoportunos.
Conforme analisarei num artigo futuro, uma crítica à jurisprudência deve necessariamente ser doutrinária. Criticar um entendimento jurisprudencial com a mera citação de uma ementa contrária não é uma crítica, mas sim uma escolha casuística de um entendimento para benefício próprio.
Nesse diapasão, precisamos de mais coerência e opinião dos juristas, principalmente dos Advogados Criminalistas, porque este é o primeiro passo para abandonarmos a jurisprudencialização que assola a esfera penal.
Referência:
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 13. ed. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
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