No dia 20/01/2015, entrei, pela última vez, numa repartição pública como agente do Estado. Era o meu último dia como Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul. Sobre os motivos que me levaram a pedir exoneração, com 26 anos de idade, desse importante cargo público, recomendo a leitura de um texto anterior (leia aqui).
No dia 21/01/2015, para entrar em qualquer fórum, já não mais era visto como “colega do Estado”. Deveria esperar no balcão do fórum, não tendo mais um escaninho separado no cartório, tampouco tendo a liberdade de outrora para transitar entre sala de audiências, gabinete do Juiz e cartório. Os processos não mais viriam até mim por meio de intimação pessoal, em pilhas de dezenas de processos. Agora, eu deveria ir até os autos, após a publicação de alguma nota de expediente, mas, felizmente, a quantidade de trabalho seria muito menor.
Ninguém mais me esperaria para alguma audiência, caso eu estivesse ocupado. Deveria ficar sentado no corredor do fórum esperando me chamarem, o que normalmente ocorreria alguns minutos ou horas após o horário marcado para a audiência.
De um dia para o outro, já não tinha um adesivo com o símbolo do Estado no vidro do meu carro. Curiosamente, pouco depois, fui parado pela polícia rodoviária após muitos anos de meros “acenos”. Será que a interpretação do adesivo era “Sou honesto e cumpro a lei. Não precisa me parar”?
A rotina mudou bastante. Antes, na Defensoria, conseguia conversar com cada assistido por, no máximo, 5 minutos. Se excedesse esse tempo, não conseguiria protocolizar pedidos urgentes ou chegaria muito atrasado nas audiências. Agora, um atendimento pode demorar um dia inteiro.
Anteriormente, o limite de atuação era a comarca, circulando entre fórum e presídio. Agora, o limite não mais existe, especialmente por meio da consultoria, que não encontra barreiras geográficas (leia aqui).
Antes, eu tinha um emprego. Agora, passei a gerar empregos. Antes, a tributação descontada na fonte era aquele “assalto” consistente em um percentual de quase 30%. Hoje, é a tributação por meio de pessoas jurídicas, sabidamente mais favorável. No tempo de Defensoria, procurava um contador apenas uma vez por ano para fazer a declaração do imposto de renda. Na iniciativa privada, o contato com contador é constante: taxas, impostos, modificações nos contratos sociais das empresas, registros de funcionários etc.
Antes, ficava preocupado com qual seria a próxima substituição ou acumulação (atuação em alguma Defensoria vaga ou cujo Defensor estivesse de férias ou licença). Agora, a preocupação é qual será a próxima empresa que abrirei. Se antes eu via apenas o horizonte do serviço público, hoje me sinto extremamente motivado com o empreendedorismo e com os vários projetos desenvolvidos na Advocacia/Consultoria e em outros âmbitos (leia aqui e aqui), a ponto de considerar como um dos maiores elogios que já recebi o fato de um jornalista ter me chamado de “empreendedor serial”.
Na Defensoria, uma segunda-feira era dia de trabalho e um domingo servia para descansar, ainda que levando vários processos para casa. Atualmente, na iniciativa privada, o dia da semana não tem vinculação com a atividade (somente sei que chegou o final de semana quando os turistas chegam a Gramado, cidade em que moro). Às vezes, trabalho arduamente numa noite de domingo e descanso durante o horário comercial de uma quarta-feira.
Muitas outras coisas mudaram, inclusive a minha forma de pensar.
Imaginava que status – melhor seria falar “notoriedade” – era algo relevante e que somente existia em cargo público de ponta. Errado! Não é tão relevante quanto se imagina e, de qualquer forma, na iniciativa privada, alcança-se uma notoriedade (ou poder de influência) maior do que sendo um servidor público de alguma comarca que tenha poucas dezenas de milhares de pessoas.
Aprendi que há um mito em torno da estabilidade financeira do serviço público. Estabilidade não é receber um baixo valor fixo atualizado anualmente, mas sim conseguir definir um padrão de rendimento exponencial, crescendo conforme o profissional desenvolva suas habilidades e continue se esforçando arduamente. Sabendo disso, percebe-se que a estabilidade financeira do serviço público não é uma vantagem, mas sim uma limitação ao crescimento.
Enfim, o que aprendi após 3 anos do meu pedido de exoneração não é um pacote fechado de lições imutáveis. Talvez essa seja a maior lição: quando não se está tão consumido pelo excesso de trabalho do serviço público, consegue-se ter tempo para evoluir em nível – repito essa palavra em razão da importância dela – exponencial.
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