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STJ tranca ação penal diante da ilicitude das provas obtidas sem mandado

07/04/2023

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STJ tranca ação penal diante da ilicitude das provas obtidas sem mandado

O Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ),  no dia 14/05/2021, ao julgar o HC 655637/SP, concedeu a ordem para revogar a prisão preventiva, inclusive do corréu, diante da ilicitude das provas obtidas pelo ingresso no domicílio sem mandado judicial, bem como determinou o trancamento do processo por ausência da justa causa.

Confira a íntegra da decisão:

HABEAS CORPUS Nº 655637 – SP (2021/0092836-2)

DECISÃO

TIAGO ALVES BANDEIRA alega sofrer constrangimento ilegal em virtude de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no HC n. 2023678-78.2021.8.26.0000.

Nesta Corte, a defesa pretende seja relaxada a prisão do paciente e determinado o trancamento do processo, sob o argumento de que seriam ilícitas as provas que embasaram o oferecimento da denúncia, porquanto obtidas por meio de invasão de domicílio.

Deferida a liminar (fls. 198-200) e o pedido de extensão ao corréu Aristóteles Macgayver Reys Jacob (fls. 236-237), foram prestadas as informações (fls. 242-248).

O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem (fls. 254-260).

Decido.

I. Contextualização Extrai-se dos autos que o paciente e o corréu foram presos em flagrante, pela suposta prática do delito de tráfico de drogas.

Posteriormente, o flagrante foi convertido em preventiva e os acusados denunciados. A segregação cautelar assim foi fundamentada (fl. 193, grifei):

Com efeito, consta dos autos que os policiais civis receberam denúncia via telefone no sentido de que haveria drogas nos apartamentos dos autuados, motivo pelo qual solicitaram auxílio dos policiais militares e foram verificar tais denúncias. No apartamento do autuado Aristóteles, foi encontrada uma grande porção de cocaína, uma balança de precisão e uma máquina de choque. Por sua vez, no apartamento do autuado Tiago encontraram 25g de crack, vários “montinhos” de dinheiro, uma folha com anotações, que se assemelham a contabilidade do tráfico.

Destaque-se que o autuado Tiago é reincidente específico […], o que autoriza a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (art. 313, II do CPP), devendo ainda ser sopesada a considerável quantidade e diversidade de drogas apreendidas (cocaína e crack), além dos apetrechos relacionados ao embalo e fracionamento de entorpecentes para comercialização (balança), o que determina a necessidade da segregação cautelar para garantia da ordem pública, tratando-se, ao menos por ora, do meio adequado a impedir a reiteração delitiva (arts. 312 e 314, CPP), de forma que as medidas cautelares diversas da prisão mostram-se insuficientes (art. 282, § 6º do CPP).

[…] No mais, quanto ao autuado Aristóteles se observa tratar-se de tecnicamente primário, conforme certidões de fls. 81/82, contudo, considerando que em sede de cognição sumária como a presente, há indícios da existência de associação relacionada à organização criminosa vinculada ao tráfico de entorpecentes, bem como a quantidade e diversidade de droga apreendidas (cocaína e crack), entendo preenchidos os requisitos legais da prisão cautelar para garantia da ordem pública em relação à ambos os autuados, tratando-se, ao menos por ora, do meio adequado a impedir a reiteração delitiva (arts. 312 e 314, CPP), de forma que as medidas cautelares diversas da prisão mostram-se insuficientes […].

O Tribunal de origem, ao denegar e ordem e manter a legitimidade do ingresso dos policiais na residência, salientou que “os policiais civis abordaram o paciente no interior de seu apartamento, na posse de uma porção de crack, além de anotações referentes ao tráfico, após receberem denúncia anônima de que ele realizava esse tipo de crime com o seu vizinho – o corréu Aristóteles – com quem, aliás, também foi encontrada expressiva quantidade de entorpecentes, além de balança de precisão e uma máquina de choque” (fls. 33-34, destaquei).

O Juízo de primeiro grau informou que “as razões para a diligência policial foram fundadas em prévia denúncia popular de traficância no local, onde, inclusive, houve apreensão de entorpecentes, não verificando o alegado abuso de autoridade, nem tão pouco elementos de prova a indicar prévia inimizade entre o réu e autoridades policiais, tratando-se o delito de tráfico de drogas, crime permanente” (fl. 154).

Ainda de acordo com as informações, a denúncia foi recebida e determinada a realização de audiência remota (fl. 243).

II. Inviolabilidade de domicílio – direito fundamental O caso ora sob julgamento traz a lume antiga discussão sobre a legitimidade do procedimento policial que, após a entrada no interior da residência de determinado indivíduo, sem o seu consentimento válido e sem autorização judicial, logra encontrar e apreender drogas, de sorte a configurar a prática do crime de tráfico de entorpecentes, cujo caráter permanente autorizaria, segundo antiga linha de pensamento, o ingresso domiciliar.

O art. 5º, XI, da Constituição da República consagrou a regra de que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

O texto constitucional estabeleceu, no referido dispositivo, a máxima de que a morada de alguém é seu asilo inviolável, atribuindo-lhe contorno de direito fundamental vinculado à proteção da vida privada e ao direito à intimidade. Ao mesmo tempo, previu, em numerus clausus, as respectivas exceções, quais sejam: a) se o morador consentir; b) em flagrante delito; c) em caso de desastre;

d) para prestar socorro; e) durante o dia, por determinação judicial.

A jurisprudência e a doutrina pátria entendiam, até recentemente, que, por ser o tráfico de drogas crime de natureza permanente, no qual a consumação se protrai no tempo, estaria autorizado o ingresso em domicílio alheio a qualquer momento e sem necessidade de autorização judicial ou consentimento do morador, o que decorria de interpretação literal do permissivo constitucional, que alude a “flagrante delito” entre as hipóteses de ressalva à inviolabilidade domiciliar.

Porém, o Supremo Tribunal Federal aperfeiçoou esse entendimento, a partir do julgamento do RE n. 603.616/RO (Tribunal Pleno, Rel. Ministro Gilmar Mendes, julgado em 5/11/2015, DJe-093), com repercussão geral previamente reconhecida. Na oportunidade, o Plenário assentou a seguinte tese, referente ao Tema 280: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados” (destaquei).

Nossa Corte Suprema, em síntese, definiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia ou da noite – quando amparado em fundadas razões – na dicção do art. 240, § 1º, do Código de Processo Penal –, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que apontem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.

Embora a jurisprudência tenha caminhado no sentido de que as autoridades podem ingressar em domicílio, sem o consentimento do morador, em hipóteses de flagrante delito de crime permanente – de que é exemplo o tráfico de drogas -, propus, ao julgar o REsp n. 1.574.681/RS (DJe 30/5/2017), que o entendimento fosse aperfeiçoado, dentro, obviamente, dos limites definidos pela Carta Magna e pelo Supremo Tribunal Federal, para que se pudesse perquirir em qual medida a entrada forçada em domicílio é tolerável.

Na ocasião, esta colenda Sexta Turma decidiu, à unanimidade, que não se há de admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique a medida. Ora, se o próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, e mesmo assim mediante decisão devidamente fundamentada, após prévia análise dos requisitos autorizadores da medida, não seria razoável conferir a um servidor da segurança pública total discricionariedade para, com base em de mera capacidade intuitiva, entrar de maneira forçada na residência de alguém e, então, verificar se nela há ou não alguma substância entorpecente. A ausência de justificativas e de elementos seguros a autorizar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativamente à ocorrência de tráfico de drogas, pode acabar esvaziando o próprio direito à privacidade e à inviolabilidade de sua condição fundamental.

No referido julgamento, concluiu-se, portanto, que, para legitimar-se o ingresso em domicílio alheio, é necessário tenha a autoridade policial fundadas razões para acreditar, com lastro em circunstâncias objetivas, no atual ou iminente cometimento de crime no local onde a diligência vai ser cumprida, e não mera desconfiança fulcrada, v. g., na fuga de indivíduo de uma ronda policial, comportamento que pode ser atribuído a várias causas que não, necessariamente, a de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente ou mesmo carregando consigo ilegalmente arma de fogo.

O caso julgado no referido recurso especial foi exatamente o seguinte: o acusado estava em local supostamente conhecido como ponto de venda de drogas, quando, ao avistar a guarnição de policiais, empreendeu fuga para dentro de sua casa, e, após revista em seu domicílio, foram encontradas substâncias entorpecentes (18 pedras de crack).

A Turma concluiu, à unanimidade (frise-se), que a descoberta a posteriori de uma situação de flagrante não passou de mero acaso, de maneira que a entrada no domicílio do acusado, naquele caso, desbordou do que se teria como uma situação justificadora do ingresso na casa do então suspeito, motivo pelo qual não teria eficácia probatória a prova obtida ilicitamente, por meio de violação de norma constitucional. Por conseguinte, também se reputou inadmissível a prova derivada da conduta ilícita – qual seja, a apreensão de 18 pedras de crack no interior da residência do acusado.

Novamente, em sessão de julgamento ocorrida em 22/8/2017, esta colenda Sexta Turma, ao julgar o REsp n. 1.558.004/RS (DJe 31/8/2017), considerou, à unanimidade, serem nulas as provas obtidas mediante invasão de domicílio em hipótese na qual havia somente vagas suspeitas sobre eventual tráfico de drogas perpetrado pela ré, em razão, única e exclusivamente, de informações de que haveria traficância na rua de sua residência – que, aliás, poderia muito bem estar sendo praticada inclusive por um vizinho ou qualquer outro morador.

III. O caso dos autos – ausência de fundadas razões Na espécie, a moldura fática delineada pelas instâncias ordinárias evidencia que: a) a diligência policial foi originada por notícia anônima da prática de tráfico de drogas na localidade; b) não havia indicação de que o ora postulante figurasse como possível autor do ilícito; c) não foi mencionada a realização de diligências anteriores à abordagem do acusado, em sua residência, para apurar a ocorrência de crime naquele local; d) não há comprovação, nos moldes delimitados no precedente anteriormente citado, do consentimento do morador para ingresso em seu domicílio.

Com efeito, não houve referência a nenhuma notícia do armazenamento de drogas na residência, tampouco à prévia investigação policial, monitoramento ou campanas no local para verificar o eventual comércio ilícito de entorpecentes.

Assim, o contexto fático delineado nos autos não serviu de suporte para justificar a ocorrência de uma situação de flagrante – no que diz respeito ao crime previsto no art. 33 da Lei de Drogas – que autorizasse a violação de domicílio. Em outros termos, as circunstâncias que antecederam o ingresso dos policiais no domicílio do réu não evidenciaram, quantum satis e de modo objetivo, fundadas razões que justificassem o ingresso no seu domicílio.

Portanto, não havia elementos objetivos e racionais que motivassem a invasão de domicílio. Eis a razão pela qual, dado que a casa é asilo inviolável do indivíduo, desautorizado estava o ingresso na residência do paciente, de maneira que as provas obtidas por meio da medida invasiva são ilícitas, bem como todas as que delas decorreram.

Nesse mesmo sentido: “a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida” (HC n. 512.418/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 3/12/2019).

Com efeito, embora haja sido apreendida certa quantidade de entorpecente na residência do acusado e do corréu, saliento que a descoberta a posteriori de uma situação de flagrante não passou de mero acaso, de maneira que a entrada no domicílio dos acusados, nesse caso, desbordou do que se teria como uma situação justificadora do ingresso na casa do então suspeito. Sem eficácia probatória, portanto, a prova obtida ilicitamente, por meio de violação de norma constitucional, o que a torna imprestável para legitimar todos os atos produzidos posteriormente.

A propósito, faço lembrar que a essência da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (melhor seria dizer venenosa, em tradução da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, repudia as provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, com base em outra contaminada por ilicitude original.

Houve, então, o ingresso ilícito na residência do paciente e do corréu, ora requerente, e, por conseguinte, é inadmissível a prova derivada dessa conduta, pois evidente o nexo causal entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas. Não se pode, evidentemente, admitir que o aleatório subsequente, fruto do ilícito, conduza à licitude das provas produzidas pela invasão ilegítima.

Tal circunstância impõe o trancamento do processo-crime pelo qual respondem os acusados, por ausência de justa causa, haja vista a inexistência de provas acerca da materialidade do delito.

IV. Dispositivo À vista do exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, concedo a ordem, para, confirmada a liminar, revogar as prisões preventivas do paciente e do corréu e reconhecer a ilicitude das provas obtidas pelo ingresso nos domicílios, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, trancar o processo n. 1500207-62.2021.8.26.0559 por ausência de justa causa.

Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias, para as providências cabíveis.

Publique-se e intimem-se.

Brasília (DF), 14 de maio de 2021.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator

Fonte:  Superior Tribunal de Justiça (STJ) – leia aqui.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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