Notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 09 de outubro de 2019 (leia aqui), referente ao REsp 1762112.
Com base nas disposições da Lei 9.455/1997 e no princípio da independência da esfera penal, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e, por maioria de votos, restabeleceu a sanção de perda do cargo público imposta a um policial militar condenado pelo crime de tortura em Cuiabá.
Ao contrário do TJMT, que entendeu que a decretação de perda do cargo público seria pena mais grave do que a condenação principal – fixada em dois anos e quatro meses de reclusão em regime aberto –, a Sexta Turma concluiu que a perda do cargo é consequência automática e obrigatória da condenação pelo crime de tortura, ainda que o agente tenha passado para a inatividade – condição que não foi totalmente esclarecida no processo, apesar dos argumentos da defesa do policial.
“Não se está a tratar, nestes autos, de cassação de aposentadoria, mas de simples reconhecimento, no âmbito penal, da necessidade de decreto de perda do cargo e da presença dos fundamentos necessários para a imposição desta sanção. Eventuais reflexos previdenciários da decisão penal deverão ser discutidos no âmbito próprio”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Laurita Vaz.
Pena desproporcional
De acordo com os autos, um homem teria furtado de um restaurante um ventilador e quatro latas de cerveja, mas foi detido pelo proprietário. Dentro do local, o proprietário e o policial militar, buscando a confissão sobre o furto e a localização dos bens, teriam torturado o homem com socos, asfixia com sacola plástica e choques elétricos no pescoço.
Na sequência, amarram a vítima e a colocaram no porta-malas de um carro, mas a Polícia Militar flagrou a cena e prendeu os dois em flagrante.
Em primeira instância, o policial foi condenado a cinco anos de reclusão, em regime semiaberto, além da perda do cargo público. Entretanto, o TJMT reduziu a pena para dois anos e quatro meses e afastou a perda da investidura militar.
O tribunal mato-grossense considerou que a pena imposta em primeira instância foi desproporcional ao delito e que o juiz deveria ter justificado concretamente as razões que o levaram a declarar a perda do cargo. O Ministério Público recorreu ao STJ.
Revisão impossível
A ministra Laurita Vaz afirmou que o TJMT, ao reduzir a pena-base ao mínimo legal, entendeu que a violência e a perversidade empregadas no caso não ultrapassaram aquilo que já é inerente à própria natureza do crime de tortura.
Além disso, o TJMT reconheceu que a condição de servidor público foi usada para avaliar negativamente as circunstâncias judiciais e também para aplicar o aumento de pena previsto no artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei 9.455/1997, o que caracteriza bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato).
Segundo a relatora, se o tribunal de origem concluiu que não há elementos concretos que justifiquem a imposição de pena-base acima do mínimo legal, rever esse entendimento exigiria ampla discussão sobre os fatos e as provas do processo – o que não é possível no âmbito do recurso especial, o qual se limita ao debate de questões jurídicas.
Efeito automático
Por outro lado, observou a ministra, houve violação do parágrafo 5º do artigo 1º da Lei de Tortura, tendo em vista que, reconhecida a prática do crime, a perda do cargo público é efeito automático da condenação. A relatora destacou que, embora fosse dispensável, o juiz de primeiro grau fundamentou detalhadamente a necessidade da imposição da sanção.
“A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado a necessidade de decretação da perda do cargo público nos casos em que a conduta criminosa demonstra a violação dos deveres do agente com o ente estatal e a infringência dos princípios mais básicos da administração pública, entre eles o da moralidade e o da impessoalidade, o que foi expressamente demonstrado no caso em apreço”, apontou a ministra.
No tocante à alegação de que não seria possível a perda do cargo devido à superveniente aposentadoria – argumento levantado pela defesa nas contrarrazões do recurso especial –, Laurita Vaz ressaltou que o tema não foi examinado pelo TJMT, tampouco a passagem para a inatividade está comprovada nos autos.
Mesmo assim, a ministra lembrou que a Corte Especial, no julgamento da Apn 825 e da Apn 841, decidiu que o fato de o acusado estar na inatividade não impede a imposição da perda do cargo público, considerada a independência da esfera penal.
Leia o acórdão.
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