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Evinis Talon

STJ: é possível que o magistrado, na fase processual, determine a produção de provas ex officio

10/09/2019

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STJ: é possível que o magistrado, na fase processual, determine a produção de provas ex officio

Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 221.231/PR, julgado em 21/03/2017 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ARTIGOS 4º DA LEI N. 7.492/1986 E 1º, VI, DA LEI N. 9.613/1998. MAGISTRADO QUE HOMOLOGA ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. ARTIGO 252 DO CPP. HIPÓTESES TAXATIVAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS NO CURSO DA AÇÃO PENAL. DETERMINAÇÃO JUDICIAL EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2. As causas de impedimento do Magistrado para o processamento e julgamento da causa são circunstâncias objetivas relacionadas a fatos internos ao processo, previstas, taxativamente, no artigo 252 do Código de Processo Penal. 3. Nesse diapasão: a) não é possível interpretar-se extensivamente os seus incisos I e II de modo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual desempenha funções equivalentes ao de um delegado de polícia ou membro do Ministério Público ( HC 92893, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2008, DJe de 11/12/2008); b) não se pode ampliar o sentido do inciso III de modo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual ou em sede de procedimento de delação premiada em ação conexa desempenha funções em outra instância (o desempenhar funções em outra instância é entendido aqui como a atuação do mesmo magistrado, em uma mesma ação penal, em diversos graus de jurisdição) – HC 97553, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/06/2010, DJe de 09/09/2010. 4. Na hipótese vertente, não houve exteriorização de qualquer juízo de valor acerca dos fatos ou das questões de direito emergentes na fase preliminar que impeça o Juiz oficiante de atuar com imparcialidade no curso da ação penal. O acórdão impugnado considerou que a participação do magistrado restringiu-se à homologação do acordo de delação premiada e a sentença consignou que os depoimentos dos delatores não haviam sido isoladamente considerados para embasar a condenação. 5. Em resumo, a homologação do acordo de colaboração premiada pelo Magistrado não implica seu impedimento para o processo e julgamento da ação penal ajuizada contra os prejudicados pelas declarações prestadas pelos colaboradores, não sendo cabível interpretação extensiva do artigo 252 do CPP. Precedentes. 6. Em obediência ao princípio da busca da verdade real e pela adoção do sistema de persuasão racional do juiz, é possível que o magistrado, na fase processual, determine a produção de provas ex officio, desde que de forma complementar à atividade probatória das partes. No caso, o juiz, conhecedor de elementos probatórios constantes de outras ações penais conexas à presente, e que poderiam suprir dúvidas existentes nos autos sobre pontos relevantes para o julgamento da causa, determinou a sua juntada ao procedimento criminal, com a reabertura de prazo às partes para manifestação. Inteligência dos arts. 156, II e 502 da Lei Adjetiva Penal. 7. Habeas corpus não conhecido. (HC 221.231/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2017, DJe 29/03/2017)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):

O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015 e STF, HC n. 113890, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.

Assim, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso especial. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.

A defesa objetiva a declaração de impedimento do Juiz Sérgio Fernando Moro para a instrução e julgamento da ação penal objeto do presente writ (Ação Penal n. 2002.70.00.00078965-2), por ter ele participado da colheita dos depoimentos de Alberto Youssef e Gabriel Nunes Pires Neto nos autos dos Procedimentos Criminais Diferenciados ns. 2004.70.00.002414-0 e 2004.70.00.008901-8, quando da celebração de acordo de delação premiada por estes, homologando-os, o que implica seu impedimento nos termos do artigo 252, II, do Código de Processo Penal, diante de seu contato com os elementos probatórios que respaldaram a instauração de processo criminal contra o paciente, funcionando, ao ver dos impetrantes, como verdadeiro investigador.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, analisando o tema, assim se pronunciou (e-STJ fls. 896/898):

Transcrevo, por oportuno, os fundamentos para rejeição dos Embargos de Declaração na ACR n. 2004.70.00.015045-5/PR, em 14/7/2009, em que analisei questão similar levantada pelo embargante:

O embargante sustenta, primeiramente, que houve contradição no acórdão embargado no tocante à análise da ilicitude da prova testemunhal colhida mediante acordo de delação premiada, uma vez que transcreveu trechos dos depoimentos prestados que demonstram que a participação do magistrado prolator da sentença não se limitou à homologação do acordo. Refere que tais depoimentos foram colhidos perante o magistrado em audiência realizada no PCD 2004.70.00.008901-8 em 16/12/2003 e 3/3/2004, mas que este PCD somente foi distribuído ao Juízo da 2ª Vara Criminal de Curitiba em 4/4/2004 e que, sendo assim, eventual homologação do acordo somente poderia ter ocorrido após a distribuição dos autos àquele, ocasião em que foi fixada sua competência jurisdicional. Em suas razões de apelo, o recorrente arguiu a imprestabilidade da prova testemunhal produzida mediante acordo de delação premiada, tendo em vista que a instrução do feito teria se dado com a larga utilização de depoimentos prestados por pessoas que celebraram o acordo com o Ministério Público Federal, com a participação direta do juiz prolator da sentença, sendo que isto demonstraria o seu absoluto engajamento com a acusação, pois esses procedimentos não tinham outra finalidade que não a obtenção da incriminação de terceiros. A referida preliminar foi rejeitada pelo acórdão, que considerou a validade da prova face à expressa previsão legal e o fato de sua valoração ter encontrado respaldo no conjunto probatório. Além disso, referiu a exclusiva participação do magistrado na sua homologação, endossando os argumentos expostos por ocasião da rejeição da exceção de impedimento juntada aos autos, por não ter tido envolvimento direto no seu conteúdo (fls. 641/643):

Quanto ao impedimento, argumentação da defesa está baseada em falsas premissas. Os acordos de delação premiada foram celebrados entre os acusados, seus defensores e a acusação. A participação do julgador deu-se posteriormente, após a celebração do acordo, a fim de formalizá-lo e homologá-lo, conferindo maior segurança ao ato. Assim, o julgador não teve envolvimento direto no conteúdo do acordo. Após a celebração do acordo, apenas para garantir a segurança da prova, bem como para garantir que não estaria sendo extraída sob qualquer espécie de coação, foram colhidos e gravados os depoimentos dos delatores perante o Juízo, em audiência. Da mesma forma, o conteúdo dos depoimentos já eram conhecidos do MPF e visou-se com o procedimento apenas formalizar a prova. Aliás, embora a argumentação careça de maior substância, não são poucos os que questionam a validade da prova colhida diretamente pelo MPF, havendo inclusive causa da espécie em trâmite no STF (Inquérito 1968), o que explica a cautela da presença do julgador quando da colheita da prova. Isso, porém, não significa que o juiz transformou-se em investigador, substituindo o MPF ou a Polícia Federal. Apenas reduziu-se a termo as declarações dos acusados, com a presença do Juízo para conferir maior segurança do ato.

Outra participação do Juízo nos acordos deu-se apenas quando do julgamento das acusações formuladas contra os delatores em processos nos quais obtiveram o benefício da redução da pena. Aliás, por este motivo é que os acordos foram trazidos a este Juízo e formalizados sob a sua presença, considerando que ambos tiveram presente as ações penais 2004.7000006806-4 e 2003.7000039531-9 nos quais ambos eram réus. Daí, aliás, a celebração dos acordos, com posterior distribuição a este juízo em autor apartados. Inexistiu, assim, a contradição apontada, pois referente à valoração da prova, devidamente realizada no aresto. Indevidamente insurge-se o embargante nesta via, em verdade, quanto à prova, o seu valor e fundamentos da condenação. Inexistiu, portanto, a apontada omissão. Refere o embargante não ter sido analisada a questão da necessidade de conhecimento da ilicitude do compartilhamento dos elementos de prova trazidos aos autos pelo Magistrado, após as alegações finais, em flagrante violação ao artigo VII do Acordo do Cooperação Internacional – Estados Unidos (MLAT), promulgado pelo Decreto 3.810/2001. Ao rejeitar a referida preliminar, acórdão expressamente referiu (fl. 2259-verso): Não há obstáculo legal, porém, ao aproveitamento de provas emprestadas, mesmo obtidas fora do contraditório ao que agora sujeitas e segundo a legislação própria de regência do local do ato, sempre valoradas prudentemente para o caso e com reforço nas provas diretamente produzidas na ação penal. Conforme se vê dos despachos das fls. 1737-1738 e 1789-1791, o juiz a quo baixou o feito em diligência e determinou a juntada de vários documentos relevantes, como documentos bancários, cópias de representações fiscais, e peças de outro processos criminais, determinando a intimação da defesa para, querendo, complementar suas alegações finais no prazo de três dias. Regularmente intimado, o réu se manifestou quanto à juntada dos referidos documentos (fls. 1839-1845), cuja insurgência foi rejeitada pela sentença (fls. 658):

Quanto à alegação de invalidade da iniciativa de ofício do Juízo ao determinar a juntada de novos documentos pela decisão de fls. 1737 e 1738, 1789-1791, trata medida que conta com expresso amparo legal conforme artigo 156 do CPP, mesmo considerando a nova redação da pela Lei n. 11.690/2008. Também encontra amparo no artigo 502 do CPP, redação anterior à referida lei, e atualmente no artigo 404 do CPP. Portanto, a tese de que o Juiz não pode atuar supletivamente, como foi o caso, cf. Fundamento dos despachos, não encontra amparo na lei expressa, nem se infere ela no texto constitucional. De fato, sendo a conversão do julgamento em diligência faculdade expressamente prevista pelo legislador (artigo 502 do CPP), não há como acolher a tese do apelante sobre a ilicitude da prova produzida, especialmente em razão da pertinência dos documentos juntados aos autos – cópias de inquérito policial e ação penal – bem como diante da abertura de prazo para a defesa para que sobre eles se manifestasse, e ainda pelos limites da prova emprestada como complementar. Não prospera, assim, a alegação do embargante.

E, ainda (e-STJ fls. 948/951):

Impedimento do magistrado que presidiu e sentenciou a ação penal. Alega o apelante Paulo Roberto Krug que o magistrado participou diretamente dos procedimentos de delação premiada de Alberto Youssef e Gabril Nunes Pires Neto. Refere que o depoimento de Alberto Youssef foi colhido nos autos da Representação Criminal n. 2004.70.00.008901-8 em caráter sigiloso, antes da distribuição formal do Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de Curitiba, sendo que o magistrado prolator da sentença participou diretamente do ato, interrogando o depoente diversas vezes, como também, suspendeu mandados de prisão expedidos em seu desfavor. Já Gabriel Nunes Pires Neto teria sido ouvido pelo magistrado no Procedimento Criminal n. 2004.70.00.008901-8, também em data anterior a sua distribuição formal, sendo que seu depoimento foi fielmente transcrito pela sentença condenatória. Diz ser forçoso concluir que o magistrado estava impedido de atuar no feito e, especialmente, proferir sentença. Refere, ainda, que o teor do item 3 do despacho das fls. 1737-1738, revela, mais uma vez, a quebra da imparcialidade objetiva do juiz sentenciante, acarretando o seu impedimento. Rejeito os argumentos da defesa pelos mesmos fundamentos do parecer ministerial das fls. 2141-verso a 2143:

8. Como primeira prefacial, faz-se mister mencionar que não está impedido o juiz a quo. […]
10. Os acordos de delação premiada foram celebrados entre os acusados, seus defensores e a acusação. A participação do Juízo a quo ocorreu posteriormente, após a celebração do acordo, a fim de formalizá-lo e homologá-lo, conferindo maior segurança ao ato. O Juízo de primeiro grau não teve envolvimento direto no conteúdo do acordo. Assim, somente após a celebração do acordo, apenas para garantir a segurança da prova, bem como para garantir que não estaria sendo extraída sob qualquer espécie de coação, foram colhidos e gravados os depoimentos dos delatores perante o Juízo a quo, em audiência. É dizer: como controlador do acordo realizado, o juízo nada mais estava fazendo do que verificar se não haveria nenhuma ilegalidade que poderia vir em detrimento dos demais envolvidos, inclusive do ora réu. Da mesma forma, o conteúdo dos depoimentos já era conhecido do MPF e visou-se com o procedimento apenas formalizar a prova.

11. Ademais, e se diz apenas a título de argumentação, mesmo que o julgador monocrático tivesse participado ativamente do entabulamento dos acordos, com a tomada das informações dos delatores que, à luz da legislação de regência, não haveria irregularidade no procedimento.
12. Com efeito, o artigo 25 da Lei n. 7.492/86 foi acrescido de um parágrafo 2º pela Lei n. 9.080/95, o qual possui a seguinte redação: “nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”. À exceção da nova Lei de Tóxicos (n. 10.409/02) – que passou a prever a possibilidade de acordo extrajudicial entre delator e acusação, inclusive com “sobrestamento” do processo -, nenhum dos demais diplomas legais que albergam o instituto da delação vedam a possibilidade de ele formalizar-se perante a autoridade judiciária – aliás, entende-se que nem na hipótese da Lei de Tóxicos tal restrição se impõe, pois o que os princípios constitucionais exigem (notadamente o da imparcialidade do juiz) é o distanciamento do juiz no que atine à substancial produção do acordo. Ou seja, nada impede, tal como ocorreu, para maior transparência e segurança, que o acordo seja reduzido a termo, em audiência e homologado pelo juízo monocrático. De resto, em relação à prova colhida, como reclama o sistema da livre apreciação motivada, deverá o material obtido por meio da delação ser cotejado com os demais meios lícitos de prova (pois a delação exclusivamente não serve como fundamento para fins de condenação), a fim de subsidiar o decreto absolutório ou condenatório -, com a autorização para redução da pena do colaborador ou até para concessão do perdão judicial.

[…] 14. Além do mais, cumpre mencionar que os fatos objeto da presente ação penal foram apurados em diligências realizadas pela Força Tarefa CC-5, nas cidades de Nova Iorque/NY e Newark/NJ para aprofundar investigações acerca das atividades dos correntistas e ex-correntistas da extinta agência do banco Banestado em Nova Iorque, ou seja, a prova está alicerçada primeiramente nesses documentos.

15. Em vista disso e do princípio da livre apreciação da prova pelo magistrado, resta afastado o alegado impedimento do Juízo a quo. Com efeito, o que se verifica nos autos é que, em primeiro lugar, a participação do magistrado prolator da sentença nos acordos de delação premiada firmados entre as testemunhas e o Ministério Público consistiu, tão somente, na sua homologação. Por outro lado, encontrando expressa previsão legal e havendo outros elementos probatórios nos autos, inexiste qualquer invalidade na produção de tal prova. […] Frise-se, inclusive, que a sentença expressamente consignou, ao examinar tais provas na fundamentação, que os testemunhos de Gabriel Nunes Pires e José Luis Boldrini, não foram isoladamente considerados para embasar a condenação, conforme se vê dos trechos a seguir transcritos (fls. 1880-1882):

113. Quanto à credibilidade dos depoimentos de Gabriel e José Luis Boldrini, é forçoso reconhecer que se trata de palavras de criminosos, esperando benefícios legais em troca da colaboração com a Justiça. Entretanto, o fato do depoimento ser suscetível de questionamentos, não o torna automaticamente imprestável. […]

114. A questão que realmente importa no caso de criminosos colaboradores é verificar se o depoimento é corroborado por provas independentes no processo. Ora, no presente caso, cf. Já visto nos itens 90-106, há uma abundância de provas independentes, de natureza documental, quanto ao envolvimento de Paulo Roberto Krug no mercado de câmbio negro e da realização de operações através da conta Pacific no exterior. Os depoimentos de Gabriel e de José Luiz Boldrini são, em realidade, apenas elementos probatórios adicionais, plenamente prescindíveis. Assim, rejeito a preliminar.

Como visto, a Corte de origem afastou o alegado impedimento do Magistrado para o processo e julgamento da causa, primeiro, porque sua atuação no acordo de colaboração premiada teria limitado-se à respectiva homologação, tendo, para tanto, tomado depoimento de Alberto Youssef e Gabriel Nunes Pires Neto a fim de verificar a legalidade, validade e voluntariedade do ato, segundo, porque a determinação para juntada de documentos teria observado as prescrições legais, visto que realizada de forma complementar à atividade probatória das partes e aberto prazo para manifestação da acusação e da defesa sobre os novos documentos juntados aos autos e, terceiro, porque a condenação imposta ao paciente estaria consubstanciada em outros elementos probatórios que não apenas os depoimentos prestados pelos colaboradores.

A defesa aponta violação do disposto no artigo 252, II, do Código de Processo Penal que assim prescreve:

Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:

I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;

II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;

III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;

Devo observar que as causas de impedimento do Magistrado para o processamento e julgamento da causa são circunstâncias objetivas relacionadas a fatos internos ao processo, enquanto as de suspeição referem-se a fatos externos ao processo.

Nesse sentido:

As causas de impedimento são circunstâncias objetivas relacionadas a fatos internos ao processo capazes de prejudicar a imparcialidade do magistrado. Costuma-se dizer que dão ensejo à incapacidade objetiva do juiz, visto que os vínculos que geram impedimento são objetivos e afastam o juiz independentemente de seu ânimo subjetivo. Há, pois, uma presunção absoluta de parcialidade. Ao contrário das causas de suspeição, geralmente relacionadas a fatos externos ao processo, as causas de impedimento estão intrinsicamente ligadas, direta ou indiretamente, ao processo em curso, inicialmente submetido à jurisdição de determinado juiz. (DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal, editora JusPodivm, 2015, p. 1.187).

“As causas de impedimento (…) de magistrado estão dispostas taxativamente no Código de Processo Penal, não comportando interpretação ampliativa” (REsp 1177612/SP, Rel. Min. OG FERNANDES, Sexta Turma, DJe 17/10/2011).

No caso dos autos, não verifico nenhuma das hipóteses taxativamente previstas no artigo 252 do Código de Processo Penal e que poderiam implicar impossibilidade da atividade jurisdicional pelo Magistrado.

O impedimento do Magistrado para atuar em ação penal ajuizada contra os prejudicados por acordo de colaboração premiada da qual participara o Magistrado não encontra amparo no dispositivo legal supracitado, muito menos no inciso colacionado pela defesa – inciso II do artigo 252 do CPP – ou no inciso III do mesmo diploma normativo.

O inciso II do artigo 252 do Código de Processo Penal presume a perda da imparcialidade do Juiz quando este tenha desempenhado, anteriormente, no mesmo procedimento criminal (e aí, inclua-se a fase pré-processual e processual), as funções de defensor, Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito, não podendo se estender tal proibição aos Magistrados que porventura tenham atuado em fases pré-processuais, pois o Juiz quando atua nessa fase, mediante provocação, está funcionando como garantidor da legalidade da investigação, não estendendo-se a ele as funções de delegado de polícia ou de membro do Ministério Público, até mesmo porque, quando atua em tal mister, não emite qualquer juízo de valor acerca das questões de fato e/ou de direito que possa comprometer a sua imparcialidade no curso do processo penal.

Nesse sentido:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRESIDÊNCIA DE INQUÉRITO. IMPEDIMENTO DO MAGISTRADO. INOCORRÊNCIA. ART. 255 do CPP. ROL TAXATIVO . PRECEDENTES. JUIZADO DE INSTRUÇÃO. INOCORRÊNCIA. INCOMPATIBILIDADE DO ART. 75 DO CPP COM A CONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I – As hipóteses de impedimento elencadas no art. 252 do Código de Processo Penal constituem um numerus clausus. II – Não é possível, pois, interpretar-se extensivamente os seus incisos I e II de modo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual desempenha funções equivalentes ao de um delegado de polícia ou membro do Ministério Público. Precedentes. III – Não se adotou, no Brasil, o instituto acolhido por outros países do juizado de instrução, no qual o magistrado exerce, grosso modo, as competências da polícia judiciária. IV – O juiz, ao presidir o inquérito, apenas atua como um administrador, um supervisor, não exteriorizando qualquer juízo de valor sobre fatos ou questões de direito que o impeça de atuar com imparcialidade no curso da ação penal. V – O art. 75 do CPP, que adotou a regra da prevenção da ação penal do magistrado que tiver autorizado diligências antes da denúncia ou da queixa não viola nenhum dispositivo constitucional. VI – Ordem denegada. (HC 92893, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2008, DJe-236 DIVULG 11-12-2008 PUBLIC 12-12-2008 EMENT VOL-02345-01 PP-00118)

No caso, o fato do Juiz Sérgio Fernando Moro ter homologado os acordos de colaboração premiada de Alberto Youssef e Gabriel Nunes Pires Neto nos autos das Ações Penais ns. 2003.70.00.056661-8, 2003.70.00.066405-7 (e-STJ fls. 52/62), 2001.70.01.003881-0, 2003.7000039531-9, 2003.7000066405-7, 2000.70.00023861-4, 2002.70.00.060753-7 (e-STJ fls. 84/98), procedendo, inclusive, à colheita de depoimento dos mesmos em razão do acordo de colaboração premiada (e-STJ fls. 79/82 e 99/101), e dos quais derivou o ajuizamento de ação penal contra o ora paciente, não faz presumir que tenha desempenhado função equivalente a de um membro do Ministério Público Federal ou Delegado da Polícia Federal, ao revés, sua atuação decorrera de imposição legal para fins de homologação do acordo de colaboração premiada a fim de constatar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, sem a qual o respectivo acordo não surtiria os efeitos almejados pelos colaboradores.

É certo que diante da adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro, do sistema acusatório, o Juiz não pode exercer, simultaneamente, funções próprias de investigação, inerentes à autoridade policial e ao Ministério Público, devendo resguardar a igualdade entre as partes, sobretudo a fim de manter sua imparcialidade para o julgamento de demanda, o que, contudo, não implica dizer que esteja proibido, na fase pré-processual, de exercer atividades de supervisão, de administração e de coordenação quanto à colheita dos elementos informativos e probatórios, bem como em relação às providências acautelatórias, dependendo, pois, de provocação. Referido entendimento, igualmente, pode ser aplicável a eventual coleta de depoimentos em sede de colaboração premiada, pois, a critério do Ministério Público, as informações daí obtidas podem ser relevantes para a apuração de fatos imputados à organização criminosa, bem como ensejar eventual concessão dos beneficios legais aos colaboradores.

O que o ordenamento jurídico não admite é que o Magistrado presencie ou participe das negociações para a formalização do acordo de colaboração premiada, adentrando e colaborando na elaboração de seu conteúdo.

No caso dos autos, ao contrário do alegado pela defesa, o conteúdo do acordo de colaboração premiada bem como o estabelecimento dos prêmios legais a serem deferidos aos colaboradores foram objeto de conversações e de tabulamento entre os membros do Ministério Público Federal que compunham a Força Tarefa CC-5, os defensores e os acusados Alberto Youssef e Gabriel Nunes (e-STJ fls. 52/62 e 84/98), tanto que o Magistrado limita-se a apor o seu ciente e a designar data para colheita de depoimentos, o que, não é vedado pelo ordenamento jurídico, pois, para fins de homologação do acordo, o Magistrado pode proceder à colheita de declarações dos colaboradores, na presença de seus defensores, a fim de constatar a regularidade, legalidade e voluntariedade do entabulamento. Referido comportamento processual foi inclusive objeto de previsão expressa na Lei n. 12.850/2013 em seu artigo 4º, § 7º, o que, igualmente, demonstra o acerto da medida realizada pelo Juiz de primeiro grau.

Ao contrário do alegado pela defesa, não se pode presumir ter o Magistrado participado da elaboração do acordo de colaboração premiada, por constar como prêmios legais, a redução de pena ou perdão judicial. Isso porque, no acordo de colaboração premiada, os benefícios a serem concedidos são objeto de negociação entre o Ministério Público, os acusados e seus defensores e, acaso o Magistrado, por ocasião da homologação, discorde de seu conteúdo, deverá rejeitá-lo, aguardando novo acordo entre as partes.

Neste mesmo diapasão, a seguinte lição doutrinária:

Considerando a impossibilidade de o juiz imiscuir-se nas negociações inerentes ao acordo de colaboração premiada, ao magistrado não se defere a possibilidade de modificar os termos da proposta, sob pena de evidente violação ao sistema acusatório e à garantia da imparcialidade. Na verdade, o que o magistrado pode fazer é rejeitar a homologação de eventual acordo por não concordar com a concessão de determinado prêmio legal, nos termos do art. 4º, § 8º, primeira parte, aguardando, então, que as próprias partes interessadas na homologação da proposta cheguem a novo acordo quanto ao benefício a ser concedido ao colaborador. (DE LIMA, Renato Brasileiro, Legislação Criminal Comentada, Editora JusPODIVM, 2015, pg. 557)

Na espécie, dos termos de depoimentos prestados por Alberto Youssef e Gabriel Nunes (e-STJ fls. 79/82 e 99/101), e, em conformidade com o constante do acórdão impugnado (e-STJ fls. 948/951), constato que os depoimentos foram colhidos pelo Magistrado, após a celebração do acordo de colaboração premiada entre os delatores, seus defensores e os membros do Ministério Público Federal, tão somente para fins de verificação da regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo, não denotando exercício de atividade investigativa, mas apenas de supervisão, o que não implica comprometimento da imparcialidade do Juiz.

Igualmente não se faz presente no caso dos autos, a hipótese de impedimento prevista no inciso III do artigo 252 do CPP.

Conforme entendimento exposto no âmbito desta Corte, “o disposto no art. 252, III, do CPP aplica-se somente aos casos em que o juiz atuou no feito em outro grau de jurisdição como forma de evitar ofensa ao princípio do duplo grau” (HC n. 324.206/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, Dje 17/8/2015), não sendo esse o caso dos autos. Na espécie, trata-se de colheita de provas em processos diversos (Inquérito n. 2003.7000030333-4 e Ação Penal n. 2004.7000008267-0 e-STJ fl. 838), que subsidiaram a instauração de inquérito, oferecimento de denúncia e ajuizamento de ação penal distinta contra o ora paciente pela remessa de valores ao exterior a partir de contas CC5 durante a segunda metade da década de 1990, não havendo intervenção direta do Magistrado na investigação ou na persecução penal contra o paciente.

O fato do Magistrado ter participado da colaboração premiada de Alberto Youssef e de Gabriel Nunes, homologando o acordo e colhendo depoimentos para tal fim, e nos quais fora citado o nome do ora paciente como envolvido na trama delituosa, não macula sua imparcialidade, pois a intervenção do juiz não ocorrera em processo antecedente instaurado contra o próprio réu sob a sua presidência, não tendo o Magistrado, naquele momento, emitido juízo de valor a respeito dos fatos imputados ao paciente. Se assim fosse, processos conexos onde houvesse confissão espontânea e delação de corréus não poderiam jamais ser julgados pelo Magistrado, implicando causa obrigatória de separação de processos em desconformidade com o artigo 79, caput e incisos, do Diploma Processualista.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal, apreciando questão análoga à dos autos, já se pronunciou no sentido de que a atuação do Magistrado no acordo de colaboração premiada, não implica seu impedimento para o processo e julgamento da ação penal, ante a inexistência de previsão expressa nas hipóteses taxativas previstas no artigo 252 do Código de Processo Penal.

A propósito:

EMENTA Processual Penal. Habeas Corpus. Impedimento. Imparcialidade do julgador. Intervenção probatória do magistrado em procedimento de delação premiada. Não configuração das hipóteses taxativas. Inocorrência. Art. 252 do CPP. Precedentes. Ordem Denegada. 1. As hipóteses de impedimento elencadas no art. 252 do Código de Processo Penal constituem um numerus clausus. Precedentes (HC nº 92.893/ES, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 12/12/08 e RHC nº 98.091/PB, 1ª Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 16/4/10). 2. Não é possível interpretar extensivamente o inciso III de modo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual ou em sede de procedimento de delação premiada em ação conexa desempenha funções em outra instância (o desempenhar funções em outra instância é entendido aqui como a atuação do mesmo magistrado, em uma mesma ação penal, em diversos graus de jurisdição). 3. Reinterrogatório de corréus validamente realizado em processo distinto daquele em que surgiram indícios contra o investigado (CPP, art. 196) e que não constitui impedimento à condução de nova ação penal instaurada contra o paciente. 4. Inquérito policial instaurado por requisição do Ministério Público. Atuação do magistrado: preside o inquérito, apenas como um administrador, um supervisor, um coordenador, no que concerne à montagem do acervo probatório e às providências acautelatórias, agindo sempre por provocação, jamais de ofício. Não exteriorização de qualquer juízo de valor acerca dos fatos ou das questões de direito emergentes na fase preliminar que o impeça de atuar com imparcialidade no curso da ação penal. 4.Ordem denegada. (HC 97553, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/06/2010, DJe-168 DIVULG 09-09-2010 PUBLIC 10-09-2010 EMENT VOL-02414-02 PP-00414 RTJ VOL-00216-01 PP-00390 LEXSTF v. 32, n. 382, 2010, p. 301-321 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 490-502)

Anoto que, em situação análoga (HC 367.156-MT), a colenda Sexta Turma não reconheceu sequer a hipótese de suspeição da Magistrada oficiante na Justiça Estadual do Mato Grosso. Veja-se, a propósito, o extrato da decisão no site deste Tribunal:

DECISÃO 09/03/2017 19:06 Negado habeas corpus a ex-governador de Mato Grosso Silval Barbosa Por maioria de votos, em julgamento concluído nesta quinta-feira (9), a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus ao ex-governador de Mato Grosso Silval Barbosa, réu em processo decorrente da Operação Sodoma. Barbosa foi denunciado pelos crimes de organização criminosa, concussão, lavagem de dinheiro e extorsão. A defesa buscava a declaração de suspeição da juíza do processo. De acordo com suas alegações, durante as audiências nas quais os colaboradores foram ouvidos para fins de homologação dos respectivos acordos de delação premiada, a magistrada teria ultrapassado os limites e a finalidade do ato processual, formulando diversas perguntas que diziam respeito aos fatos investigados e não apenas à regularidade, legalidade e voluntariedade da colaboração. Caso a pretensão fosse acolhida, seriam anulados todos os atos processuais subsequentes à homologação dos acordos, entre eles o que decretou a prisão preventiva de Silval Barbosa, em setembro de 2015. Via inadequada O relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro, além de não reconhecer ilegalidade no procedimento que justificasse a intervenção do STJ, destacou que o habeas corpus não é o meio adequado para a análise de suspeição da magistrada competente, devido à impossibilidade de apreciação de provas. Saldanha destacou trecho da decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) no sentido de que “a oitiva prévia dos colaboradores não induz à presunção de parcialidade do juiz e nem faz concluir que tais declarações serão utilizadas como prova na instrução processual. Ao contrário, os colaboradores serão novamente chamados em juízo, quando ratificarão ou não o que ora está consignado nos autos”. O relator foi acompanhado pelos ministros Nefi Cordeiro e Rogerio Schietti Cruz. Ao apresentar seu voto na sessão desta quinta-feira, Schietti reconheceu que a magistrada fez perguntas além das suficientes, mas também destacou a impossibilidade de se comprovar em habeas corpus eventual parcialidade de seu comportamento. Segundo o ministro, não existe legislação expressa sobre os limites da atuação judicial na audiência de homologação do acordo de colaboração premiada, o que, para ele, é diferente da vedação da participação do juiz na condução do acordo, prevista no artigo 4º, parágrafo 6º, da Lei 12.850/13.

Igualmente não há que se falar em quebra da imparcialidade do Juiz por ter este, já no curso da ação penal, determinado a juntada de documentos que reputava relevantes para a solução da causa.

No curso do processo penal, admite-se que o juiz, de modo subsidiário, possa – com respeito ao contraditório e à garantia de motivação das decisões judiciais – determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis, a fim de dirimir dúvidas sobre pontos relevantes, seja por força do princípio da busca da verdade, seja pela adoção do sistema do livre convencimento motivado.

Com efeito, dispõe o art. 156, II, do CPP:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (…)

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

In casu, o Juiz, após as alegações finais e tendo conhecimento de outras provas que poderiam subsidiar a formação de seu convencimento quanto aos fatos objeto da presente ação penal, tendo em vista que atuava em outros processos criminais conexos àquela, converteu o julgamento em diligência, determinando a juntada aos autos destes documentos, entre eles, documentos bancários, representações fiscais e peças de outros processos criminais, decorrentes de quebras de sigilo bancário e fiscal realizados em outras ações penais, tendo, posteriormente, aberto vistas às partes para manifestação, com a consequente reabertura de prazo para complementação de alegações finais (e-STJ fl. 898).

Em obediência ao princípio da busca da verdade e pela adoção do sistema de persuasão racional do juiz, é possível que o Magistrado, na fase processual, determine a produção de provas ex officio, desde que de forma complementar à atividade probatória das partes, como na espécie, em que o Juiz, conhecedor de elementos probatórios constantes de outras ações penais e que poderiam suprir dúvidas existentes nos autos sobre pontos relevantes para o julgamento da causa, determinou a juntada aos autos com a reabertura de prazo às partes para manifestação.

Caso o Juiz, conhecedor de tais documentos que poderiam sanar dúvidas sobre fatos constantes do procedimento criminal e colaborar para a busca da verdade, permanecesse inerte, aí sim poder-se-ia falar em quebra da imparcialidade, pois conhecedor de que sua inércia poderia beneficiar a parte contrária àquela a quem competia o ônus probatório.

Nesse sentido:

Essa atuação subsidiária do juiz na produção de provas não compromete sua imparcialidade. Na verdade, como destaca a doutrina, “os poderes instrutórios do juiz não são incompatíveis com a imparcialidade do julgador. Ao determinar a produção de uma prova, o juiz não sabe, de antemão, o que dela resultará e, em consequência, a qual parte vai beneficiar. Por outro lado, se o juiz está na dúvida sobre um fato e sabe que a realização de uma prova poderia eliminar sua incerteza e não determina sua produção, aí sim estará sendo parcial, porque sabe que, ao final, sua abstenção irá beneficiar a parte contrária àquela a quem incumbirá o ônus daquele prova. […] Também não há qualquer incompatibilidade entre o processo penal acusatório e um Juiz dotado de iniciativa probatória, que lhe permita determinar a produção de provas que se façam necessárias para o esclarecimento da verdade. […]. Consoante prevê a Exposição de Motivos do CPP, enquanto não estiver averiguada a matéria de acusação ou da defesa, e enquanto houve uma fonte de prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dubio pro reo ou o non liquet. (DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Editora JusPODIVM, 3ª edição, 2015, pgs. 601/602)

(…) A estrutura acusatória do processo penal pátrio impede que se sobreponham em um mesmo sujeito processual as funções de defender, acusar e julgar, mas não elimina, dada a natureza publicista do processo, a possibilidade de o juiz determinar, mediante fundamentação e sob contraditório, a realização de diligências ou a produção de meios de prova para a melhor reconstrução histórica dos fatos, desde que assim proceda de modo residual e complementar às partes e com o cuidado de preservar sua imparcialidade.

Não fora assim, restaria ao juiz, a quem se outorga o poder soberano de dizer o direito, lavar as mãos e reconhecer sua incapacidade de outorgar, com justeza e justiça, a tutela jurisdicional postulada, seja para condenar, seja para absolver o acusado. Uma postura de tal jaez ilidiria o compromisso judicial com a verdade e com a justiça, sujeitando-o, sem qualquer reserva, ao resultado da atividade instrutória das partes, nem sempre suficiente para esclarecer, satisfatoriamente, os fatos sobre os quais se assenta a pretensão punitiva (….) – RHC 58.186/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 15/09/2015.

Confiram-se, ainda: RHC 61.497/TO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 18/11/2015 e RHC 59.475/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2015, DJe 18/06/2015.

Como visto, a hipótese em tela não está descrita como hipótese de impedimento do Magistrado prevista, taxativamente, no artigo 252 do Código de Processo Penal, não havendo nenhuma ilegalidade a ser declarada de ofício no caso dos autos.

De igual forma, a conversão do feito em diligência seguiu a orientação procedimental prevista nos arts. 156, II e 502 da Lei Adjetiva Penal.

Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.

É como voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de pós-graduação com experiência de 11 anos na docência, Doutorando em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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EVINIS TALON


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