Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 364334/SC, julgado em julgado em 27/09/2019 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO. 1. “OPERAÇÃO PATROLA”. FRAUDE EM LICITAÇÕES. VERBAS PÚBLICAS FEDERAIS. COMPLEMENTAÇÃO DA VERBA PELO MUNICÍPIO. CONVÊNIOS FIRMADOS ENTRE UNIÃO E MUNICÍPIO. CONTROLE DE ÓRGÃO FEDERAL. 2. IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAR ILÍCITA APENAS A UTILIZAÇÃO DA VERBA MUNICIPAL. CISÃO DA RUBRICA INVIÁVEL FÁTICA E JURIDICAMENTE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTELIGÊNCIA DO VERBETE N. 208/STJ. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. Precedentes. 2. Cada processo licitatório fraudulento foi viabilizado por meio de convênio firmado entre a União e o Município de Tangará/SC, para a liberação de verbas federais a serem complementadas por verbas municipais, estando identificadas, no entanto, sob a mesma rubrica, com a finalidade de aquisição de maquinário pesado. 3. Não é possível considerar que o procedimento licitatório foi em parte escorreito, no que concerne à verba federal utilizada, e em parte fraudulento, no que se refere à verba municipal, considerando-se que o valor do superfaturamento é proveniente exclusivamente do Município. Essa cisão não é viável no mundo fático muito menos no mundo jurídico, razão pela qual, havendo parcela de verba federal proveniente de convênio submetido a controle de órgão federal, todo o procedimento licitatório fraudulento passa a ser de interesse da Justiça Federal, conforme dispõe o verbete n. 208 da Súmula desta Corte. Incidência também da Súmula 122/STJ. Precedentes. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar os fatos narrados na inicial, cabendo ao Juízo competente o exame acerca do aproveitamento dos atos já praticados. (HC 364.334/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/09/2016, DJe 04/10/2016)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e as Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. Assim, em princípio, incabível o presente habeas corpus substitutivo do recurso próprio.
Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício, analisando-se, dessa forma, o mérito da impetração, conforme determinado pelo Supremo Tribunal Federal.
No presente mandamus, visa o impetrante, em síntese, demonstrar a incompetência da Justiça Estadual, em virtude da existência de recursos federais nas licitações fraudadas. Dessarte, necessário se faz, em um primeiro momento, aferir a efetiva existência de verba federal e, em um segundo momento, se referida situação revela o interesse da Justiça Federal.
No que concerne ao primeiro ponto, verifico que a impetração aponta para a existência de recursos de origem federal nos processos licitatórios tidos por fraudados, afirmando ser evidente referida situação ao menos em dois processos: processo licitatório n. 32/2010 (e-STJ fl. 920) e n. 57/2013 (e-STJ fl. 1.187).
No primeiro, consta do parecer contábil a previsão de R$ 243.750,00, estando disponível apenas R$ 95.000,00, uma vez que, “por tratar-se de recursos federais”, seria suplementado apenas após a liberação da dotação (e-STJ fl. 922). Consta, ainda, que o pagamento será efetuado mediante a liberação de recursos oriundos do contrato de repasse n. 0297730-99/2009/MAPA/CAIXA (e-STJ fl. 934).
No segundo, verifica-se que o pedido de abertura de processo licitatório para aquisição de 1 (um) trator de esteiras já apresenta como fonte de recurso convênio federal – SICONV Federal (e-STJ fl. 1.184). Observa-se, ainda, o próprio contrato de repasse, no qual consta a necessidade de prestar contas, o foro da Seção Judiciária de Santa Catarina (e-STJ fl. 1.185) e como recursos da União o valor de R$ 487.500,00 (e-STJ fl. 1.294). E tem-se, ademais, a proposta n. 040993/2012 do sistema de gestão de convênios do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, no qual consta igualmente o valor do repasse (e-STJ fl. 1.308).
O próprio Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em petição juntadas às e-STJ fls. 2.321/2.333, afirma que os recursos são federais (e-STJ fl. 2.324):
Pertinente ao aduzido Procedimento Licitatório n° 23/2010 – Pregão Presencial n° 24/2010, inicialmente destaca-se que o número correto é 32/2010 (Fato 2 da denúncia). Os recursos provenientes para aquisição da escavadeira hidráulica são federais, na importância de RS 243.750,00, e municipais, essa última na forma de contrapartida, no valor de RS 266.250,00 – fl. 684 da ação penal (em anexo). No que se refere ao Procedimento n. 57/2013 – Pregão Presencial n° 48/2013 (Fato 14 da denúncia), ao contrário do que afirma a impetrante, os recursos provenientes para aquisição do trator de esteiras são também federais, na quantia de RS 487.500,00, e municipais, no valor de RS 112.500,00, igualmente na forma de contrapartida – fl. 947 da ação penal.
No mesmo petitório, consta ainda que (2.321/2.333):
Importante salientar que não é atribuída aos réus, na ação penal originária, qualquer irregularidade na aplicação dos recursos federais, os quais, quando alicerçavam os procedimentos licitatórios, eram aplicados de forma totalmente correta e adequada. Como narrado na inicial, a organização criminosa fundou-se em mecanismos de fraudes em licitação e corrupção ativa e passiva a fim de possibilitar o desvio das verbas municipais empregadas nas compras dos bens, em sua maioria das vezes, de forma isolada ou, em determinadas situações, como forma de contrapartida – como na presente hipótese. O caso dos autos deixa extremamente claro esse modus operandi da organização. Pertinente ao aduzido Procedimento Licitatório n° 23/2010 – Pregão Presencial n° 24/2010, inicialmente destaca-se que o número correto é 32/2010 (Fato 2 da denúncia). Os recursos provenientes para aquisição da escavadeira hidráulica são federais, na importância de RS 243.750,00, e municipais, essa última na forma de contrapartida, no valor de RS 266.250,00 – fl. 684 da ação penal (em anexo). No que se refere ao Procedimento n. 57/2013 – Pregão Presencial n° 48/2013 (Fato 14 da denúncia), ao contrário do que afirma a impetrante, os recursos provenientes para aquisição do trator de esteiras são também federais, na quantia de RS 487.500,00, e municipais, no valor de RS 112.500,00, igualmente na forma de contrapartida – fl. 947 da ação penal. Os valores da contrapartida municipal eram justamente o que possibilitavam o superfaturamento e o pagamento das vantagens ilícitas pelo grupo criminoso em favor do agente público, o paciente ROBENS RECH. De fato, era de seu conhecimento que as verbas federais aplicadas na compra das máquinas seriam fiscalizadas e auditadas pelos órgãos de controle competente, de modo que certamente em caso da sua malversação seriam as atividades ilícitas descobertas. In casu, percebe-se tal forma de atuação com nitidez. Como já demonstrado, parte dos recursos financeiros usados na compra das máquinas referentes aos Processos Licitatórios n°s 32/2010 e 57/2013 foram provenientes da União, decorrentes dos Contratos de Repasse de n°s 0297730-99/2009/MAPA/CAIXA e 1002828-47-2012/M AP A/CAIXA (em anexo). Contudo, esses recursos federais foram usados adequadamente para o fim que se destinavam: aquisição de máquinas para o Município (escavadeira hidráulica e trator de esteiras). Os documentos retirados do Portal de Convênios SICONV1 demonstram efetivamente que as contas prestadas pelo Município de Tangará das verbas federais foram devidamente aprovadas pelo órgão de controle: (…). Ao contrário do que alega a impetrante, a denúncia não trata de qualquer irregularidade na aplicação das verbas federais, as quais admite-se que foram devidamente empregadas ao fim que se destinavam. Foi a contrapartida municipal – ou seja, a verba proveniente exclusivamente do Município de Tangará – utilizada para o superfaturamento e o pagamento da propina, de modo que os valores que retornaram ao bolso do agente corrupto foram os pertencentes ao Município de Tangará. Não houve e não relata a peça inicial qualquer prejuízo à União, mas sim exclusivamente ao ente público municipal. No caso dos procedimentos em pauta, os recursos iniciais foram provenientes do PRODESA (Projeto de Apoio ao Desenvolvimento do Setor Agropecuário), que contém as seguintes regras: (…). O Município dc Tangará, com pouco mais de 8.000 habitantes, enquadra-se na primeira hipótese de contrapartida, ou seja, poderia oferecer os percentuais circunscritos entre 2% a 4% ou mais “para viabilizar a execução das ações a serem desenvolvidas” (§ 3″). Percebe-se, contudo, que “para viabilizar a execução das ações (criminosas) a serem desenvolvidas”, o agente público municipal optou voluntariamente por dar contrapartidas financeiras em percentuais muito maiores, justamente para possibilitar o superfaturamento e o pagamento da propina. Para a compra da escavadeira hidráulica (Fato 2 da denúncia), que tinha valor de mercado dc aproximadamente RS 425.000,00 (quatrocentos c vinte e cinco mil reais) (cf. fl. 1738 da ação penal, p. 16 da denúncia), seria necessária a complemcntaçâo pelo Município de Tangará de não mais de RS 182.000,00 (cento e sessenta mil reais) (74,66%), já que a transferência voluntária do programa foi de RS 243.750,00 (duzentos e quarenta e três mil, setecentos e cinqüenta reais). Não obstante, dilapidando os cofres municipais em mais de oitenta mil reais, o paciente optou por espontaneamente dar em contrapartida a quantia de RS 266.250,00 (duzentos e sessenta e seis mil duzentos e cinqüenta reais) (109,23%). E mais: parte desse recurso financeiro municipal entregue a mais “voltou” justamente para benefício próprio do então Prefeito Municipal, que recebeu RS 25.000,00 (vinte e vinco mil reais) de propina para executar essa prática criminosa. O mesmo proceder deu-se para a compra do trator de esteira (Fato 14 da denúncia): com valor de mercado não ultrapassando RS 500.000,00 (quinhentos mil reais) (cf. fl. 1026, proposta New Holland, e fl. 1772, ambos da ação penal, p. 50 da denúncia) e a transferência pelo programa de RS 487.500,00 (quatrocentos e oitenta e sete mil reais), bastaria ao Município de Tangará aplicar o percentual próximo do mínimo legal de 2% de contrapartida (RS 9.750,00). Contudo, mais uma vez dissipando os cofres públicos municipais em aproximadamente cem mil reais, o administrador empregou a contrapartida de RS 112.500,00 (cento e doze mil e quinhentos reais) (23,07%). E mais, dessa quantia graciosamente paga a mais, RS 30.000,00 (trinta mil reais) foram em benefício do paciente, pagos pela empresa na forma de propina. Percebe-se, portanto, que o Chefe do Poder Executivo Municipal, aquele que primordialmente deveria zelar pelo bem público, deliberadamente optou por fazer contrapartidas em percentuais muito maiores, justamente para assegurar “sobra” de valores e privilegiar interesses privados, conforme previamente ajustado: aos sócios e ao vendedor da empresa, com o direcionamento e superfaturamento; ao paciente, com o recebimento da vantagem ilícita pela consecução da trama criminosa. Do exposto, fica claro que a fraude à licitação e, posteriormente, as corrupções ativas e passivas tiveram por base a contrapartida municipal e não os recursos federais, os quais foram devidamente aplicados ao fim que se destinavam. Evidente, portanto, o prejuízo ocasionado exclusivamente aos cofres do Município de Tangará. Com efeito, não há qualquer interesse da União no caso em comento apto a ensejar o deslocamento da competência tendo em vista que os valores transferidos foram aplicados adequadamente e os crimes relacionam-se com a malversação da contrapartida feita pelo Município de Tangará de modo que não há qualquer fundamento jurídico para o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Nesse sentido: (…). Conforme já demonstrado, não houve imputaçâo na denúncia de qualquer malversação dos recursos federais que possibilitaram a licitação, contudo, ad argumentandum, a competência do Juízo Estadual da Comarca dc Tangará mostra-se evidente também cm razão da natureza dos crimes narrados na inicial. Não há qualquer referência na denúncia a desvio dc verbas federais, o que implicaria a tipificação nos crimes do art. Io , I c III, do Decreto Lei n° 201/67 ou o crime de peculato previsto 110 Código Penal, fatos completamente estranhos à especie. As condutas descritas na inicial referem-se a fraudes cm licitações e corrupções ativa e passiva decorrentes dessas fraudes, situação completamente diversa da apropriação de verbas. Crimes que tutelam bens jurídicos diversos. A diferença entre as situações já foi, inclusive, debatida no Pretório Excelso, o qual posicionou-se claramente no sentido de que, nesses casos, mesmo havendo o controle de verbas por um órgão federal, não é fato suficiente para atrair a competência da Justiça Federal. Assim, o Supremo Tribunal Federal decidiu em sede de habeas corpus, em caso diretamente relacionado a fraudes licitatórias, que o controle das verbas pelo Tribunal de Contas da União não é fato suficiente para atrair a competência da Justiça Federal para julgamento do processo. Observa-se: (…)
Dessarte, não há dúvidas sobre a utilização de verbas federais na aquisição de máquinas adquiridas por meio de processos licitatórios fraudulentos, as quais, inclusive, estavam submetidas à prestação de contas perante órgão de controle federal. Destaco que, em regra, estes são os dois requisitos que atraem a competência da Justiça Federal: a existência de verba federal e sua submissão a controle perante órgão federal, a denotar a ausência de incorporação.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou dois verbetes sumulares esclarecedores:
Enunciado n. 208/STJ: compete a justiça federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.
Enunciado n. 209/STJ: compete a justiça estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.
Nada obstante, embora o próprio Ministério Público do Estado de Santa Catarina, o Magistrado de origem e o Tribunal local tenham considerado a efetiva utilização de verbas federais na aquisição das máquinas licitadas de forma fraudulenta, considerou-se não haver interesse da União no caso dos autos.
O Magistrado de origem, ao refutar as preliminares apontadas pelo paciente na resposta à acusação, considerou que “quanto ao fato da existência de recursos federais nos processos tidos como fraudados, não há demonstração de qualquer interesse da União no caso em comento apto a ensejar o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Da mesma forma, não há que se falar nos autos em aplicação da Súmula n. 208 do Superior Tribunal de Justiça, porquanto, esta refere-se aos casos de desvio de verbas federais” (e-STJ fl. 2.232).
Considerou-se, ademais, “ser irrelevante a incorporação ou não dos valores da verba federal do convênio ao patrimônio público municipal para fins de definição da competência, pois não houve prejuízo à União, uma vez que os valores por ela repassados ao Município de Tangará – SC foram devidamente aplicados para os fins que se destinavam” (e-STJ fl. 2.233).
O Tribunal de origem, por seu turno, entendeu que (e-STJ fl. 2.310):
Inicialmente, impõe-se analisar a questão atinente à incompetência da justiça estadual para a apuração dos fatos e, por conseguinte, para a decretação da prisão cautelar. Segundo o impetrante, uma vez que nos processos licitatórios tidos por fraudulentos foram utilizados recursos federais para aquisição dos bens, a competência é da Justiça Federal, o que eiva de nulidade a decisão que decretou a segregação provisória do paciente. Baseia sua pretensão na Súmula 208 do Superior Tribunal de Justiça, a qual possui o seguinte enunciado: “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal”. Todavia, a situação retratada nos autos – pelo menos do que se depreende dos elementos pré-constituídos com a impetração – não se amolda àquela contemplada na Súmula 208, porquanto o procedimento criminal que resultou na prisão preventiva do paciente não apura propriamente o desvio de verbas, mas sim, investiga a formação de organização criminosa formada com intuito de fraudar procedimentos licitatórios e receber vantagens ilícitas. Assim, a origem dos recursos subjaz à conduta criminosa, não sendo determinante para firmar a competência para processamento e julgamento do feito. E, ainda que assim não fosse, não é o habeas corpus a via processual adequada para discutir a questão da competência, quando esta demandar exame acurado de elementos de prova, tal como no caso dos autos, em que o interesse da União não pode ser aferido sem análise pormenorizada da prova documental carreada à ação principal.
Já o Ministério Público do Estado assevera que “não há qualquer interesse da União no caso em comento apto a ensejar o deslocamento da competência tendo em vista que os valores transferidos foram aplicados adequadamente e os crimes relacionam-se com a malversação da contrapartida feita pelo Município de Tangará de modo que não há qualquer fundamento jurídico para o deslocamento da competência para a Justiça Federal” (e-STJ fls. 2.328/2.329).
Contudo, analisando detidamente os autos e, principalmente, todas as alegações apresentadas, não me parece possível afirmar que parte do dinheiro foi utilizada corretamente e outra parte não. De fato, cada processo licitatório foi viabilizado por meio de convênio firmado entre a União e o Município de Tangará/SC, para a liberação de verbas federais a serem complementadas por verbas municipais, estando identificadas, no entanto, sob a mesma rubrica, com a finalidade de aquisição de maquinário pesado.
Assim, não seria possível considerar que o procedimento licitatório foi em parte escorreito, no que concerne à verba federal utilizada, e em parte fraudulento, no que se refere à verba municipal, considerando-se que o valor do superfaturamento é proveniente exclusivamente do Município. Essa cisão não é possível no mundo fático muito menos no mundo jurídico, razão pela qual tem-se que havendo parcela de verba federal proveniente de convênio submetido a controle de órgão federal, todo o procedimento licitatório fraudulento passa a ser de interesse da Justiça Federal.
Quanto à literalidade dos verbetes sumulares ns. 208 e 209 desta Corte, os quais falam em desvio de verbas públicas, importante destacar que se trata de comando meramente exemplificativo, o qual deve ser estendido a todos os delitos envolvendo dinheiro público proveniente de recursos da União. Como é cediço, o inciso IV do art. 109 da Constituição Federal atribui à Justiça Federal a competência para processar e julgar “as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União”. Os verbetes apenas elucidam que a verba incorporada deixa de ser do interesse da União.
Ademais, não é o tipo penal imputado que revela o interesse da União. Com efeito, o fato de a denúncia não imputar ao paciente os crimes tipificados no Decreto-Lei n. 201/1967, não revela, por si só, a ausência de competência da Justiça Federal, uma vez que esta se estabelece não em razão do tipo penal imputado, mas sim em virtude da utilização indevida utilização de recursos da União, o que pode ocorrer em inúmeros tipos penais.
Outrossim, como é de conhecimento, o réu se defende dos fatos e na da imputação jurídica, a qual nem ao menos vincula o Magistrado, que por ocasião da sentença pode proceder à correção do tipo penal por meio do instituto da emendatio libelli. Dessarte, inviável afirmar que a capitulação apresentada na denúncia, por si só, vincula o estabelecimento da competência, devendo, na hipótese, aferir-se os requisitos constitucionais para se firmar a existência de interesse da união apto a firmar a competência da Justiça Federal.
Assim, cuidando-se de crime de fraude à licitação, na qual estava envolvida parcela de verba federal obtida por meio de convênio, não incorporada, haja vista a submissão a controle de órgão federal, fica clara a existência de interesse da União. Portanto, diversamente do que afirmado pelo Tribunal local tem-se que a origem dos recursos é sim determinante para firmar a competência para processamento e julgamento do feito.
Por oportuno, confira-se julgado noticiado no informativo n. 397 do Superior Tribunal de Justiça:
CRIMES CONEXOS. COMPETÊNCIA FEDERAL. Trata-se de paciente que, juntamente com outros 17, está sendo acusada de fraudar licitações públicas realizadas com recursos federais oriundos de convênios firmados entre municípios, órgãos e autarquias federais (MEC e FNDE). Irresignada com o recebimento da denúncia e com a prisão cautelar, sustenta a nulidade da ação penal, inclusive por incompetência do juízo processante, uma vez que os recursos são federais e ainda alvo de inquérito na Polícia Federal, por incidirem as Súmulas ns. 208 e 122 deste Superior Tribunal. Isso posto, inicialmente, o Min. Relator reconheceu que o mandamus impetrado no Tribunal de origem perdeu seu objeto no que concerne à análise dos fundamentos da prisão preventiva, tendo em vista sua revogação pelo juízo de primeiro grau. Dessa forma, a ordem foi conhecida somente em parte, em razão da incompetência absoluta do juízo processante, pois, no caso, os recursos tem realmente origem federal (Súm. n. 208-STJ) e o fato de a exordial acusatória imputar também crimes de competência estadual em razão da conexão não afasta a competência do Juízo Federal (Súm. n. 122-STJ). Com esse entendimento, a Turma conheceu parcialmente da ordem de habeas corpus e, nessa parte, concedeu-a para declarar a nulidade de todos os atos decisórios proferidos na ação penal, devendo as peças ser remetidas ao juízo federal competente. HC 97.457-PE, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 2/6/2009.
No mesmo sentido, colaciono julgados da Terceira Seção desta Corte:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. FURTO DE OBJETOS PROVENIENTES DO PROGRAMA FEDERAL DE DESENVOLVIMENTO ENERGÉTICO DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS (PRODEEM). BENS TITULARIZADOS PELA UNIÃO E NÃO INCORPORADOS AO PATRIMÔNIO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA N.º 209/STJ. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DE PICOS/PI (SUSCITANTE). 1. Caso em que, em tese, foram furtadas 04 placas de energia solar, 02 baterias, 01 inversor e 01 estabilizador, todos instalados em unidade escolar de Baixio dos Procópios, Município de Caridade do Piauí/PI. 2. Segundo informações prestadas pelo Ministério de Minas e Energia, o Convênio firmado entre União e Estado terá vigência até 31/12/2014 e “à época das instalações dos sistemas fotovoltaicos não houve a transferência da titularidade, de forma a permanecerem como bens da União”. Assim, no caso é impossível a aplicação analógica da Súmula n.º 209 desta Corte Superior, muito clara em condicionar que os recursos desviados tenham sido incorporados ao patrimônio municipal, tratando-se, ao revés, de infração penal praticada em detrimento de bens da União (art. 109, inciso IV, da Constituição da República). 3. Conflito de competência conhecido para, na linha da argumentação do parecer ministerial, declarar competente o Juízo Federal de Picos/PI (suscitante). (CC 127.149/PI, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/11/2013, DJe 20/11/2013).
AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TRIBUNAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO E TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA. DESVIO DE RECURSOS. REPASSE DE VERBAS FEDERAIS MEDIANTE CONVÊNIO COM ENTE ESTADUAL. CRIMES DE ESTELIONATO, DE PECULATO, CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E DE LAVAGEM DE DINHEIRO. INVESTIGADO QUE NÃO MAIS OCUPA CARGO DE PREFEITO. PLEITO PELO PREJUÍZO DO CONFLITO. JUSTIÇA FEDERAL VERSUS JUSTIÇA ESTADUAL. JUÍZO NATURAL. NECESSIDADE DE SE DIRIMIR QUAISQUER DÚVIDAS. JURISPRUDÊNCIA SEDIMENTADA SOBRE A QUESTÃO. ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS. DECLARAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA 2ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE RORAIMA. 1- Os indícios do desvio de dinheiro público, oriundo do repasse de verbas federais mediante convênio com o Estado de Roraima, apontam para a prática de crimes de estelionato, de peculato, contra a ordem tributária e de lavagem dinheiro, cujo investigado, então prefeito do Município de Iracema/RR, não mais figura como autoridade detentora de foro especial por prerrogativa de função, o que ensejaria a prejudicialidade deste conflito de competência. 2- Contudo, com o fim de dirimir quaisquer dúvidas acerca da controvérsia e em atendimento aos princípios da economia e da celeridade processual – o incidente tramita desde 2007 e há a possibilidade de arguição de novo conflito pelas mesmas razões -, impõe-se afastar a prejudicialidade alegada. 3- Acerca do assunto, a orientação desta Corte é no sentido de que compete à Justiça Federal a apuração de malversação de verbas federais repassadas mediante convênio a ente estadual, tendo em vista a configuração de interesse da União, nos termos do art. 109, inciso IV, da CF. 4 – Na espécie, os elementos colhidos na operação da Polícia Federal, denominada “Praga do Egito”, informam que, além do suposto locupletamento dos indiciados em detrimento de recursos do Estado, verbas federais oriundas de convênio entre o ente estatal e a União eram depositadas na conta única do Estado de Roraima, com o fim de pagamento de funcionários fantasmas “contratados” pelo governo, o que demonstra o efetivo prejuízo da União a atrair a competência da Justiça federal – já teria sido apurado o desvio da quantia mínima de R$ 644.016,07 provenientes dos cofres federais. 5- Tal deslinde é reforçado pelo envio à Justiça Federal de 1ª instância da ação penal originária (AP n. 320, rel. Min. Paulo Gallotti), na qual figura como denunciado o então Governador do Estado de Roraima, Francisco Flamarion Portela, juntamente com Bernardino Alves Cirqueira e Elândia Gomes Araújo, ora indiciados, tendo em vista o fim do mandato eletivo daquele. 6- Não é inédita a declaração da competência de um juízo que não figura como um dos nomeados no conflito, cumprindo a esta Corte o mister de indicar a autoridade competente, em atendimento ao Princípio do Juiz Natural (CF, art. 5º, LIII). (Precedentes da Seção). 7- Agravo regimental desprovido. Conflito conhecido para fixar a competência da Justiça Federal, no caso, a 2ª Vara da Seção Judiciária de Roraima, juízo onde inicialmente tramitou o feito. (AgRg no CC 92.791/RR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 19/11/2013).
Por oportuno, colaciono, ainda, julgados da Quinta e Sexta Turmas:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E QUADRILHA. OPERAÇÃO FRATELLI. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO FEITO. CONVÊNIO CELEBRADO ENTRE MINISTÉRIO DO TURISMO E MUNICÍPIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS PERANTE A UNIÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. OCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Em convênio para repasse de verbas celebrado entre o Município de Auriflama e a União, intermediado pelo Ministério do Turismo, que foi representado pela Caixa Econômica Federal, é de ver que nas cláusulas contratuais estabeleceu-se a imprescindibilidade da prestação de contas do município para a União, bem como da análise da Administração Pública Federal do material enviado pelo outro ente da federação. 2. A prestação de contas perante o Tribunal de Contas de São Paulo não afasta a necessidade, outrossim, de se explicitar as despesas perante o Ministério do Turismo, ou outros órgãos de controle da União, nos termos das cláusulas pactuadas, o que enseja a competência da Justiça federal para o processamento e julgamento de feito criminal, no qual se aponta a conduta, em tese, de acarretar prejuízo ao erário. Súmula n.º 208 desta Corte e precedentes dos Tribunais Superiores. 3. Recurso a que se nega provimento. (RHC 40.611/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 29/10/2013).
HABEAS CORPUS. PREFEITA MUNICIPAL. DENÚNCIA. ART. 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI N.º 201/67 E ART. 89 DA LEI N.º 8.666/93. APURAÇÃO DE MALVERSAÇÃO DE VERBAS PÚBLICAS. CONVÊNIO. MINISTÉRIO DA SAÚDE. FISCALIZAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 208 DO STJ. COMPETÊNCIA DO TRF DA 1.ª REGIÃO. ORDEM DENEGADA. 1. A denúncia imputa à prefeita a malversação de verbas públicas federais, repassadas à Prefeitura por intermédio de convênio, assinado entre o Fundo Nacional de Saúde e a Municipalidade, sujeito à prestação de contas ao Tribunal de Contas da União e sob fiscalização do Ministério da Saúde, que é responsável por apurar a correta utilização do dinheiro repassado, bem como o desenvolvimento da ação social. 2. Evidente interesse da União em apurar os possíveis crimes praticados pela prefeita municipal, nos termos do verbete sumular n.º 208 do STJ, in verbis: “Compete à Justiça Federal processar e julgar Prefeito Municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.” Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 3. Ordem denegada. (HC 107.753/MA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/03/2010, DJe 12/04/2010).
CRIMINAL. RESP. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO MUNICIPAL. NOTIFICAÇÃO. DEFESA PRÉVIA. NÃO APRESENTAÇÃO. OMISSÃO CAUSADA PELA DEFESA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE. INOCORRÊNCIA. NÃO ABRANGÊNCIA DO DELITO EM QUESTÃO. MALVERSAÇÃO DE VERBAS PÚBLICAS ORIUNDAS DE CONVÊNIOS FIRMADOS COM ENTES FEDERAIS. SUJEIÇÃO DAS CONTAS AO TCU. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. I. Não se declara nulidade no presente caso em que o denunciado foi devidamente notificado para apresentação de resposta escrita, nos termos da Lei 8.038/90, tendo permanecido inerte. II. Incabível a aplicação do disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 no presente caso, cuja redação é clara ao referir as hipóteses de extinção da punibilidade, abrangendo tão-somente os delitos ali especificados. III. Cuidando-se de processo em que existe o envolvimento de prefeito municipal em possível crime de malversação de verbas federais, oriundas de convênios firmados com entes federais – sujeitas à fiscalização de órgãos federais e à prestação de contas ao Tribunal de Contas da União -, sobressai a competência da Justiça federal para o processo e julgamento do feito. Inteligência da Súm. n.º 208 desta Corte. IV. Recurso parcialmente conhecido e provido em parte. (REsp 613.462/PI, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2006, DJ 06/03/2006, p. 428)
HABEAS CORPUS. EX-PREFEITO MUNICIPAL DENUNCIADO POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67 E DO ARTIGO 90 DA LEI Nº 8.666/93. MALVERSAÇÃO DE VERBA PÚBLICA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1 – É da competência da Justiça Federal o julgamento de ex-Prefeito Municipal acusado de malversação de verba pública federal sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União. 2 – Habeas corpus concedido. (HC 28.292/PR, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 20/09/2005, DJ 17/10/2005, p. 353)
Registre-se, outrossim, que o fato de as contas prestadas pelo Município de Tangará/SC, sobre as verbas federais, terem sido aprovadas pelo órgão de controle não elide, como é cediço, a prática dos delitos imputados ao paciente, uma vez que as instâncias são independentes. Assim, da mesma forma que a conclusão do Tribunal de Contas não interfere na ação penal, não é possível afirmar que referida aprovação denota que as licitações fraudulentas só o são na parte que se utilizou a verba municipal.
A propósito:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DESTE TRIBUNAL, EM CONSONÂNCIA COM A SUPREMA CORTE. DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA DE PLANO. ANÁLISE SOBRE A MATERIALIDADE DO DELITO QUE NÃO PODE SER FEITA NA VIA ELEITA. DEFESA PRELIMINAR PREVISTA NO ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE QUE, EVENTUALMENTE, PUDESSE ENSEJAR A CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. (…). 4. O fato de o Tribunal de Contas aprovar as contas a ele submetidas, embora possa ser considerado em favor do Paciente, não obsta, diante do princípio da independência entre as instâncias administrativa e penal, a persecução penal promovida pelo Ministério Público, quando não se evidencia, estreme de dúvidas, a inocência do acusado. 5. A tese defensiva de falta de justa causa para a ação penal pela inexistência de malversação das verbas demanda minucioso exame do conjunto fático e probatório, que deve ser feito pelo Juízo ordinário, durante a instrução criminal contraditória. Afinal, quando a versão de inocência apresentada é contraposta por elementos indiciários apresentados pela acusação, incabível o deslinde da controvérsia na via estreita do habeas corpus. 6. (…). (HC 218.663/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 23/11/2012).
Por fim, destaco que os precedentes trazidos pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em sua petição de e-STJ fls. 2.321/2.333, não se aplicam ao caso dos presentes autos.
De fato, no que concerne ao CC 109.103/CE, observo que a celeuma diz respeito à competência para julgar ação de improbidade e não ação penal. No que se refere aos precedentes do Supremo Tribunal Federal, verifico que se considerou não ter ficado demonstrado o envolvimento de bem, serviço ou interesse direto da União, situação diversa da trazida nos presentes autos. De fato, encontrando-se o repasse de verba federal vinculado ao objeto do convênio, cuja aplicação está sujeita à fiscalização do ente federal, a respectiva ação penal compete à Justiça Federal, na esteira do disposto na súmula 208/STJ, in verbis: “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”.
No mais, incide o verbete sumular 122/STJ, in verbis:”compete à Justiça Federal o processo e o julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, ‘a’, do Código de Processo Penal”.
Ante o exposto, não conheço do mandamus. Porém, concedo a ordem de ofício, para reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar os fatos narrados na inicial, cabendo ao Juízo competente o exame acerca do aproveitamento dos atos já praticados.
É como voto.
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