STJ: cabe ANPP em caso de reconhecimento de tráfico privilegiado
No HC 822.947-GO, julgado em 27/6/2023, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “reconhecida a aplicação da minorante do tráfico privilegiado, com patamares abstratos de pena dentro do limite de 4 anos para a pena mínima, o acusado tem direito à possibilidade do acordo de não persecução penal, mesmo se o Parquet tiver descrito os fatos na denúncia de maneira imperfeita, pois o excesso de acusação (overcharging) não deve prejudicar o acusado”.
Informações do inteiro teor:
O acordo de não persecução penal é um ajuste pré-processual celebrado entre o órgão acusador e o autor do delito se atendidos os requisitos previstos, expressamente, no Código de Processo Penal: 1) confissão formal e circunstanciada; 2) infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos; e 3) necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime.
Trata-se de instituto resultante de acordo de vontades entre o Ministério Público e o acusado com vistas a dar solução negociada a processos cuja origem sejam crimes de menor gravidade. Porém, não se trata de direito subjetivo do acusado, devendo existir, além da confluência dos requisitos exigidos pela lei, o interesse do órgão acusador em propor o acordo.
No julgamento do AgRg no REsp 2.016.905/SP, a Quinta Turma do STJ estabeleceu que, nos casos em que ocorre a alteração do enquadramento jurídico ou da desclassificação do delito, seja por meio de emendatio libelli ou de mutatio libelli, é possível aplicar o ANPP, desde que preenchidos os requisitos legais exigidos para esse instituto negocial.
Esse precedente reconheceu a aplicação adaptada da Súmula 337/STJ, que prevê ser cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e procedência parcial da pretensão punitiva. Portanto, se houver a desclassificação da imputação para outra infração que admite benefícios despenalizadores do art. 89, caput, da Lei n. 9.099/1995, os autos do processo devem retornar à instância de origem para aplicação desses institutos.
A situação em análise segue o mesmo raciocínio, uma vez que foi constatado um equívoco na descrição dos fatos narrados para a imputação do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de drogas) ao acusado. Isto posto, é necessário que o processo retorne à sua origem para avaliar a possibilidade de propositura do ANPP, independentemente das consequências jurídicas da aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 (tráfico privilegiado) na dosimetria da pena, ou seja, para reduzir a pena.
Sob outra perspectiva, a jurisprudência consolidada da Quinta Turma desta Corte, em relação ao § 1º do art. 28-A do CPP, firmada no julgamento dos EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 1.635.787/SP, estabeleceu que, ao avaliar a pena mínima do crime, devem ser consideradas as causas de aumento e diminuição previstas, as quais devem estar descritas na denúncia, não sendo possível levar em conta a pena mínima calculada após a aplicação da causa de diminuição, que só é reconhecida no momento da prolação da sentença condenatória.
Entretanto, após reflexão profunda sobre o tema, penso que o acusado teria o direito de ter a proposta do ANPP independentemente de as descrições dos fatos na denúncia coincidirem com a imputação do crime de tráfico privilegiado. Caso fosse imposta essa exigência, estaríamos praticamente inviabilizando a aplicação desse instituto nos casos de tráfico de drogas.
Reconhecida a aplicação da minorante do tráfico privilegiado, os patamares abstratos de pena estabelecidos na lei situam-se dentro do limite de 4 anos para a pena mínima, previsto no art. 28-A do CPP. Além disso, com a aplicação da minorante neste STJ, o acusado tem direito ao ANPP, mesmo se o Parquet tiver descrito os fatos na denúncia de maneira imperfeita, pois o excesso de acusação (overcharging) não deve prejudicar o acusado.
É essencial garantir que o acusado possa usufruir do ANPP, independentemente das descrições exatas dos fatos na denúncia. Afinal, a finalidade desse instituto é oferecer uma alternativa para a resolução de casos penais, proporcionando uma solução negociada.
Por fim, enfatiza-se que não se está reconhecendo um direito subjetivo do réu à proposta do acordo de não persecução penal, mas, sim, realizando uma interpretação adequada do art. 28-A do CPP. Essa é uma condição jurídica inerente ao próprio ANPP quando presentes os requisitos para sua proposição, que deve ser devidamente considerada.
Informações adicionais:
LEGISLAÇÃO
Lei n. 11.343/2006, art. 33, § 4º
Código de Processo Penal (CPP), art. 28-A
Lei n. 9.099/1995, art. 89
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição extraordinária nº 13 – veja aqui.
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