stj4

Evinis Talon

STJ: a sentença condenatória deve deduzir, de forma fundamentada e concreta, a necessidade da perda do cargo público

20/11/2019

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no whatsapp

CURSO DE AUDIÊNCIAS CRIMINAIS

Prepare-se para a prática das audiências, com dezenas de vídeos (29 horas de conteúdo) sobre inquirição de testemunhas, interrogatório, alegações finais e muito mais.

CLIQUE AQUI

Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1370568/DF, julgado em 23/05/2017 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. JULGADO PROFERIDO EM HABEAS CORPUS. INAPTIDÃO PARA COMPROVAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. PERDA DO CARGO PÚBLICO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AUSÊNCIA. SÚMULA N. 418 DO STJ. CANCELAMENTO. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. ILICITUDE DAS PROVAS. REEXAME DE PROVAS. NECESSIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVANTE DO ART. 61, II, “G”, DO CP. CONFIGURAÇÃO. CONTINUAÇÃO DELITIVA. FRAÇÃO. FREQUÊNCIA DOS ATOS COMPROVADA. MANUTENÇÃO. AGRAVO DA DEFESA CONHECIDO E RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DO MPDFT PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.
1. Consoante pacífica jurisprudência desta Corte, “acórdão proferido em habeas corpus, mandado de segurança ou recurso ordinário como paradigma para demonstração de dissídio jurisprudencial” (AgRg no AREsp n. 718.110/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 28/10/2016), tal como se deu na hipótese com os paradigmas trazidos a confronto, não se prestam à comprovação da divergência.
2. Embora o art. 92, I, “b”, do Código Penal não exija, para a perda do cargo público, que o crime praticado afete bem jurídico que envolva a Administração Pública, a sentença condenatória deve deduzir, de forma fundamentada e concreta, a necessidade de sua destituição.
3. O enunciado contido na Súmula n. 418 do STJ – atendido pelo Tribunal a quo – foi cancelado em 1º/7/2016, pela Corte Especial do STJ, oportunidade em que editado o verbete sumular n. 579, segundo o qual “não é necessário ratificar o recurso especial interposto na pendência de julgamento dos embargos de declaração, quando inalterado o resultado anterior” (DJe 1º/8/2016).
4. Não compete ao Superior Tribunal de Justiça o exame de suposta violação de princípios e dispositivos constitucionais, mesmo com o cunho de prequestionamento, por ser matéria reservada à competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal.
5. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento da ação penal (rectius, do processo), por ser medida excepcional, somente é cabível quando ficarem demonstradas, de maneira inequívoca e a um primeiro olhar, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria ou a existência de causa extintiva da punibilidade, situações estas que não constato caracterizadas na espécie.
6. A acusação formalizada pelo Ministério Público preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, pois, além da existência da prova do crime e de indícios suficientes de sua autoria, discriminou os fatos, em tese, praticados pelo recorrente, com todas as circunstâncias até então conhecidas, de forma a permitir o contraditório e a ampla defesa, não havendo prejuízo na ausência de especificação minuciosa das datas e do número de vezes que os fatos se deram.
7. A prolação de sentença condenatória esvai a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia. Isso porque, se, após toda a análise do conjunto fático-probatório amealhado aos autos ao longo da instrução criminal, já houve um pronunciamento sobre o próprio mérito da persecução penal (denotando, ipso facto, a plena aptidão da inicial acusatória), não há mais sentido em se analisar eventual inépcia da denúncia.
8. A instância antecedente apontou a existência de provas suficientes da autoria, da materialidade e da continuidade delitivas, com base, principalmente, nos depoimentos das testemunhas de acusação e do parecer psicossocial, que estão em consonância o que relatou a vítima.
9. Para considerar o pedido de absolvição do recorrente, seria necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório produzido nos autos, providência que, conforme cediço, é incabível na via do recurso especial, consoante o enunciado na Súmula n. 7 do STJ, in verbis: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
10. O recorrente, na dicção do acórdão recorrido, praticou o crime valendo-se das facilidades que a profissão lhe proporcionou, motivo pelo qual incide a agravante do art. 61, II, “g”, do Código Penal.
11. Diante da nítida frequência com que os fatos foram praticados – durante 7 meses -, não houve violação do art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva) na elevação de 1/2 da reprimenda.
12. Agravo em recurso especial da defesa conhecido para negar provimento ao recurso especial. Recurso especial do Ministério Público parcialmente conhecido e, nesta extensão, não provido. Execução imediata da pena determinada. (REsp 1370568/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 30/05/2017)

Leia a íntegra do voto do Ministro Rogerio Schietti Cruz:

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

I. Contextualização

A denúncia assim narra os fatos praticados pelo réu:

Em dias e horários não determinados, entre os meses de maio e dezembro de 2010, no interior do Centro de Ensino Fundamental 25, nesta cidade, no período matutino, a adolescente JPG (nasc. 18/02/1997), portadora de sequela motora (hemiparesia à direita) e deficiência cognitiva (deficiência mental leve), foi reiteradas vezes abusada sexualmente pelo denunciado, que trabalhava na mencionada unidade de ensino.

Por diversas vezes, o denunciado abordava a ofendida e passava as mãos nos seios, na barriga, na vagina, assim como tentava beijá-la e introduzir os dedos na vagina dela.

No dia 08 de dezembro de 2010, quando [C. L.], genitora da ofendida, chegava à escola, o denunciado ofereceu a ela (a genitora) uma cédula de R$ 20,00, para que comprasse algo para ofendida, sendo que tal dinheiro foi recusado.

Passados alguns dias, soubesse que no dia 08 de dezembro o denunciado havia agarrado a ofendida com um abraço muito forte e passado a mão nas nádegas dela.

Nas oportunidades em que o denunciado abusava da ofendida, ele a advertia que se contasse sobre aquilo a terceiros algo iria acontecer com ela.

Por conta desses acontecimentos, a ofendida demonstrou mudança de comportamento em casa, teve redução do rendimento escolar e reclamava de dores nos seios e na barriga, tendo, inclusive, apresentado um hematoma na barriga (fl. 6, destaquei).

Em primeira instância, o réu foi condenado à pena de 12 anos e 8 meses de reclusão, em regime fechado, pela prática do delito descrito no art. 217-A, § 1º, c/c os arts. 61, II, “g”, e 71, todos do Código Penal (fls. 190-220).

No julgamento da apelação da defesa, a Corte de origem deu parcial provimento ao recurso, para reduzir a pena-base ao mínimo legal e afastar a condenação à perda do cargo público, por insuficiência de fundamentação (fls. 303-345).

Opostos embargos declaratórios pelo Ministério Público local, foram esses rejeitados (fls. 377-386).

II. Recurso especial do MPDFT (fls. 390-400)

II.1. Divergência jurisprudencial – paradigma em habeas corpus

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios aponta divergência jurisprudencial com julgados desta Corte Superior, quais sejam, o HC n. 180.981/GO, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP, 6ª T., DJe 7/2/2011) e HC n. 47.707/MS, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJ 24/9/2007.

Consonante pacífica jurisprudência desta Corte, “acórdão proferido em habeas corpus, mandado de segurança ou recurso ordinário como paradigma para demonstração de dissídio jurisprudencial” (AgRg no AREsp n. 718.110/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 28/10/2016), tal como se deu na hipótese com os paradigmas trazidos a confronto, não se prestam à comprovação da divergência.

Logo, o recurso especial não comporta conhecimento pela divergência.

II. 2. Violação dos arts. 92, I, “a”, do Código Penal e 381, III, do Código de Processo Penal – fundamentação na sentença para a perda do cargo público

Inicialmente, verifico que o réu, funcionário público (cargo de Assistente de Educação – Mecanografia, desde 1º/4/1992, no Centro de Ensino Fundamental 25 de Ceilândia – DF, conforme declaração de fl. 62), foi denunciado pela prática do crime descrito, pois teria, no período de maio a dezembro de 2010, abusado sexualmente da menor J. P. G. (portadora de sequelas motora e mental), conforme denúncia acima transcrita.

O Juízo singular, ao final da instrução processual, proferiu sentença condenatória, manifestando-se acerca da perda do cargo, nos termos a seguir transcritos:

Constitui, ademais, um dos efeitos da condenação a perda do cargo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 04 (quatro) anos, o que se verifica no caso dos autos. Assim, com fulcro no artigo 92, inciso I, alínea b, do Código Penal, decreto a perda do cargo público ocupado pelo condenado, devendo a Secretaria, após o trânsito em julgado, providenciar as comunicações pertinentes à Secretaria de Educação do Distrito Federal, do inteiro teor da sentença, para cumprimento de tal determinação (fl. 219, destaquei).

O Tribunal a quo, por sua vez, reformou a sentença e afastou, tão somente, a perda do cargo público com base nos seguintes fundamentos:

A perda de cargo público e efeito específico da condenação previsto no art. 92, I, “b”, do Código Penal, que deve ser declarado na sentença quando ao réu for aplicada pena superior a 4 (quatro) anos, independentemente do crime cometido. Todavia, não se pode olvidar que, consoante disposto no art. 92, parágrafo único, do Código Penal e do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, a aplicação deste efeito secundário da condenação não dispensa a devida fundamentação, ou seja, a indicação dos elementos fáticos que autorizam a aplicação do instituto no caso concreto. […]

Na espécie, vê-se que a sentença, de fato, não cuidou de explicitar, de forma suficiente e adequada, as razões que justificariam a aplicação do efeito em comento, limitando-se a aduzir, in verbis: […]

Assim, ante a ausência da fundamentação legal e constitucionalmente exigida para a decretação da perda do cargo público, impõe-se o afastamento de tal condenação (fls. 338-344, destaquei)

Por ocasião do julgamento dos embargos declaratórios, a Corte de origem asseverou que “não se verifica ter o julgador feito qualquer remissão às razões apresentadas, mas tão somente, embasando sua decisão no quantum de pena aplicada em concreto” (fl. 383, destaquei).

No que tange aos efeitos da condenação, descritos no art. 92 do Código Penal – que atingem o condenado no âmbito civil, administrativo ou político –, não são de aplicação automática, devendo ser motivadamente aplicados pelo juiz.

Ademais, para a sua aplicação, não basta a simples observação dos requisitos objetivos previstos no referido artigo, mas a demonstração, pelo juiz, da conveniência no caso concreto, porque a medida visa inviabilizar a manutenção de situação que propiciaria a prática de fatos delituosos.

Nesse sentido, é o magistério de Cezar Roberto Bitencourt:

Os efeitos específicos da condenação, em suas três versões, objetivam afastar o condenado da situação criminógena, impedindo que se oportunizem as condições que, provavelmente, poderiam levá-lo à reincidência: reforça a proteção dos bens jurídicos violados e previne a reiteração da conduta delituosa. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral 1. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 737)

Dispõe o 92, I, “a” e “b” e parágrafo único, do Código Penal:

Art. 92. São também efeitos da condenação:
I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos, nos demais casos.
[…].
Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Percebe-se, tão somente, a existência de dois requisitos para que seja declarada a perda do cargo público, na hipótese descrita na alínea “b” do citado dispositivo legal:

a) o quantum da sanção penal privativa de liberdade ser superior a 4 anos;

b) a decisão seja proferida de forma fundamentada, com a explicitação dos motivos que ensejaram a necessidade da medida.

Quis o legislador, com o advento da Lei n. 9.268/1996, dar a opção ao magistrado, a depender das circunstâncias fáticas que o caso concreto traria, de determinar a perda do cargo, também para delitos outros, não importando sua natureza, desde que respeitados os requisitos acima mencionados.

Na lição de Fernando Galvão:

A perda do cargo, função ou mandado eletivo, em decorrência da prática de crimes não relacionados ao exercício desses cargos, obedece a outra lógica. Seguindo a orientação da antiga parte geral do CP, ocorre, nesses casos, a agravação da pena estabelecida na condenação. A hipótese retrata verdadeira pena acessória, instituída para os casos de crimes mais graves. Não tendo o crime qualquer relação com a Administração Pública, a quantidade da pena aplicada indica a maior gravidade do fato praticado pelo condenado. Em geral, as penas maiores são aplicadas quando ocorre o emprego de violência ou grave ameaça, bem como a prática de crimes contra a pessoa. Tais circunstâncias evidenciam o interesse de afastar o condenado do regular exercício do cargo, função ou mandato. Independentemente da medida administrativa cabível, o juiz poderá decretar a perda do cargo, função ou mandado (Direito Penal: parte geral. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 874).

É certo que o efeito extrapenal de perda do cargo público tem a ver com a probidade administrativa. O serviço público é prestado por meio de pessoas que ocupam cargos, empregos e mandatos, pessoas que representam o próprio Estado.

A administração pública reflete a organização da sociedade e tem uma interação muito grande com a população, ainda mais a população mais carente, pois o Estado presta serviços como educação, saúde, segurança etc. Se o próprio Estado começar a ser autor de crimes, irá inviabilizar a tranquilidade da sociedade.

Em razão disso, esse efeito extrapenal é tão importante, pois permitirá ao Estado retirar de seus quadros aquela pessoa que não respeita as regras da sociedade. O Estado não pode ser composto por pessoas que violam as suas próprias regras, isso é um paradoxo.

Assim, há a previsão legal de perda do cargo, função ou mandato públicos em duas situações: a) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, em crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública e b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos.

Note-se, contudo, que o preceito em questão, embora não exija, para a perda do cargo público, que o crime praticado afete bem jurídico que envolva a Administração Pública, não prescinde que o decisum seja devidamente fundamentado.

Neste caso, o Juízo singular apontou genericamente a presença dos vetores do mencionado dispositivo legal, sem indicar motivação suficiente para justificar a necessidade da perda do cargo público, porquanto limitou-se a dizer que se cuidava de caso punido com pena privativa de liberdade superior a 4 anos.

A motivação dos atos jurisdicionais, conforme imposição do art. 93, IX, da Constituição Federal (“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade…”), funciona como garantia da atuação imparcial e secundum legis (sentido lato) do órgão julgador.

Nesse sentido:

[…] 1. Para que seja declarada a perda do cargo público, na hipótese descrita no art. 92, inciso I, alínea “b”, do Código Penal, são necessários dois requisitos: a) que o quantum da sanção penal privativa de liberdade seja superior a 4 anos; e b) que a decisão proferida apresente-se de forma motivada, com a explicitação das razões que ensejaram o cabimento da medida. 2. Embora o artigo 92, inciso I, alínea “b”, do Código Penal, não exija, para a perda do cargo público, que o crime praticado afete bem jurídico que envolva a Administração Pública, a sentença condenatória deve deduzir, de forma fundamentada e concreta, a necessidade de sua destituição, notadamente quando o agente, ao praticar o delito, não se encontra no exercício das atribuições que o cargo lhe conferia. 3. No caso em exame, o recorrente, policial civil, foi condenado a 6 anos de reclusão, em regime semiaberto, porque, em local próximo ao bar onde se comemorava a vitória da seleção brasileira de futebol, após desentendimento verbal e agressões físicas contra um grupo de pessoas, efetuou disparo de arma de fogo, ocasionando o óbito da vítima (art. 121, caput, c/c artigo 65, III, letra “d”, ambos do Código Penal). 4. O juiz de origem, a despeito de considerar todas as circunstâncias favoráveis ao réu, não ofertou motivação suficiente para justificar a necessidade da perda do cargo público, uma vez que se limitou a dizer que “Por fim, nos termos do art. 92, I, letra ‘b’, do CP, determino, como efeito da condenação, a perda da função pública por parte do réu Wallace.” 5. Recurso especial provido, para excluir a perda do cargo público, determinada na sentença condenatória. (REsp n. 1.044.866/MG, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 13/10/2014, destaquei)

Logo, entendo não ter havido a violação dos arts. 92, I, “b”, do Código Penal e 381, III, do Código de Processo Penal, devendo ser mantido o entendimento esposado no acórdão recorrido, no sentido do afastamento da determinação de perda do cargo.

III. Agravo em recurso especial da defesa (fls. 917-922)

Primeiramente, cumpre esclarecer que o recurso especial da defesa – cujo seguimento foi negado por intempestivo, dada a ausência de reiteração após o julgamento do recurso integrativo – comporta conhecimento, uma vez que atendeu aos demais requisitos de admissibilidade, e o enunciado contido na Súmula n. 418 do STJ – atendido pelo Tribunal a quo – foi cancelado em 1º/7/2016, pela Corte Especial do STJ, oportunidade em que editado o verbete sumular n. 579, segundo o qual “não é necessário ratificar o recurso especial interposto na pendência de julgamento dos embargos de declaração, quando inalterado o resultado anterior” (DJe 1º/8/2016).

III. 1. Art. 5º, XXXV, LV e LIV, da Constituição Federal

Primeiramente, em relação ao artigo da Constituição Federal tido como violado, esclareço que não compete ao Superior Tribunal de Justiça o exame de suposta violação de princípios e dispositivos constitucionais, mesmo com o cunho de prequestionamento, por ser matéria reservada à competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal.

A propósito:

[…] 2. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o arbitramento judicial dos honorários advocatícios ao defensor dativo, nomeado para oficiar em processos criminais, deve observar os valores mínimos estabelecidos na tabela da OAB, considerados o grau de zelo do profissional e a dificuldade da causa, parâmetros norteadores do quantum (REsp 1.377.798/ES, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, SEXTA TURMA, DJe de 2/9/2014). 3. A análise da proporcionalidade entre os valores mínimos tabelados pela Seccional de Santa Catarina e de outros Estados implica o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, ensejando a incidência da Súmula 7/STJ. 4. É inviável o exame de afronta a dispositivos constitucionais em recurso especial, sob pena de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, III, a, da CF). 5. Agravo regimental de fls. 520/537 não conhecido e de fls. 502/519 improvido. (AgRg no REsp n. 1.540.647/SC, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJe 25/5/2016, destaquei).

III. 2. Inépcia da denúncia

Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento da ação penal (rectius: do processo), por ser medida excepcional, somente é cabível quando ficarem demonstradas, de maneira inequívoca e a um primeiro olhar, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria ou a existência de causa extintiva da punibilidade, situações estas que não constato caracterizadas na espécie.

Segundo o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

No caso, não constato violação do art. 41 do Código de Processo Penal, de modo a gerar a pretendida anulação do feito pela inépcia da peça acusatória.

A Corte de origem argumentou que “os fatos foram minuciosamente expostos, e descritas as circunstâncias em que o crime ocorreu, indicando ter sido o apelante o autor do fato, bem ainda a incidência penal a qual se subsume”. Acrescentou que “a denúncia foi clara e específica ao indicar os fatos praticados pelo apelante e tipificação da conduta, possibilitando-lhe condições de se defender de todas acusações feitas, não havendo falar-se em inépcia da peça acusatória” (fl. 311, destaquei).

Vejo a denúncia narrar que o recorrente, de forma continuada e mediante violência presumida, na qualidade de servidor da escola onde estudava a vítima, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal (consistentes em passar a mão na barriga, nos seios e na vagina da ofendida, bem como tentar beijá-la e introduzir o dedo em seu órgão genital). Foi, ainda, narrado que o réu ofereceu dinheiro à genitora da vítima, bem como proferiu ameaça contra a ofendida, a qual apresentou mudança de comportamento e hematomas pelo corpo.

Assim, observo que a acusação formalizada pelo Ministério Público preenche os requisitos do art. 41 do Código Penal, pois, além da existência da prova do crime e de indícios suficientes de sua autoria, discriminou os fatos, em tese, praticados pelo agente, com todas as circunstâncias até então conhecidas, de forma a permitir o contraditório e a ampla defesa, não havendo prejuízo na ausência de especificação minuciosa das datas e do número de vezes que os fatos se deram.

Ademais, destaco que, com a prolação de sentença condenatória, fica esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia. Isso porque, se, após toda a análise do conjunto fático-probatório amealhado aos autos ao longo da instrução criminal, já houve um pronunciamento sobre o próprio mérito da persecução penal (denotando, ipso facto, a plena aptidão da inicial acusatória), não há mais sentido em se analisar eventual inépcia da denúncia.

Vale dizer, se houve condenação, é porque já existiu prévia e ampla dilação probatória, na qual foi devidamente aferida a presença de elementos suficientes não apenas para o recebimento da denúncia mas até para a condenação do recorrente. A Corte estadual examinou, de forma pormenorizada e em decisão com muito maior amplitude, o acervo fático-probatório carreado aos autos, havendo formado sua convicção pela procedência da pretensão punitiva estatal, diante da aptidão da denúncia e das provas acerca da autoria e da materialidade do crime previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, por diversas vezes, em continuidade delitiva.

Nesse sentido, menciono o HC n. 189.581/SP (DJe 18/12/2014), de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, em que a Sexta Turma desta Corte Superior ponderou que “não há sentido em decidir acerca da viabilidade formal da persecutio se já existe, em realidade, acolhimento formal e material da acusação, tanto que motivou o édito de condenação”.

Ainda, menciono o seguinte julgado, de minha relatoria:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PERDA DO OBJETO. 1. A superveniência de sentença condenatória – que considerou apta a denúncia e as provas suficientes para a condenação – torna sem objeto o recurso em habeas corpus, em que se busca o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa e inépcia da denúncia, que não teria descrito, suficientemente, o fato delituoso e todas as suas circunstâncias, quanto ao ora paciente. 2. Agravo não provido. (AgRg no RHC n. 46.663/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 26/3/2015).

Portanto, dúvidas não há de que, no julgamento da ação penal, bem como da apelação, em que a cognição é mais ampla, as instâncias de origem concluíram, de maneira minuciosa e concretamente fundamentada, pela aptidão da peça acusatória, em razão da existência de provas acerca da materialidade do delito e da autoria do recorrente, de modo que fica a afastada a alegada violação do art. 41 do Código de Processo Penal.

III. 3. Ilicitude das provas e absolvição (arts. 156, 158 e 386, II e VII, todos do Código de Processo Penal) – Súmula n. 7 do STJ

A Corte de origem, ao decidir pela manutenção da condenação do acusado, registrou o seguinte:

A materialidade do crime restou efetivamente demonstrada pelos depoimentos da vítima, tanto na fase inquisitorial, quanto na fase judicial, sendo ela firma e coerente ao afirmar em Juízo que:

[…]

As alegações foram corroboradas pelo depoimento de C. L. P. S., genitora da vítima, a qual declarou em Juízo que por duas vezes a vítima chegou em casa com hematomas na barriga; que a Declarante indagava a vítima o porquê de tais hematomas, sendo que ela nada respondia; que a vítima sentia muita dor e que a dor só acabava após ser ministrado amoxilina A. A. G., pai da menor, também informou:

[…]

Registre-se que essas informações também constam do parecer psicossocial, o qual relatou que ‘(…) o Sr. Ariovaldo percebeu por duas vezes hematomas no corpo da filha (braço e barriga) e no caso do hematoma da barriga chegou a levá-la ao médico para avaliação de apendicite, mas ficou constatado apenas pancada”. Conclui-se, pois, do quanto narrado, que os depoimentos prestados são coerentes e harmônicos e denotam a prova da materialidade do crime. Não obstante o Laudo de Exame de Corpo de Delito tenha afastado a possibilidade de conjunção carnal, uma vez constatado estar o hímen íntegro, sem apresentar roturas, não descartou a hipótese de ocorrência de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. De notar, portanto, que os abusos, como relatado pela menor, não se amoldam à conjunção carnal, caracterizando, todavia, atos libidinosos diversos e que, em sua maioria, não deixam vestígios, daí porque a constatação por meio de laudo pericial é de difícil ocorrência, ganhando especial relevo a versão apresentada pela vítima.

[…]

A vítima afirmou em seu depoimento em Juízo que o acusado levava a Declarante para um lugar próximo à secretaria, mais especificamente em uma parede ao lado do banheiro, que era um local escuro, e que não havia um fluxo alto de pessoas no local, sendo que ‘os abusos praticados pelo Acusado contra a Declarante ocorriam sempre no final da aula’. A vítima declarou todos os fatos praticados pelo recorrente de forma consistente e coesa, tendo revelado que:

[…]

As declarações da vítima estão em harmonia com as informações prestadas por sua genitora, a qual afirmou que:

[…]

Da análise dos autos, verifica-se que o fato gerador das desconfianças dos pais da vítima da existência de algum fato grave consistiu na oferta de R$ 20,00 por parte do recorrente para a genitora da vítima, com o intuito que esta comprasse uma blusa nova para a vítima. De notar que o acusado, em seu interrogatório em Juízo, afirmou ‘ter oferecido 20,00 reais para a mãe da vítima, não restando comprovado, contudo, qual o real intento da oferta, razão pela qual instigaram a menor a contar-lhes qual seria o motivo a justificar aquela doação’.

[…]

Ainda que as testemunhas de defesa tenham afirmado categoricamente não ser possível a prática de tal delito no interior do estabelecimento de ensino, certo é que os crimes de natureza sexual, em sua maioria, ocorrem na clandestinidade, razão pela qual as testemunhas, em regra, pouco ou nada sabem sobre os fatos.

Desse modo, os depoimentos prestados pela vítima, se coerentes e harmônicos com as demais provas dos autos, são suficientes a embasar o decreto condenatório, o que se vislumbra na análise dos autos, uma vez que as informações prestadas pela menor se encontram em consonância com o conjunto probatório (fls. 314-327, destaquei)

Pelos trechos anteriormente transcritos, verifico que a instância antecedente apontou a existência de provas suficientes da autoria, da materialidade e da continuidade delitivas, com base, principalmente, nos depoimentos da vítima, que estão em consonância com as demais provas dos autos, a saber, as testemunhas de acusação e o parecer psicossocial.

Sobre o tema, saliento que a jurisprudência desta Corte Superior entende que: “Em delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas acostadas aos autos” (HC n. 227.449/SP, de minha relatoria, 6ª T., DJe 7/5/2015, destaquei).

Dessa forma, considerar o pedido de absolvição do réu, seria necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório produzido nos autos, providência que, conforme cediço, é incabível na via do recurso especial, consoante o enunciado na Súmula n. 7 do STJ, in verbis: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

Ilustrativamente:

[…] 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça há muito se consolidou no sentido de que, em se tratando de crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima tem alto valor probatório, considerando que delitos dessa natureza geralmente não deixam vestígios e, em regra, tampouco contam com testemunhas. 2. No caso, contudo, o Tribunal Distrital, competente pela análise do conteúdo probatório dos autos, concluiu pela ausência de credibilidade da acusação, eis que a palavra da vítima não teria sido corroborada pelas demais provas produzidas, razão pela qual aplicou o princípio in dubio pro reo para absolver o ora recorrido com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. 3. A reforma do aresto impugnado demandaria o necessário reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado no julgamento do recurso especial por esta Corte Superior de Justiça, que não pode ser considerada uma terceira instância revisora ou tribunal de apelação reiterada, a teor do enunciado nº 7 da súmula deste Sodalício. 4. Agravos regimentais improvidos. (AgRg no REsp n. 1.494.344/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 1º/9/2015, destaquei).

III. 4. Agravante do art. 61, II, “g”, do Código Penal – manutenção

O Juízo de primeiro grau assim dosou a pena imposta ao acusado:

Na primeira fase de fixação da pena, considerando que o acusado, com o seu comportamento, demonstrou conduta altamente reprovável, uma vez que, imputável, tinha pleno conhecimento da ilicitude do fato e lhe era perfeitamente exigível a adoção de comportamento diverso, presentes, portanto, predicativos necessários à imposição de reprimenda; ressalte-se, na espécie, recrudescimento da ação delitiva, em razão, primeiro, do lugar da infração, educandário, segundo, a profissão do réu, servidor público da Fundação Educacional, e, terceiro, pela própria condição peculiar da vítima, uma vez que, não obstante sua menoridade, apresenta ela, ainda, déficit cognitivo; que o acusado não registra antecedentes criminais; que a personalidade do acusado não pode ser analisada com percuciência pelo Juízo; contudo, em razão da própria natureza da infração; ;o número de ocorrência, tudo leva a crer que a pessoa do acusado possua psique comprometida com a seara delitiva, em especial, de índole contra o costume e contra crianças e adolescentes; que a conduta social do réu não foi devidamente investigada no curso do processo; que o motivo para a prática delituosa foi o inerente ao tipo, qual seja, a satisfação da libido por intermédio da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal; que as circunstâncias chamaram a atenção do Juízo, conforme já evidenciado alhures; que as conseqüência da infração são inimagináveis, uma vez que, em razão do fato, há, num momento ou noutro abalo psicológico causado na vítima; e que o comportamento da vitima, ao que consta, não foi causa suficiente a ensejar a eclosão da conduta delituosa. Em razão dás circunstâncias judiciais ostentadas pelo acusado, assim comovo mínimo, e o máximo de expiação cominada em abstrato para o tipo penal incriminador, fixo a pena base, suficiente e necéssária á prevenção e reprovação do crime, em 09 (nove) anos de reclusão. Na segunda fase de aplicação da pena, não verifico a existência de circunstância atenuante. Por outro lado, mostra:se :presente a agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea g, do Código Penal uma vez que o acusado praticou o crime com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, porquanto se descurou de obrigação, vigilância e proteção da vítima vindo a cometer a infração. Majora-se, em consequência, a expiação em 06 (seis) meses. Na terceira fase de aplicação da pena, não há causas de diminuição, todavia, mostra-se presente a causa de aumento consistente na continuidade delitiva, motivo pelo qual, em razão do número de incidências delitivas, diversas oportunidades, dia sim, dia não, conforme relatado pela própria vítima, aumento a pena em 1/2 (metade), fixando-a, definitivamente, em 12 (doze) anos e 08 (oito) meses de reclusão (fls. 218-219, destaquei).

A Corte de origem, ao reduzir a pena-base para o mínimo e readequar a reprimenda, assim asseverou:

Portanto, considerando que não há razãopara valorar negativamente qu alquer das circunstâncias judiciais, reduzo a pena-base do crime , para o mínimo cominado em abstrato qual seja, 08 (oito) anos de reclusão. Na segunda fase, em razão da, presença da agravante genérica do art. 61, II, alínea ‘g’, entendeu o julgador por exasperar a pena em 6 (seis) meses. Conforme preleciona Paganella Bosci, haverá violação de dever inerente a cargo, quando ‘há um desvio por parte de quem está obrigado a um respeito maior à lei, violando-a, a despeito disso, quando no exercício do cargo, do ofício, do ministério ou da profissão”42 . Destarte, a testemunha de defesa J. M. S. afirmou que ‘o Acusado é mecanografo na escola também ajuda na entrada dos alunos e no controle dos alunos, fato confirmado pela testemunha J. RS. que informou que “as vezes o Acusado saia nos corredores para auxiliar na fiscalização dos alunos (sic); que o Acusado ficava na portaria de entrada’. Além disso, de notar que por teria sido o crime cometido dentro de uma instituição de ensino, utilizando-se o apelante de seu cargo como servidor público da Fundação Educacional, se faz presente a qualificadora do art. 61, II, alínea “g” do Código Penal, por ter sido o crime cometido com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão. Assim, na segunda fase, diante da presença da qualificadora do art. 61, II, alínea “g” do Código Penal mantenho o aumento da pena em 6 (seis) meses, conforme fixado na sentença. Na terceira fase, diante da presença da causa de aumento descrita no artigo 71 do Código Penal, por estar configurada a continuidade delitiva conforme já dito; mantenho o acréscimo relativo à fração já procedida em primeiro grau, 1/2 (metade), em razão do período em que ocorreram os abusos – entre maio e dezembro de 2010. Nesse ponto, verifico que houve equívoco na sentença ao fazer o cálculo de aumento pela metade, pois a pena foi fixada, até a segunda fase da dosimetria, em 9 (nove) anos e 6 (seis) meses, pena essa que aumentada de metade daria 14 (quatorze) anos e 3 (três) meses, tendo o magistrado a quo fixado em 12 (doze) anos e 8 (oito) meses. Considerando que a alteração na pena-base acima fixada em 8 (oito) anos, com o acréscimo de 6 (seis) meses na segunda fase, e na terceira fase aumentada de metade, perfaz a pena definitiva de 12 (doze) anos e 9 (nove) meses de reclusão, o que agrava a situação do recorrente, impende a manutenção da pena definitiva em 12 (doze) anos e 8 (oito) meses, conforme fixado na sentença, não sendo possível a correção do cálculo da pena, pois configuraria indevida reformatio in pejus. Diante do exposto, mantenho a pena definitiva conforme fixado na sentença em 12 (doze) anos e 8 (oito) meses de reclusão (fls. 336-337, destaquei).

O recorrente, no recurso especial, defende a tese de que a agravante em comento não pode ser aplicada, pois não existe relação direta entre a atividade profissional desempenhada e a prática do crime de estupro de vulnerável, de modo que a suposta prática delituosa não se deu em razão das regras inerentes à sua profissão.

A meu juízo, o recorrente praticou o crime valendo-se das facilidades que a profissão lhe proporcionou. Pondero, também, que essa circunstância está devidamente descrita na peça acusatória, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da correlação entre sentença e denúncia.

Assim, na linha do que foi decidido pelo Tribunal de origem, cometeu o crime em proveito da condição que ocupava na escola (acesso às crianças, pois, além de executar a função de mecanógrafo, auxiliava na entrada e saída dos alunos no estabelecimento escolar), e tal elemento objetivo que, eventualmente, fez parte da conduta delitiva e não constitui elementar do crime e foi excluído da pena-base. Logo, por denotar a maior reprovabilidade da conduta, deve ser mantida a agravante em comento.

Aqui, entendo que o legislador pretendeu punir de forma mais severa o acusado que age com ruptura da confiança profissional, com desrespeito aos deveres inerentes à sua função. O abuso é configurado quando o agente excede no desempenho de suas atribuições e perpetra um ato arbitrário, como no caso dos autos.

Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete, “há nessas hipóteses um desvio por parte de quem está obrigado a um respeito maior à lei e que transgride o ordenamento jurídico referente a suas atividades para a prática do delito” (Manual de Direito Penal, Parte Geral – art. 1º a 120 do CP. 17. ed. São Paulo, Editora Atlas, 2001).

Logo, não constato violação do art. 61, II, “g”, do CP a ensejar a redução da pena do recorrente, na segunda fase.

III. 5. Crime continuado

O recorrente sustenta que a continuidade delitiva foi alicerçada apenas na palavra da vítima e de seus pais, o que não se sustenta, dada a ausência de prova pericial. Insurge-se, ainda, contra a fração de aumento aplicada (1/2).

Consoante registrado anteriormente, as decisões proferidas pelas instâncias antecedentes são regulares e deixam claro que os delitos se deram ao longo de vários meses.

Cumpre lembrar que, quanto à continuidade delitiva, conforme entendimento consolidado neste Superior Tribunal, para a caracterização do instituto do art. 71 do Código Penal, é necessário que estejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos de ordem objetiva (pluralidade de ações, mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução) e o de ordem subjetiva, assim entendido como a unidade de desígnios ou o vínculo subjetivo havido entre os eventos delituosos. Vale dizer, adotou-se, no sistema jurídico-penal brasileiro, a Teoria Mista ou Objetivo-Subjetiva.

Uma vez mais, deixo registrado que as circunstâncias fáticas do crime foram descritas no acórdão estadual, de modo que não há necessidade de se buscarem documentos, depoimentos, laudos ou qualquer outro material probatório acostado aos autos para que se aplique o direito ao caso.

Na espécie, conforme bem delineado pelo Tribunal de origem, os abusos foram perpetrados “entre maio e dezembro de 2010” (fl. 337). Consignou, ainda, o seguinte:

No presente caso, a vítima alegou, em seu depoimento em Juízo, que ‘os abusos aconteciam um dia sim, outro não’, cuja informação pode ser confirmada pelo depoimento dos genitores da vítima, os quais afirmaram, tanto em Juízo, quanto na fase inquisitorial, que por mais de uma vez a menor apresentou hematomas no corpo. Desse modo, as provas coligidas nos autos são suficientes a concluir que os abusos ocorreram por mais de uma vez, motivo porque a continuidade delitiva está devidamente configurada. Repise-se, ademais, que os crimes contra a dignidade sexual são cometidos geralmente às escondidas, sobretudo visando à impunidade do delito, razão pela qual, conforme sobejamente assinalado, o depoimento da vítima possui especial relevo em crimes dessa natureza, suficientes a lastrear a condenação quando em harmonia com as demais provas dos autos, o que se verifica in casu (fl. 331, destaquei)

Ficou concluído, ainda, que os delitos foram perpetrados com unidade de desígnio, elemento que demonstra o preenchimento do requisito subjetivo, indispensável ao reconhecimento da continuidade delitiva. Além disso, a reiteração da conduta nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução caracteriza a continuidade e justifica a exasperação da pena nesses moldes.

No mesmo sentido:

[…] 1. Para a caracterização da continuidade delitiva é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva – mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução – e subjetiva – unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva). […] 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 217.753/ES, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª T., DJe 18/12/2013, destaquei.)

Em relação à exasperação da reprimenda procedida em razão do crime continuado, é imperioso salientar que esta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que, em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações.

A título de exemplo, menciono o seguinte julgado:

CONSTITUCIONAL. PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (POR QUATRO VEZES). DOSIMETRIA. CRITÉRIO PARA AUMENTO DA PENA EM FACE DA CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71). NÚMERO DE INFRAÇÕES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
[…]
02. “Em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações e 2/3, para 7 ou mais infrações” (HC 258.328/ES, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/02/2015; HC 273.262/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 06/11/2014). À luz da jurisprudência e da premissa de que “o réu praticou o crime em questão por quatro vezes” – fato reconhecido na sentença -, as sanções impostas devem ser redimensionadas. 03. Habeas corpus não conhecido. Concessão da ordem, de ofício, para redimensionar a pena privativa de liberdade aplicada ao paciente. (HC n. 195.872/RJ, Rel. Ministro Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ/SC) 5ª T., DJe 27/5/2015, destaquei).

Diante dessas premissas, julgo que agiram de modo acertado as instâncias antecedentes, diante da nítida frequência com que os fatos foram praticados – durante 7 meses –, ao fixar a fração de 1/2 para o recrudescimento da reprimenda pela continuidade delitiva. A própria sentença alude às provas produzidas, as quais demonstraram que os crimes praticados ocorreram “por diversas vezes”.

Entendo, portanto, não haver sido violado o art. 71 do Código Penal. De acordo com o contexto apresentado nos autos, tudo devidamente confirmado pelo acórdão ora atacado, dúvidas não há de que se distanciaram para até mais de seis o número de vezes em que o recorrido molestou a vítima. Em casos como este, repito, não pode a dúvida acerca da quantidade de ações levar ao aumento da pena no patamar mínimo; não é razoável nem proporcional. Isso significa que o julgador está autorizado a majorar a reprimenda na fração máxima pela continuidade delitiva nas hipóteses em que ficar inconteste que os abusos faziam parte da rotina familiar, o que não é raro.

Nesse sentido:

[…]
2. A Corte de origem, conquanto haja delineado e reconhecido a ocorrência de múltiplos (e incontáveis) crimes de estupro de vulnerável, entendeu por bem negar a realidade e, na dúvida, impor o patamar mais brando. 3. O julgador está autorizado a majorar a reprimenda na fração máxima pela continuidade delitiva nas hipóteses em que ficar inconteste que os abusos de natureza sexual faziam parte da rotina familiar, como no caso. 4. Na espécie, ficou incontroverso, pela moldura fática exposta, que se distanciaram para muito mais de sete o número de vezes em que o recorrido molestou a vítima, porquanto o próprio Tribunal de origem salientou a omissão dos familiares em revelar os fatos, tendo em vista a influência que ele exercia sobre eles, “o que permitiu que os crimes fossem praticados durante anos, por reiteradas vezes”. 5. Recurso especial conhecido e provido, para reconhecer a violação do art. 71 do Código Penal e restabelecer a sentença condenatória. (REsp n. 1.582.601/DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 2/5/2016).

IV. Execução imediata da pena

Ante o esgotamento das instâncias ordinárias, como no caso, de acordo com entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 964.246, sob a sistemática da repercussão geral, é possível a execução da pena depois da prolação de acórdão em segundo grau de jurisdição e antes do trânsito em julgado da condenação, para garantir a efetividade do direito penal e dos bens jurídicos constitucionais por ele tutelados.

V. Dispositivo

À vista do exposto, conheço do agravo da defesa para, com fundamento no art. 932, VIII, do CPC, c/c o art. 253, parágrafo único, II, “b”, parte final, do RISTJ, negar provimento ao recurso especial e conheço parcialmente do recurso do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e, nesta extensão, nego-lhe provimento.

Em tempo, determino o envio de cópia dos autos ao Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Circunscrição Judiciária de Ceilândia – DF, para que encaminhe a guia de recolhimento provisório ao Juízo da VEC, dando efetivo início à execução da pena imposta ao réu. A determinação deve ser desconsiderada caso o recorrido já cumpra a reprimenda.

Leia também:

Precisa falar conosco? CONTATO: clique aqui

Siga o meu perfil no Instagram (clique aqui). Sempre que possível, vejo as mensagens no direct.

Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de pós-graduação com experiência de 11 anos na docência, Doutorando em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

COMPARTILHE

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no whatsapp

EVINIS TALON


LEIA TAMBÉM

Telefone / Whatsapp: (51) 99927 2030 | Email: contato@evinistalon.com

× Fale com o Dr. Evinis Talon