STJ: a retroatividade de ato administrativo que majora o valor mínimo para execução fiscal não se aplica em benefício do réu
No AgRg no HC 920.735-SC, julgado em 24/9/2024, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que a retroatividade de ato administrativo que majora o valor mínimo para execução fiscal não se aplica em benefício do réu, para fins de incidência do princípio da insignificância, pois não se trata de norma penal mais benéfica.
Informações do inteiro teor:
Cinge-se a controvérsia a definir se o ato administrativo que majora o parâmetro para execução fiscal pode retroagir em benefício do réu.
Quanto à atipicidade material da conduta, sabe-se que “Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda” (REsp 1.709.029-MG, Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe 4/4/2018. Tema Repetitivo 157).
Contudo, em se tratando de supressão de tributo estadual, esta corte já firmou entendimento no sentido de que “Ainda que a incidência do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho, quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00, tenha aplicação somente aos tributos de competência da União, à luz das Portarias n. 75/2012 e n. 130/2012 do Ministério da Fazenda, parece-me encontrar amparo legal a tese da defesa quanto à possibilidade de aplicação do mesmo raciocínio ao tributo estadual, especialmente porque no Estado de São Paulo vige a Lei Estadual n. 14.272/2010, que prevê hipótese de inexigibilidade de execução fiscal para débitos que não ultrapassem 600 (seiscentas) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs, podendo-se admitir a utilização de tal parâmetro para fins de insignificância” (HC 535.063 SP, Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe 25/8/2020)” (AgRg no REsp 1.995.766-SP, Ministro Jesuíno Rissato, Desembargador convocado do TJDFT, Sexta Turma, DJe 17/8/2023).
Ou seja, considerando a fundamentação que levou à conclusão firmada no Tema Repetitivo 157, esta corte tem procurado distinguir as hipóteses julgadas a partir do tributo a cuja supressão se afirma ocorrida.
Diante disso, andou em sentido contrário à jurisprudência desta corte o Tribunal de origem ao afirmar que “Portanto, não há como manter a decisão sob o fundamento de que ‘se uma dívida tributária inferior a R$ 50.000,00 não justifica deflagrar uma cobrança judicial, é forçoso reconhecer que também não justifica uma punição criminal ao agente devedor’, porque o Estado não abriu mão da dívida e, sim, promoveu uma alocação mais eficiente de seus modelos de cobrança”.
Contudo, alinha-se ao entendimento firmado nesta corte o que sustentado pela sentença de origem, no sentido de que “Ao tempo dos fatos […], a Procuradoria-Geral do Estado estava dispensada de ajuizar execução fiscal de montante que não excedesse à quantia de R$ 20.000,00 – redação dada pelo art. 35 da Lei n. 17.427/2017, vigente de 29/12/17 a 19/7/21”.
Efetivamente, não há de se falar em retroatividade em benefício do réu da Portaria GAB/PGE n. 58/2021, na medida em que “não é esta equiparada a lei penal, em sentido estrito, que pudesse, sob tal natureza, reclamar a retroatividade benéfica, conforme disposto no art. 2º, parágrafo único, do CPP” (AgRg no REsp 1.496.129-RS, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 13/5/2015).
Desse modo, a retroatividade benéfica do ato administrativo que majorou o valor mínimo para execução fiscal não se aplica, uma vez que tal ato não se equipara a uma lei penal em sentido estrito, conforme disposto no art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
Leia a ementa:
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IRRETROATIVIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto em habeas corpus impetrado como substitutivo de recurso próprio, visando ao trancamento de ação penal pela prática do crime de sonegação fiscal, tipificado no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990 c/c art. 71, caput, do CP. A defesa alega ausência de materialidade delitiva e pleiteia a aplicação do princípio da insignificância em razão de ato administrativo que majorou o valor mínimo para execução fiscal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se é cabível a utilização de habeas corpus como substitutivo de recurso próprio; (ii) saber se a parte cometeu, efetivamente, o crime e (iii) estabelecer se o ato administrativo que majora o parâmetro para execução fiscal pode retroagir em benefício do réu. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio ou revisão criminal, salvo em situações excepcionais que evidenciem flagrante ilegalidade, o que não se verifica no presente caso. 4. A tipicidade do delito de sonegação fiscal, conforme entendimento do STF, exige a demonstração do dolo de apropriação e da inadimplência habitual, elementos que demandam dilação probatória, incompatível com o writ. 5. A retroatividade benéfica do ato administrativo que majorou o valor mínimo para execução fiscal não se aplica, uma vez que tal ato não se equipara a uma lei penal em sentido estrito, conforme disposto no art. 2º, parágrafo único, do CPP. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. Habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, salvo em casos de flagrante ilegalidade. 2. A retroatividade de ato administrativo que majorou o valor mínimo para execução fiscal não se aplica em benefício do réu, pois não se trata de norma penal mais benéfica. Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 2º, parágrafo único; Lei n. 8.137/1990, art. 2º, II; CP, art. 71, caput. Jurisprudência relevante citada: STF, RHC n. 163.334/SC, Primeira Turma; STJ, AgRg no REsp n. 1.496.129/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 05.05.2015, DJe 13.05.2015. (AgRg no HC n. 920.735/SC, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 24/9/2024, DJe de 27/9/2024.)
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
LEGISLAÇÃO
Lei n. 10.522/2002, art. 20
Portarias n. 75/2012 e n. 130/2012 (Ministério da Fazenda)
Código Penal (CP), art. 2º, parágrafo único
PRECEDENTES QUALIFICADOS
Tema Repetitivo 157
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 834 – leia aqui.
Leia também:
STJ: representação no crime de estelionato (Informativo 677 do STJ)