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Evinis Talon

STJ: a precariedade dos presídios ofende o respeito à integridade física e moral dos presos, bem como os princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial

11/10/2019

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Decisão proferida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1389952/MT, julgado em 03/06/2014 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CADEIA PÚBLICA. SUPERLOTAÇÃO. CONDIÇÕES PRECÁRIAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA OBRIGAR O ESTADO A ADOTAR PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E APRESENTAR PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA PARA REFORMAR OU CONSTRUIR NOVA UNIDADE PRISIONAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DE NECESSIDADE DE PRÉVIA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA (ARTS. 4º, 6º E 60 DA LEI 4.320/64). CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM CASOS EXCEPCIONAIS. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO CUJA MOLDURA FÁTICA EVIDENCIA OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DO RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS PRESOS E AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL, CONTRA O QUAL NÃO SE PODE OPOR A RESERVA DO POSSÍVEL.
1. Na origem, a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado do Mato Grosso ajuizaram Ação Civil Pública visando obrigar o Estado a adotar providências administrativas e apresentar previsão orçamentária para reformar a cadeia pública de Mirassol D’Oeste ou construir nova unidade, entre outras medidas pleiteadas, em atenção à situação de risco a que estavam expostas as pessoas encarceradas no local. Destaca-se, entre as inúmeras irregularidades estruturais e sanitárias, a gravidade do fato de – conforme relatado – as visitas íntimas serem realizadas dentro das próprias celas e em grupos.
2. A moldura fática delineada pelo Tribunal de origem – e intangível no âmbito do Recurso Especial por óbice da Súmula 7/STJ – evidencia clara situação de violação à garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do preso e aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.
3. Nessas circunstâncias – em que o exercício de pretensa discricionariedade administrativa acarreta, pelo não desenvolvimento e implementação de determinadas políticas públicas, seriíssima vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição – a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de pôr em prática, concreta e eficazmente, os valores que o constituinte elegeu como “supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social”, como apregoa o preâmbulo da nossa Carta Republicana.
4. O entendimento trilhado pela Corte de origem não destoou dos precedentes do STF – RE 795749 AgR, Relator: Min. Celso de Mello, Segunda Turma, Julgado em 29/04/2014, Processo Eletrônico DJe-095 Divulg 19-05-2014 Public 20-05-2014, ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 15.9.2011 – e do STJ, conforme AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 06/12/2013. Aplicação da Súmula 83/STJ.
5. Com efeito, na hipótese sub examine, está em jogo a garantia de respeito à integridade física e moral dos presos, cuja tutela, como direito fundamental, possui assento direto no art. 5º, XLIX, da Constituição Republicana.
6. Contra a efetivação dessa garantia constitucional, o Estado de Mato Grosso alega o princípio da separação dos poderes e a impossibilidade de realizar a obra pública pretendida sem prévia e correspondente dotação orçamentária, sob pena de violação dos arts. 4º, 6º e 40 da Lei 4.320/1964.
7. A concretização dos direitos individuais fundamentais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue, nesses casos, como órgão controlador da atividade administrativa. Trata-se de inadmissível equívoco defender que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantir os direitos fundamentais, possa ser utilizado como óbice à realização desses mesmos direitos fundamentais.
8. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública vital nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, como na hipótese dos autos.
9. In casu, o pedido formulado na Ação Civil Pública é para, exatamente, obrigar o Estado a “adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária e realizar ampla reforma física e estrutural no prédio que abriga a cadeia pública de Mirassol D’Oeste/MT, ou construir nova unidade, de modo a atender a todas as condições legais previstas na Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), bem como a solucionar os problemas indicados pelas equipes de inspeção sanitária, Corpo de Bombeiros Militar e CREA na documentação que instrui os presentes autos, sob pena de cominação de multa”.
10. Como se vê, o pleito para a adoção de medida material de reforma ou construção não desconsiderou a necessidade de previsão orçamentária dessas obras, de modo que não há falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/64.
11. Recurso Especial não provido. (REsp 1389952/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 07/11/2016)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Na origem, a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado do Mato Grosso ajuizaram Ação Civil Pública visando obrigar o Estado a adotar providências administrativas e apresentar previsão orçamentária para reformar a cadeia pública de Mirassol D’Oeste ou construir nova unidade, entre outras medidas pleiteadas, em atenção à situação de risco a que estavam expostos os reeducandos encarcerados no local, destacando, entre inúmeras outras irregularidades estruturais e sanitárias, a gravidade do fato de – conforme relatado – as visitas íntimas serem realizadas dentro das próprias celas e em grupos e de existirem detentas acomodadas improvisadamente.

Do acórdão de origem, extraio alguns excertos de especial relevo para a espécie versada nos autos (fls. 368-369):

No caso dos autos, tenho que a sentença deve ser mantida, pois privilegiou o interesse público, resguardando os direitos básicos e fundamentais da pessoa humana.

Denota-se ainda que foram apresentados laudos, vistorias, O pareceres técnicos, todos emitidos por servidores da inspeção sanitária, do Corpo de Bombeiros Militar e do CREA, dando conta de que as celas vistoriadas não apresentam condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, iluminação e instalações sanitárias adequadas.

O que significa dizer que se tratam de locais que não se compadecem com os postulados mínimos da dignidade humana que o Estado Democrático de Direito deve preservar, inclusive para os reeducandos, sem contar que, tal qual a saúde e a educação, a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (Art. 144 da CF).

É evidente que existindo situações concretas e específicas de reeducandos lotados na Unidade Prisional de Mirassol D’Oeste em situação de risco e desumana, o Estado deverá tomar medidas tendentes a fazer cessar esta irregularidade.

A moldura fática delineada pelo Tribunal de origem – e intangível no âmbito do Recurso Especial por óbice da Súmula 7/STJ – evidencia clara situação de violação à garantia constitucional de respeito à integridade física e moral dos presos e aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.

Nessas circunstâncias – em que o exercício da discricionariedade administrativa pelo não desenvolvimento de determinadas políticas públicas acarreta grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição – a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de implementar, concreta e eficientemente, os valores que o constituinte elegeu como “supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social”, como apregoa o preâmbulo da nossa Carta Republicana.

Inúmeros são os precedentes da Excelsa Corte Suprema que perfilham esse entendimento:

DEFENSORIA PÚBLICA – DIREITO DAS PESSOAS NECESSITADAS AO ATENDIMENTO INTEGRAL, NA COMARCA EM QUE RESIDEM, PELA DEFENSORIA PÚBLICA – PRERROGATIVA FUNDAMENTAL COMPROMETIDA POR RAZÕES ADMINISTRATIVAS QUE IMPÕEM, ÀS PESSOAS CARENTES, NO CASO, A NECESSIDADE DE CUSTOSO DESLOCAMENTO PARA COMARCA PRÓXIMA ONDE A DEFENSORIA PÚBLICA SE ACHA MAIS BEM ESTRUTURADA – ÔNUS FINANCEIRO, RESULTANTE DESSE DESLOCAMENTO, QUE NÃO PODE, NEM DEVE, SER SUPORTADO PELA POPULAÇÃO DESASSISTIDA – IMPRESCINDIBILIDADE DE O ESTADO PROVER A DEFENSORIA PÚBLICA LOCAL COM MELHOR ESTRUTURA ADMINISTRATIVA – MEDIDA QUE SE IMPÕE PARA CONFERIR EFETIVIDADE À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL INSCRITA NO ART. 5º, INCISO LXXIV, DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA – OMISSÃO ESTATAL QUE COMPROMETE E FRUSTRA DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PESSOAS NECESSITADAS – SITUAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE INTOLERÁVEL – O RECONHECIMENTO, EM FAVOR DE POPULAÇÕES CARENTES E DESASSISTIDAS, POSTAS À MARGEM DO SISTEMA JURÍDICO, DO “DIREITO A TER DIREITOS” COMO PRESSUPOSTO DE ACESSO AOS DEMAIS DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS – INTERVENÇÃO JURISDICIONAL CONCRETIZADORA DE PROGRAMA CONSTITUCIONAL DESTINADO A VIABILIZAR O ACESSO DOS NECESSITADOS À ORIENTAÇÃO JURÍDICA INTEGRAL E À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITAS (CF, ART. 5º, INCISO LXXIV, E ART. 134) – LEGITIMIDADE DESSA ATUAÇÃO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO ESTADO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE SOBRE A OMISSÃO DO ESTADO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES – A FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA E A ESSENCIALIDADE DESSA INSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (RE 795749 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 29/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-095 DIVULG 19-05-2014 PUBLIC 20-05-2014)

CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE – ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA – SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA – LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS ‘ASTREINTES’ CONTRA O PODER PÚBLICO – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS – EDUCAÇÃO INFANTIL – DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) – COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO – DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO – INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL – PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA – QUESTÃO QUE SEQUER FOI CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL” (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 15.9.2011 – grifos nossos).

No Superior Tribunal de Justiça, a excepcional possibilidade de controle judicial de políticas públicas é endossada pela jurisprudência, como se vê em precedente de minha relatoria:

ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. NÃO HÁ OFENSA À SÚMULA 126/STJ. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há impedimento jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o Município, tendo em vista a consolidada jurisprudência do STJ: “o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros” (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Apesar de o acórdão ter fundamento constitucional, o recorrido interpôs corretamente o Recurso Extraordinário para impugnar tal matéria. Portanto, não há falar em incidência da Súmula 126/STF. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 06/12/2013)

No caso concreto, o entendimento trilhado pela Corte de origem não destoou dos precedentes acima colacionados (fl. 369):

Na verdade, aqui o Judiciário está impondo o cumprimento das normas penais, de execução e administração penal contempladas na legislação de regência.

A atuação do Poder Judiciário no controle das políticas públicas não se pode dar de forma indiscriminada, pois, isso sim, violaria o princípio da separação dos poderes. No entanto, quando a Administração Pública, de maneira clara e indubitável, viola direitos fundamentais por meio da execução ou falta injustificada de programas de governo, a interferência do Poder Judiciário é perfeitamente legítima e serve como instrumento para restabelecer a integridade da ordem jurídica violada, razão pela qual não há falar-se em ofensa ao princípio da Separação dos Poderes. (grifou-se)

O julgado recorrido, portanto, está em plena conformidade com os precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o que, de plano, recomenda o desacolhimento da pretensão de reforma, em nome da Súmula 83/STJ.

Ademais, veja-se que, na hipótese sub examine, está em jogo a garantia de respeito à integridade física e moral dos presos, cuja tutela possui assento direto na Constituição:

Art. 5º. (…) XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Contra a efetivação dessa garantia constitucional, o Estado de Mato Grosso alega a impossibilidade de realizar a obra pública pretendida sem prévia e correspondente dotação orçamentária, sob pena de violação dos arts. 4º, 6º e 40 da Lei 4.320/1964.

Recorrentemente, tem-se visto a invocação da teoria da reserva do possível como escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias.

Não deixo de reconhecer que as limitações orçamentárias são, realmente, entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada, sobretudo quando estiver em jogo direitos associados à própria vida e à integridade física.

Não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para o Estado brasileiro. Na Alemanha, p. ex., onde o tema da reserva do possível se coloca de maneira proeminente, os cidadãos já dispõem do mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna.

Situação completamente diversa é a que se observa nos países pobres ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Aqui, ainda não foram asseguradas, à maioria dos cidadãos, condições básicas para uma vida digna. Neste caso, qualquer pleito que vise a fomentar existência minimamente decente não pode ser encarado como sem-razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro. É por isso que o princípio da reserva do possível não pode, mecanicamente, ser oposto ao princípio do mínimo existencial.

Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá pensar, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Claro, se não se pode cumprir tudo o que assegurado pela Constituição, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos esse piso basilar de direitos essenciais à vida, entre os quais, sem a menor dúvida, há de se incluir padrão mínimo de dignidade às pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais.

Por esse motivo, inexistindo comprovação objetiva e cabal da incapacidade econômico-financeira do Estado, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político. No caso concreto, é exatamente esse o pedido formulado na Ação Civil Pública, conforme se vê à fl. 28 dos autos:

adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária e realizar ampla reforma física e estrutural no prédio que abriga a cadeia pública de Mirassol D’Oeste/MT, ou construir nova unidade, de modo a atender a todas as condições legais previstas na Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), bem como a solucionar os problemas indicados pelas equipes de inspeção sanitária, Corpo de Bombeiros Militar e CREA na documentação que instrui os presentes autos, sob pena de cominação de multa

Como claramente se observa, o pleito para a adoção de medidas materiais de reforma ou construção não desconsiderou a necessidade de previsão orçamentária dessas obras, de modo que não há falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/64.

Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Especial.

É como voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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