Revisão criminal fundamentada em investigação criminal defensiva
Nas palavras de Badaró (2020, p. 509):
No processo penal, uma condenação errônea que tenha transitado em julgado significa a perpetuação de uma gravíssima injustiça, que indevidamente priva o indivíduo de um de seus direitos mais relevantes: a liberdade. É necessário, portanto, que, mesmo após o trânsito em julgado, haja algum mecanismo para fazer aflorar a justiça, corrigindo erros cuja perpetuação seria inaceitável.
O mecanismo para evitar a perpetuação da injustiça ou do erro nesses casos é a revisão criminal, que tem natureza de ação autônoma de impugnação, servindo para atacar decisões judiciais transitadas em julgado.
Nos termos do art. 621 do CPP, a revisão será admitida:
- quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
- quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
- quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Ademais, a revisão é cabível a qualquer tempo, inclusive após a extinção da pena (art. 622 do CPP).
Em um plano ideal, a investigação defensiva poderia subsidiar diretamente o ajuizamento da revisão criminal, evitando a necessidade de justificação criminal no primeiro grau e, consequentemente, o prolongamento de um erro judiciário. Contudo, precisamos entender os limites jurisprudenciais.
O STJ já decidiu o seguinte sobre a exigência de justificação criminal antes da revisão:
(…) 1. De acordo com a jurisprudência há muito consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o pedido de revisão criminal, calcado na existência de prova oral nova, pressupõe a necessidade de sujeição dos novéis elementos probatórios ao eficiente e democrático filtro do contraditório. 2. Referido entendimento foi mantido não obstante a supressão, pelo Novo Código de Processo Civil, do procedimento cautelar de justificação, sendo necessária a produção antecipada de provas (arts. 381 e 382 do referido Estatuto Processual) para ajuizamento de ação revisional fundada na existência de novas provas decorrentes de fonte pessoal. 3. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1720683 MS 2018/0019317-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 02/08/2018, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/08/2018)
Por outro lado, sobre a desnecessidade da justificação, já decidiu:
(…) 3. A exigência de justificação judicial diz respeito tão-somente à prova oral, não sendo necessária quando se cuida de prova pericial, cuja realização foi determinada durante o inquérito, mas que veio a ser juntada aos autos da ação penal apenas quando já proferida a condenação. (…) (STJ – AREsp: 1026149 SP 2016/0321845-1, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 26/10/2017)
Em suma, havendo necessidade de produção de prova oral, ela deverá ser feita em uma justificação criminal. A contrario sensu, outras provas de natureza não oral poderão ser levadas diretamente à revisão criminal.
O primeiro ponto consiste em entender que, pela jurisprudência do STJ, a produção de uma prova oral não poder ser feita isoladamente pela defesa, tampouco produzida na revisão criminal, que exige prova pré-constituída e não admite dilação probatória. É necessário que a prova oral seja produzida na justificação criminal.
A principal prova oral é a testemunhal, disciplinada entre os arts. 202 e 225 do CPP. Assim, caso a revisão criminal seja fundamentada em uma prova testemunhal, exige-se a justificação criminal. No mesmo sentido, a oitiva do ofendido (art. 201 do CPP), que também é uma prova de natureza oral.
Da mesma forma, mas com uma utilização muito menor, podemos imaginar os esclarecimentos de peritos e as acareações (art. 400 do CPP). Na prática, não se observa a utilização dessas provas como fundamento para uma revisão criminal.
Nesses casos, é recomendável utilizar a investigação criminal defensiva como forma de antecipação do depoimento para avaliar se seu resultado é suficiente como fundamento de uma futura revisão criminal.
Defendemos a posição de que, como regra, os resultados da investigação criminal devem ser aceitos para o ajuizamento da revisão criminal, independentemente de justificação no primeiro grau. Somente não poderão ser considerados quando houver fundada suspeita de erros, falsidades ou quaisquer outros vícios que comprometam a veracidade do seu conteúdo.
De qualquer forma, sabe-se que, na prática, nosso entendimento dificilmente será aceito pelos Tribunais de forma pacífica, sobretudo em razão da crescente desconfiança em relação à Advocacia.
Assim, como dica prática, sugerimos que os resultados da investigação criminal sejam utilizados como fundamento da justificação criminal, sendo esta, em seguida, utilizada como fundamento da revisão criminal. Esse seria o caminho menos arriscado, ainda que mais demorado.
Considerando os entendimentos do STJ anteriormente citados, pode-se adotar como estratégia a utilização da investigação criminal defensiva para obter os documentos ou realizar as perícias e, em seguida, ajuizar a revisão criminal, pulando a etapa da justificação.
Por outro lado, caso o fundamento da revisão criminal seja uma prova oral, recomenda-se conduzir uma investigação criminal defensiva para ouvir a testemunha ou vítima, utilizando uma estratégia de antecipação do depoimento – ouvi-la antes de levá-la às autoridades – para que, em seguida, o Advogado avalie se é plausível ouvir a testemunha novamente em uma justificação criminal ou se o seu depoimento não é bom o suficiente, devendo ser descartado.
Explico: no caso de necessidade de produção de prova oral, a investigação criminal defensiva serviria como um filtro. Faz-se a inquirição da testemunha nos autos da investigação para saber qual é o conteúdo do seu depoimento atualmente. Se for desfavorável à defesa, desconsidera-se o depoimento, não levando os resultados da investigação à justificação ou à revisão criminal, tampouco requerendo a oitiva da testemunha na justificação. Por outro lado, se o depoimento tomado na investigação defensiva for favorável, deve-se utilizar a justificação criminal para que ele seja novamente produzido, desta feita perante o Juízo, com o exercício do contraditório pelo Ministério Público. Em seguida, repetindo o êxito do depoimento, pode-se ajuizar a revisão criminal.
Referência:
BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
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