justiça

Evinis Talon

Breves comentários sobre o estado de necessidade

29/05/2018

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Breves comentários sobre o estado de necessidade

O estado de necessidade é uma das causas excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal.

Sobre os seus requisitos, dispõe o art. 24 do Código Penal:

Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Portanto, o estado de necessidade exclui a ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar o perigo, que não foi provocado por sua vontade, sacrifica um bem jurídico para salvar outro bem, próprio ou alheio.

Entre os requisitos para que haja o reconhecimento do estado de necessidade, está a exigência de que o perigo seja atual. Trata-se, portanto, da aferição do momento do perigo. A lei não menciona o “perigo iminente”, mas é possível interpretar de modo amplo, haja vista que se trata de uma causa excludente de ilicitude.

Por outro lado, se o perigo já ocorreu ou se há uma expectativa para o futuro (não é iminente), não há estado de necessidade.

No que concerne à titularidade do bem jurídico em perigo, a ameaça pode dizer respeito a direito próprio ou alheio. É possível interpretar no sentido de que qualquer bem jurídico pode ser protegido pelo estado de necessidade, como a vida, a integridade física, a liberdade, o patrimônio etc. O critério quanto ao bem jurídico é a análise da proporcionalidade entre o bem protegido e o bem que sofre a conduta de quem alega o estado de necessidade.

Ademais, a situação de perigo não pode ter sido causada pelo agente.

Também é necessário que o agente não tenha o dever legal de enfrentar o perigo (art. 24, §1º, do Código Penal). Se a lei impuser ao agente o dever de enfrentá-lo, ele deverá tentar resguardar ambos os bens jurídicos.

A jurisprudência também analisa a inevitabilidade do comportamento lesivo (que não deve ser confundida com a inexigibilidade de conduta diversa, excludente da culpabilidade), isto é, se o dano produzido pelo agente poderia/deveria ser evitado, não havendo outro meio de evitar a ofensa ao bem jurídico. Nesse ponto, cita-se, por exemplo, uma decisão que menciona: “possibilidade de agir de modo diverso, no caso dos autos, que afasta a hipótese de estado de necessidade” (TJ/RS, Quinta Câmara Criminal, Apelação Crime Nº 70075418483, Rel. João Batista Marques Tovo, julgado em 29/11/2017).

Por fim, prepondera o entendimento de que não há estado de necessidade quando o indivíduo não tem conhecimento de que age para salvar um bem jurídico, seja um interesse próprio, seja um bem de terceiro. Sobre a (in)exigibilidade do elemento subjetivo (ciência de que age amparado pela excludente de ilicitude), escrevi um texto anteriormente (leia aqui).

No que concerne à avaliação da proporcionalidade da conduta, que exige uma comparação entre o bem jurídico tutelado e o bem atingido pela conduta supostamente amparada pelo estado de necessidade, é importante destacar que há uma causa de diminuição de pena prevista no art. 24, §2º, do Código Penal: “Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.”

Conforme essa minorante, mesmo que se reconheça que o agente deveria agir de forma diversa – o que afasta o reconhecimento do estado de necessidade –, a pena poderá ser reduzida. Trata-se de uma possibilidade intermediária, entre o reconhecimento do estado de necessidade e o afastamento dessa excludente. Nessa situação, o estado de necessidade não é acolhido, havendo, portanto, ilicitude, mas a pena será reduzida.

Também é oportuno destacar que é possível o excesso de estado de necessidade, que também está abrangido pela previsão do art. 23, parágrafo único, do CP: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”

Nesse caso, para que exista excesso de estado de necessidade, considera-se que o agente, de início, agia amparado pela excludente de ilicitude, preenchendo todos os requisitos legais (inclusive a proporcionalidade), mas, após proteger o bem jurídico, continua agindo quando não há mais necessidade. Assim, o excesso, que pode ser doloso ou culposo, será punido, não respondendo o agente pela conduta anterior, ou seja, aquela que ainda estava amparada pelo estado de necessidade (quando ainda era necessária a ofensa a um bem jurídico para proteger outro bem jurídico).

Por fim, destaca-se que há alguns julgados que tratam do estado de necessidade por meio da análise das condições financeiras do agente. Normalmente, a jurisprudência é no sentido de que a insuficiência de recursos financeiros não é, por si só, fundamento para a prática de crimes. Aqui, não se está tratando do furto famélico (a subtração de alimentos em casos de forme extrema), mas sim a alegação de estado de necessidade quando, por exemplo, o agente afirma que não tinha condições financeiras e, por essa razão, ingressou na traficância de drogas.

Afastando o estado de necessidade no caso de tráfico de drogas praticado por agente que alegava pobreza, duas decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

[…] ESTADO DE NECESSIDADE. INEXISTÊNCIA. Não há falar em estado de necessidade, pelo fato de o réu alegar que estava necessitando recursos financeiros, pois a insuficiência ou necessidade de tais recursos não constitui justificativa para a prática de ilícitos como o tráfico de drogas em questão. […] (TJ/RS, Segunda Câmara Criminal, Apelação Crime Nº 70076726033, Rel. Luiz Mello Guimarães, julgado em 22/03/2018)

[…] O alegado estado de necessidade pela defesa não afasta a prática delitiva, pois dificuldade financeira não justifica a prática da traficância. […] (TJ/RS, Primeira Câmara Criminal, Apelação Crime Nº 70075859355, Rel. Jayme Weingartner Neto, julgado em 07/03/2018)

Portanto, conforme esses julgados recentes, não há estado de necessidade e, por conseguinte, configura crime, quando o agente pratica tráfico de drogas, ainda que alegue ser pobre e que essa era a única possibilidade de adquirir recursos para sobreviver.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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