Em outro texto, já abordei o princípio da insignificância nos crimes ambientais (leia aqui). Também já tratei de 16 teses do STF sobre o princípio da insignificância (leia aqui) e sobre o entendimento acerca da não incidência desse princípio nos crimes contra a Administração Pública (leia aqui).
Agora, abordarei a (não) incidência do princípio da insignificância nos crimes de furto qualificado.
A questão central desse debate consiste na aferição dos vetores de aplicação do princípio da insignificância, além de uma análise da reprovabilidade do furto qualificado.
Como é sabido, os crimes qualificados possuem os elementos do crime simples, com a adição de alguns elementos que aumentam o grau de reprovabilidade. Além disso, possuem penas mínimas e máximas específicas.
Portanto, questiona-se se a maior reprovabilidade do furto qualificado afastaria, por si só, a aplicação do princípio da insignificância, independentemente da avaliação do objeto subtraído e/ou da ausência de antecedentes/reincidência.
O Supremo Tribunal Federal, por meio do Plenário, já decidiu o seguinte:
PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO TENTADO. RÉU PRIMÁRIO. QUALIFICAÇÃO POR ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E ESCALADA. 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. Caso em que a maioria formada no Plenário entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, nem abrandar a pena, já fixada em regime inicial aberto e substituída por restritiva de direitos. 4. Ordem denegada. (STF, Tribunal Pleno, HC 123734, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/08/2015)
Portanto, nesse julgamento, analisando o caso concreto, o voto da maioria dos Ministros do STF foi no sentido de não aplicar o princípio da insignificância ao furto qualificado.
Por outro lado, em decisão da Segunda Turma do STF, foi decidido que o furto mediante rompimento de obstáculo afasta tal princípio (STF, Segunda Turma, HC 131618, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 15/12/2015).
Destaca-se que o entendimento não restringe a inaplicabilidade do princípio somente aos furtos qualificados pelo rompimento de obstáculo. Entende-se que todas as espécies de furto qualificado seriam incompatíveis com o princípio da insignificância, em razão da maior reprovabilidade da conduta do agente.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça:
[…] Ademais, “a jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que a prática do delito de furto qualificado por escalada, arrombamento ou rompimento de obstáculo ou concurso de agentes, caso dos autos, indica a especial reprovabilidade do comportamento e afasta a aplicação do princípio da insignificância” […] Habeas corpus não conhecido. (STJ, Quinta Turma, HC 414.199/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, julgado em 21/09/2017)
Entendo, no entanto, que esse entendimento não deve ser generalizado. Seja qual for a qualificadora (escalada, rompimento de obstáculo, concurso de agentes etc.), é necessário avaliar o caso concreto, haja vista que a tipicidade material poderá não estar configurada em caso de subtração de valor irrisório.
Aliás, caso se trate de furto, ainda que qualificado, de coisa insignificante, prontamente devolvida (em decorrência da prisão em flagrante ou porque frustrada a tentativa de furto), não há de se falar em lesão a bem jurídico.
Nesse diapasão, impedir a aplicação do princípio da insignificância com base unicamente na qualificadora é uma indevida priorização da conduta (a escalada, por exemplo) em detrimento do resultado (ou de sua ausência). Além disso, seria uma desconsideração do fato de que o Direito Penal somente existe para proteger os bens jurídicos mais relevantes.
Portanto, considero que o furto qualificado, por si só, não impede a aplicação do princípio da insignificância, devendo haver uma avaliação do caso concreto e do grau de ofensa ao bem jurídico protegido.
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