Peculato
O crime de peculato
tem a sua nítida gênese histórica no direito romano. À subtração de coisas pertencentes ao Estado chamava-se peculatus ou depeculatus, sendo este nomen juris oriundo do tempo anterior à introdução da moeda, quando os bois e carneiros (pecus), destinados aos sacrifícios, constituíam a riqueza pública por excelência. (HUNGRIA, 1959, p. 332)
De modo semelhante, Almeida (1955, p. 11-12) explica:
o étimo da palavra está em pecus, tal como em suas convizinhas pela raiz (pecus = gado) pecúnia, pecúlio, especular, e se reporta à época em que o gado foi havido com moeda. A palavra, como se sabe, designou, em sua evolução, a subtração da moeda, ou metal do Fisco, até que, finalmente, passou a significar furtos e apropriações indevidas, realizadas por prestadores de contas, bem como quaisquer fraudes em prejuízo da coisa pública.
O crime de peculato é classificado como material, o que significa que, para a consumação, é imprescindível a ocorrência de um resultado naturalístico, o que, no caso do art. 312, “caput”, do Código Penal, ocorre com a efetiva apropriação ou no momento em que, de fato, há o desvio.
Analisando o tipo penal, observa-se que é irrelevante se o bem apropriado é público ou particular, mas, em ambos os casos, é necessário que o funcionário público tenha a posse em razão do cargo. Caso contrário, se tem a posse do bem ou valor público ou privado de forma desvinculada do seu cargo, não haverá peculato, mas sim crime diverso, como a apropriação indébita.
Destarte, urge ressaltar que, eventualmente, tratando-se de bem privado, o particular também será vítima do crime de peculato. Por sua vez, o Estado sempre será vítima do peculato, ainda que ocorra a apropriação de bem privado, porque o crime de peculato tutela a Administração Pública.
É interessante observar que o Supremo Tribunal Federal, no Inq nº 3.776/TO, decidiu que existe significativa “diferença entre usar funcionário público em atividade privada e usar a Administração Pública para pagar salário de empregado particular, o que configura peculato”.
Com base nesse entendimento, o STF, recentemente, decidiu, na AP 504, que se o funcionário público, apesar de ser utilizado em atividade particular, também cumpre sua função, a conduta é atípica, não constituindo peculato.
Por fim, salienta-se que a jurisprudência é no sentido de que não caberia a aplicação do princípio da insignificância ao crime de peculato e aos demais delitos contra a Administração Pública. Apesar do caráter patrimonial do crime de peculato, entende-se que esse tipo penal protege a moralidade administrativa, de maneira que não seria relevante o valor do bem apropriado/desviado/subtraído.
Cita-se, por todos, o seguinte julgado do STJ:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. PECULATO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MORALIDADE ADMINISTRATIVA. WRIT NÃO CONHECIDO.
[…]
3. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não ser possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime de peculato e aos demais delitos contra Administração Pública, pois o bem jurídico tutelado pelo tipo penal incriminador é a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica.
4. Writ não conhecido.
(HC 310.458/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 06/10/2016, DJe 26/10/2016)
REFERÊNCIA:
ALMEIDA, Fernando Henrique de. Dos crimes contra a Administração Pública. São Paulo: RT, 1955.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1959. v. 9.
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