O JECRIM e a conexão: comentários ao enunciado nº 10 do FONAJE
Como descrito em texto anterior (veja aqui), os enunciados do FONAJE são de suma importância, especialmente para a defesa, que pode utilizá-los para prever futuras decisões dos Magistrados e, consequentemente, moldar a estratégia processual adequada, objetivando o melhor resultado possível para o acusado.
Neste texto, comentarei especificamente um desses enunciados.
O enunciado nº 10 do FONAJE explica: “Havendo conexão entre crimes da competência do Juizado Especial e do Juízo Penal Comum, prevalece a competência deste.”
Tenho visto com preocupação esse entendimento. Quando o art. 98, I, da Constituição Federal, prevê a competência dos Juizados para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, parece-me equivocado considerar que uma norma do Código de Processo Penal que trate da conexão tenha força normativa para afastar essa competência.
Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu: “A competência dos Juizados Especiais é absoluta, uma vez que fixada em razão da matéria, motivo pelo qual é indisponível, improrrogável e imodificável, impondo-se com força cogente ao juiz” (RHC 45.135/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 05/06/2014, DJe 12/06/2014).
A crítica que faço tem relação com as várias críticas já feitas no que concerne ao confronto entre foro por prerrogativa de função e conexão. Explico: imagine uma imputação contra um acusado que tem foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal (ex.: Senador) e outro que deve ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (ex.: Governador). Como é sabido, isso seria decorrência de uma disposição constitucional. Por outro lado, se aplicada a conexão, ambos seriam julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse caso, uma competência taxativa da Constituição (foro por prerrogativa de função daquele que deve ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça) seria superada por uma regra de fixação de competência prevista no Código de processo Penal (conexão), o que é criticável.
Trata-se, em suma, de equivocada leitura do Processo Penal, porque se analisa, primeiramente, o Código de Processo Penal, deixando a Constituição Federal para um segundo momento.
No caso dos Juizados Especiais Criminais, entendo que toda e qualquer infração penal de menor potencial ofensivo deve ser processada e julgada pelo JECRIM, com fulcro do art. 98, I, da Constituição, não sendo relevante se há conexão com crime que deve ser julgado pelo juízo comum ou se a soma da pena máxima de várias infrações penais de menor potencial ofensivo ultrapasse 2 anos.
No primeiro caso (conexão), não é possível que uma regra do Código de Processo Penal supere a competência descrita na Constituição. Quanto ao segundo caso (soma da pena máxima), a análise deve ser individual, avaliando se cada crime se amolda ou não ao conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, sob pena de se considerar, novamente, uma regra da legislação infraconstitucional (neste caso, o concurso material de crimes) para superar uma regra constitucional.
De qualquer forma, o art. 60, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95, afirma: “Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.”
Assim, ainda que, em razão de conexão ou continência, uma infração penal de menor potencial ofensivo seja apurada perante o juízo comum – fora do Juizado Especial Criminal –, continuam sendo plenamente aplicáveis a transação penal e a composição dos danos civis.
Por derradeiro, a ausência de menção da suspensão condicional do processo nesse dispositivo legal tem uma justificativa: esse instituto tem sua aplicação condicionada a um “quantum” de pena mínima. Logo, é possível que uma infração penal não seja da competência do Juizado Especial Criminal – que tem competência para o processamento e julgamento de contravenções penais e crimes com penas não superiores a 2 anos –, mas tenha pena mínima de 1 ano (como o furto simples), sendo cabível o oferecimento da suspensão condicional do processo.
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