O Delegado de Polícia
Como é sabido, a atribuição para instaurar o inquérito policial é do Delegado de Polícia (art. 5º do Código de Processo Penal). Entretanto, o procedimento jamais poderá ser arquivado exclusivamente na Delegacia, dependendo de requerimento do Ministério Público e decisão judicial.
É necessário questionar por quais motivos o Delegado não poderia ter mais “poder” ou liberdade na fase inquisitorial.
Ao contrário do que se imagina, não se deve confundir o aumento das possibilidades da autoridade policial com a ocorrência de arbitrariedades. Um Delegado que tivesse permissão legal para avaliar mais seriamente a presença dos elementos do crime poderia concretizar a tese de que o Direito Penal deve ser utilizado como “ultima ratio” na proteção de um bem jurídico.
A liberdade para aplicar o princípio da insignificância
Vejamos um exemplo: se uma pessoa vai à Delegacia e narra que outro indivíduo lhe deve algum valor, o Delegado, observando que não se trata de estelionato ou apropriação indébita, deixaria de instaurar um inquérito policial, considerando que o fato é atípico.
Nessa linha, por que o Delegado não poderia fazer a mesma coisa em relação ao furto de um objeto de valor insignificante? Ora, se o princípio da insignificância afasta a tipicidade da conduta, por qual motivo deveria ser instaurado um inquérito policial? Nesse diapasão, deveria ser admissível que o Delegado aplicasse o princípio da insignificância.
A concessão dessa liberdade ao Delegado evitaria que um processo fosse conduzido para que, ao final, fosse aplicado o mesmo princípio que já poderia ter sido reconhecido pela autoridade policial. Trata-se de uma interpretação que não apenas é favorável aos acusados (pois se cria mais um filtro da imputação), mas também à coletividade, porque se evita que a máquina estatal desperdice tempo e dinheiro com algo desnecessário.
O Delegado de Polícia e as excludentes de ilicitude
No mesmo sentido, seria plausível conceder à autoridade policial a permissão para aplicar as excludentes de ilicitude (art. 23 do Código Penal).
Constatando que o fato foi praticado em legítima defesa, por exemplo, a autoridade policial encerraria, desde o início, algo que, na prática, tem se arrastado até o plenário do júri, quando alguns Promotores pedem a absolvição por algo que nem precisariam ter denunciado, mas arrastaram até esse momento com o fito de criar um “capital de pedidos de absolvição” perante os jurados.
Consequências para o processo penal
Ademais, se o Delegado tivesse maior margem de atuação para aplicar as excludentes de tipicidade e ilicitude, teríamos mais chances de evitar que vários réus sofressem uma “pena” decorrente da tramitação do processo penal para que, ao final, fossem absolvidos, em típica justiça tardia (leia aqui).
Não permitir que o Delegado de Polícia deixe de instaurar um inquérito em caso de aplicação do princípio da insignificância ou diante de uma excludente de ilicitude é exigir que alguém – que não praticou um crime – seja submetido a um inquérito policial para que, depois de alguns meses ou anos, o Promotor requeira o seu arquivamento.
É necessário impor a um inocente esse sofrimento temporal? Se um Delegado possui conhecimento jurídico suficiente para indiciar alguém, em caso de prática de um crime, por que não poderia reconhecer que não há crime e, por consequência, não instaurar o inquérito policial?
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