No REsp 1.444.699-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 1/6/2017, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o fato de os delitos terem sido cometidos em concurso formal não autoriza a extensão dos efeitos do perdão judicial concedido para um dos crimes, se não restou comprovado, quanto ao outro, a existência do liame subjetivo entre o infrator e a outra vítima fatal (clique aqui).
Informações do inteiro teor:
A matéria tratada nos autos consiste em averiguar a possibilidade de concessão do perdão judicial (art. 121, § 5º do CP) a autor de crime culposo de trânsito, que, mediante uma única ação imprudente, leva duas vítimas a óbito, independentemente de haver prova de que mantivesse fortes vínculos afetivos com uma das vítimas fatais. Sob esse prisma, cumpre observar que, quando a avaliação está voltada para o sofrimento psicológico do autor do crime, a melhor doutrina enxerga no § 5º do art. 121 do CP a exigência de um vínculo, de um laço prévio de conhecimento entre os envolvidos, para que seja “tão grave” a consequência ao agente a ponto de ser despicienda e até exacerbada outra pena, além da própria dor causada, intimamente, pelo dano provocado ao outro.
No que toca ao instituto do concurso formal, ao se analisar a literalidade do art. 70 do CP, verifica-se que, a um primeiro olhar, trata-se de um sistema de exasperação da pena, ou seja, nos casos de concurso formal próprio ou homogêneo, a pena a ser aplicada deverá ser a de um dos delitos, aumentada de um sexto até a metade. Dessa forma, o percentual de aumento deve ter relação com o número de resultados e vítimas, e não com as circunstâncias do fato.
Quis o legislador, com isso beneficiar o acusado ao lhe fixar somente uma das penas, mas acrescendo-lhe uma cota-parte que sirva para representar a punição por todos os delitos, porquanto derivados da mesma ação ou omissão do agente. Note-se, porém, que não há referência à hipótese de extensão da absolvição, da extinção da punibilidade, ou mesmo da redução da pena pela prática de nenhum dos delitos. Dispõe, entretanto, o art. 108 do Código Penal, in fine, que, “nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão”.
Assim, tratando-se o perdão judicial de uma causa de extinção de punibilidade excepcional, que somente é cabível quando presentes os requisitos necessários à sua concessão, esses preceitos de índole atípica devem ser os balizadores precípuos para a aferição de sua concessão ou não, levando-se em consideração cada delito de per si, e não de forma generalizada, como nos casos em que se afiguram pluralidades de delitos decorrentes do concurso formal de crimes.
Confira a ementa do REsp 1.444.699/RS:
RECURSO ESPECIAL. DUPLO HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. CONCURSO FORMAL. ART. 302, CAPUT, DA LEI N. 9.503/1997, C/C ART. 70 DO CP. MORTE DE NAMORADO E DO AMIGO. PERDÃO JUDICIAL. ART. 121, § 5º, DO CÓDIGO PENAL. CONCESSÃO. VÍNCULO AFETIVO ENTRE RÉU E VÍTIMAS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA N. 7 DO STJ. EXTENSÃO DOS EFEITOS PELO CONCURSO FORMAL. INVIABILIDADE. SISTEMA DE EXASPERAÇÃO DA PENA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CAUSA EXCEPCIONAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Conquanto o texto do § 5º do art. 121 do Código Penal não tenha definido o caráter e a extensão das consequências do crime imprescindíveis à concessão do perdão judicial, não deixa dúvidas quanto à forma grave com que elas devem ter atingido o agente, a ponto de tornar desnecessária e até mesmo exacerbada a aplicação de sanção penal.
2. A análise do grave sofrimento, apto a ensejar a inutilidade da função retributiva da pena, deve ser aferida de acordo com o estado emocional de que é acometido o sujeito ativo do crime, em decorrência da sua ação culposa, razão pela qual a doutrina, quando a avaliação está voltada para o sofrimento psicológico do agente, enxerga no § 5º a exigência da prévia existência de um vínculo, de um laço de conhecimento entre os envolvidos, para que seja “tão grave” a consequência do crime ao agente. Isso porque a interpretação dada é a de que, na maior parte das vezes, só sofre intensamente aquele réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos.
3. Assim, havendo o Tribunal a quo entendido não estar demonstrado nos autos, de forma inconteste, que o acusado mantinha, embora de natureza diversa, fortes vínculos afetivos com ambas as vítimas, de modo a justificar o profundo sofrimento psíquico derivado da provocação de suas mortes, não há que se falar em malferimento à lei federal, pois inviável, consoante precedentes desta Corte Superior, a dupla aplicação do perdão judicial. 4. Entender pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma fenda na lei, que se entende não haver desejado o legislador, pois, além de difícil aferição – o tão intenso sofrimento -, serviria como argumento de defesa para todo e qualquer caso de delito de trânsito com vítima fatal.
5. A revisão desse entendimento, tal qual perquirido pelo recorrente, que afirma existir farto acervo probatório a demonstrar os laços de amizade com a segunda vítima, demandaria imersão vertical sobre o conjunto fático-probatório delineado nos autos, procedimento vedado em recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ.
6. Malgrado a instituição do concurso formal de crimes tenha intensão de beneficiar o acusado, estabelecendo o legislador um sistema de exasperação da pena que fixa a punição com base em apenas um dos crimes, não se deixou de acrescentar a previsão de imposição de uma cota-parte, apta a representar a correção também pelos demais delitos. Ainda assim, não há referência à hipótese de extensão da absolvição, da extinção da punibilidade, ou mesmo, da redução da pena pela prática de nenhum dos delitos, tanto que dispõe, o art.
108 do Código Penal, in fine, que, “nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão”. 7. Tratando-se o perdão judicial de uma causa de extinção da punibilidade de índole excepcional, somente pode ser concedido quando presentes os seus requisitos, devendo-se analisar cada delito de per si, e não de forma generalizada, como quando ocorre a pluralidade de delitos decorrentes do concurso formal de crimes.
8. Recurso especial não provido.
(STJ, Sexta Turma, REsp 1444699/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 01/06/2017)
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