No REsp 1.544.036-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 14/9/2016, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que é recomendável que cada autorização de saída temporária do preso seja precedida de decisão judicial motivada. Entretanto, se a apreciação individual do pedido estiver, por deficiência exclusiva do aparato estatal, a interferir no direito subjetivo do apenado e no escopo ressocializador da pena, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a possibilidade de fixação de calendário anual de saídas temporárias por ato judicial único, observadas as hipóteses de revogação automática do art. 125 da LEP (clique aqui).
Informações do inteiro teor:
A Terceira Seção do STJ, no julgamento dos REsps 1.166.251-RJ (DJe 4/9/2012) e 1.176.264-RJ (DJe 3/9/2012), em análise de matéria repetitiva, fixou a interpretação do art. 122 e seguintes da LEP, relacionados à saída temporária. Os precedentes deram ensejo à tese firmada sob o Tema 445: “A autorização das saídas temporárias é ato jurisdicional da competência do Juízo das Execuções Penais. Não é possível delegar ao administrador do presídio a fiscalização sobre diversas saídas temporárias, por se tratar de atribuição exclusiva do magistrado das execuções penais, sujeita à ação fiscalizadora do Ministério Público.” Também ensejaram esses precedentes a edição da Súmula n. 520 do STJ, verbis: “O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional.”
Vê-se que a jurisprudência majoritária do STJ repudia as denominadas saídas temporárias em bloco ou automatizadas, por meio de ato judicial único, na medida em que cada saída temporária deve ser precedida de decisão motivada do Juízo da execução, com a intervenção do Ministério Público, sem a possibilidade de delegar ao administrador do presídio a escolha da data em que o reeducando usufruirá do benefício. Contudo, insta destacar que o respeito aos precedentes também envolve o dever de aperfeiçoá-los, adaptá-los ou mesmo revogá-los, quando não mais correspondam aos padrões de congruência social e de consistência sistêmica, conforme doutrina.
Com efeito, a deficiência do aparato estatal e a exigência de decisão isolada para cada saída temporária – dada a necessidade de cumprimento de diversas diligências para instrução e posterior decisão do pleito – estão a ocasionar excessiva demora na análise do direito dos apenados, com inexorável e intolerável prejuízo ao seu processo de progressiva ressocialização, objetivo-mor da execução das sanções criminais, conforme deixa claro o art. 1º da Lei n. 7.210/1984 (“Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”).
Inclusive, o STF, em diversas oportunidades, ao analisar acórdãos do STJ apoiados nos recursos repetitivos já referidos, concedeu habeas corpus para reconhecer a possibilidade de renovação periódica da saída temporária, que “permite ao juízo das execuções penais programar, observados os restritos limites legais, as saídas subsequentes à da concessão do benefício, a fim de inibir eventual delonga ou até mesmo impossibilidade no usufruto da saída não vigiada” (HC 129.167-RJ, Segunda Turma, DJe 11/12/2015).
Nesse contexto, as autorizações de saída temporária não podem, na sua concreta aplicação, negligenciar a natureza desse instituto, concebido como instrumento integrativo voltado para o restabelecimento do vínculo familiar e para a reaproximação do recluso com a sociedade. É, por conseguinte, inoportuno e atentatório à dignidade que o condenado permaneça no regime semiaberto e, por mera e exclusiva deficiência estrutural e funcional do aparato estatal, não tenha condições de usufruir o benefício em questão, apesar de preencher os requisitos legais.
A situação de carência do aparato judicial reforça a necessidade de modificação da Tese 445 do STJ, para o fim de concretizar o benefício das saídas temporárias, sem retirar, por certo, da autoridade judiciária a competência para a análise dos requisitos objetivo e subjetivo do benefício, sob a fiscalização do Ministério Público. Pela estabilidade e pela coerência da interpretação do art. 123 da LEP, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a possibilidade de a autoridade judicial, em única decisão motivada, autorizar saídas 3 temporárias anuais previamente programadas, observadas as hipóteses de revogação automática do art. 125 da LEP.
Ressalte-se que a autorização continuará a ser deferida por ato do Juízo da execução, ouvidos previamente o Ministério Público e a administração penitenciária, e dependerá da satisfação dos requisitos legais, idênticos para os benefícios futuros. A meta continua a ser a análise individual e célere de cada saída temporária, de modo a proporcionar aos reeducandos a almejada jurisdição e a gradativa reinserção no meio familiar e social.
Entretanto, se a tramitação individual de cada pedido estiver, por questões locais, a interferir no direito subjetivo do apenado e a ocasionar demora excessiva do Judiciário para proferir decisões sobre o benefício, por carência exclusiva do aparato estatal, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a possibilidade de o juiz estabelecer calendário prévio de saídas temporárias anuais em ato judicial único, respeitadas as hipóteses de revogação automática do benefício.
Confira a ementa do REsp 1.544.036/RJ (Recurso Repetitivo Tema 445):
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. EXECUÇÃO PENAL. AUTORIZAÇÃO DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS. ATO JUDICIAL ÚNICO. EXCEPCIONALIDADE. DELEGAÇÃO DE ESCOLHA DAS DATAS À AUTORIDADE PRISIONAL. IMPOSSIBILIDADE. LIMITE ÂNUO DE 35 DIAS. HIPÓTESE DO ART. 122, I E III, DA LEP. PRAZO MÍNIMO DE 45 DIAS DE INTERVALO ENTRE OS BENEFÍCIOS. RECURSO PROVIDO. REVISÃO DO TEMA N. 445 DO STJ.
1. Recurso especial processado sob o regime previsto no art. 1.036 do CPC, c/c o art. 3º do CPP.
2. A autorização das saídas temporárias é benefício previsto nos arts. 122 e seguintes da LEP, com o objetivo de permitir ao preso que cumpre pena em regime semiaberto visitar a família, estudar na comarca do juízo da execução e participar de atividades que concorram para o retorno ao convívio social.
3. Cuida-se de benefício que depende de ato motivado do juiz da execução penal, ouvido o Ministério Público e a administração penitenciária, desde que o preso tenha comportamento adequado, tenha cumprido o mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente, e haja compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
4. É de se permitir a flexibilização do benefício, nos limites legais, de modo a não impedir que seu gozo seja inviabilizado por dificuldades burocráticas e estruturais dos órgãos da execução penal. Assim, exercendo seu papel de intérprete último da lei federal e atento aos objetivos e princípios que orientam o processo de individualização da pena e de reinserção progressiva do condenado à sociedade, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, estabelece, dado o propósito do julgamento desta impugnação especial como recurso repetitivo, as seguintes teses: Primeira tese: É recomendável que cada autorização de saída temporária do preso seja precedida de decisão judicial motivada. Entretanto, se a apreciação individual do pedido estiver, por deficiência exclusiva do aparato estatal, a interferir no direito subjetivo do apenado e no escopo ressocializador da pena, deve ser reconhecida, excepcionalmente, a possibilidade de fixação de calendário anual de saídas temporárias por ato judicial único, observadas as hipóteses de revogação automática do art. 125 da LEP. Segunda tese: O calendário prévio das saídas temporárias deverá ser fixado, obrigatoriamente, pelo Juízo das Execuções, não se lhe permitindo delegar à autoridade prisional a escolha das datas específicas nas quais o apenado irá usufruir os benefícios. Inteligência da Súmula n. 520 do STJ.
Terceira tese: Respeitado o limite anual de 35 dias, estabelecido pelo art. 124 da LEP, é cabível a concessão de maior número de autorizações de curta duração. Quarta tese: As autorizações de saída temporária para visita à família e para participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, se limitadas a cinco vezes durante o ano, deverão observar o prazo mínimo de 45 dias de intervalo entre uma e outra. Na hipótese de maior número de saídas temporárias de curta duração, já intercaladas durante os doze meses do ano e muitas vezes sem pernoite, não se exige o intervalo previsto no art. 124, § 3°, da LEP.
5. No caso concreto, deve ser reconhecida a violação do art. 123 da LEP, por indevida delegação de escolha das datas da fruição do benefício à autoridade prisional.
6. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a violação tão somente do art. 123 da LEP, mantido, no mais, o acórdão impugnado. Modificação do Tema n. 445 do STJ, nos termos das teses ora fixadas.
(STJ, Terceira Seção, REsp 1544036/RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/09/2016)
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