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Evinis Talon

O falso moralismo penal: o caso dos jogos de azar e outras “imoralidades”

08/05/2018

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O falso moralismo penal: o caso dos jogos de azar e outras “imoralidades”

Estamos no século XXI, com uma legislação do século XX e legisladores que pensam como se estivessem no século XIX.

A nossa legislação é marcada por fragmentos históricos de um moralismo exagerado que parece transmitir aos Juízes uma confiança para que continuem fazendo juízos morais, inclusive no processo penal. Alguns tipos penais refletem valores de outrora, já superados por uma evolução histórica cada vez mais acelerada.

O adultério, por exemplo, somente deixou de ser crime por meio da Lei nº 11.106, de 2005. Portanto, essa conduta não é crime há apenas 13 anos. Aliás, por meio da mesma lei, também deixaram de ser crime a sedução, o rapto violento e o rapto consensual. Até a publicação da referida lei, vigorava uma ideia moralista de que tais condutas mereceriam a tutela do Direito Penal, ainda que este somente devesse tutelar os bens jurídicos mais relevantes e, mesmo assim, quando os outros ramos do Direito fossem insuficientes.

Aliás, na Lei das Contravenções Penais, o nível de moralismo é ainda maior. Basta notar que, na Parte Especial, o Capítulo VII se chama “Das contravenções relativas à polícia de costumes”.

Na supracitada lei, encontramos as contravenções referentes à exploração de jogos de azar (art. 50) e a realização ou exploração do jogo do bicho (art. 58).

Alguém poderia dizer que essa lei de 1941 reflete o moralismo daquela época, mas o legislador sabe da necessidade de alterá-la para que esteja de acordo com os tempos atuais.

Entretanto, algumas observações devem ser feitas.

De início, insta salientar que o PLS 186/2014, que pretendia legalizar os jogos de azar no Brasil, foi rejeitado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal no dia 7 de março de 2018 (leia aqui). Portanto, constata-se que o moralismo continua no Legislativo.

Além disso, em 2015, o art. 50, §2º, da Lei das Contravenções Penais, foi alterado para prever o seguinte: “Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador.”

Portanto, o moralismo Legislativo foi além: dentro do tipo penal relativo à contravenção da exploração de jogo de azar, passou a prever a conduta de quem faz a aposta, inclusive pela internet.

Nesse ponto, os legisladores ignoram as inúmeras propagandas de sites de apostas que são realizadas em vários canais, sobretudo nos canais esportivos da TV a cabo, que são diuturnamente aceitas pela sociedade. Ignoram, ainda, que muitas pessoas realizam essas apostas nos mais diversos ambientes (bancas, sites etc.), fazendo parte da realidade de inúmeros brasileiros.

Destarte, há um falso moralismo disciplinado como infração penal. Aliás, o falso moralista é aquele que prega a “moral e os bons costumes”, mas adota padrões diversos em sua vida.

Geralmente, os políticos são os maiores exemplos de falsos moralistas na sociedade atual, pois, ironicamente, são os que sofrem inúmeras investigações por crimes que a população considera repugnantes (corrupção, por exemplo).

De fato, a decisão política sobre uma legislação moralista em relação ao Direito Penal compete, especificamente, a falsos moralistas. Seriam os legisladores os indivíduos com um padrão moral exemplar a ser seguido e imposto ao restante da sociedade?

Podemos pensar também em um “moralismo político internacional”. Nesse caso, o Brasil instituiu a Lei Antiterrorismo, que já analisei em outro texto (leia aqui), quando, na verdade, a preocupação com atos de terrorismo não é algo comum aos brasileiros. Tentou-se, de certa forma, seguir o padrão internacional, utilizando uma percepção dessa necessidade de acordo com as pretensões dos Estados Unidos e da Europa.

Por derradeiro, há um moralismo judicial. Muitos Juízes tentam aplicar a lei de forma rígida e rigorosa (inclusive com mais rigor do que o previsto em lei) para “dar exemplo” (leia aqui). Contudo, será que os nossos Juízes, que atrasam os processos, aproveitam longas férias e recebem inúmeros auxílios, são exemplos de algo? Novamente, o falso moralismo de quem recebe auxílio-moradia, mas prende e pune para “dar exemplo” à sociedade. Aliás, com o discurso de “combate à criminalidade”, alguns Juízes tentam ser exemplos de qualquer coisa (Promotores, Policiais, justiceiros, heróis de revistas em quadrinhos etc.), menos de Juízes, que sempre deveriam ser imparciais.

Enfim, o falso moralismo penal tem seguido um ditado popular: “faça o que eu falo, mas não o que eu faço”.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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