Execução penal: o direito de visita
Quanto ao direito de visita do preso, dispõe o art. 41 da Lei de Execução Penal:
Art. 41 – Constituem direitos do preso: […]
X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
O direito de visita ao preso nos estabelecimentos prisionais ocorre, principalmente, em razão do fato de que o convívio familiar auxilia no seu processo de ressocialização.
Em curiosa decisão, o STJ entendeu recentemente que o fato de o apenado estar no regime semiaberto não dá ao condenado o direito de visitas periódicas ao lar:
[…] 1. Consoante precedentes desta Corte Superior, a progressão do sentenciado para o regime semiaberto não lhe confere, como consequência necessária, o direito à visitação periódica ao lar. 2. No caso, as instâncias ordinárias indeferiram o pedido, com fulcro no art. 123, III, da Lei de Execução Penal, sob o fundamento de que o benefício não se mostrava compatível com os objetivos da pena, revelando-se prematuro, ao menos naquele momento, inexistindo constrangimento ilegal a ser sanado. […] (STJ, Sexta Turma, AgInt no HC 410.342/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/11/2017)
Todavia, questiona-se: está correta a parte da ementa que fala sobre a (in)compatibilidade com os objetivos da pena?
Aliás, é bastante comum vermos pedidos de visitação serem indeferidos sob o argumento de que não está comprovado o vínculo afetivo ou familiar, dentre outros fundamentos semelhantes.
Todavia, basta uma leitura atenta do art. 41, X, da Lei de Execução Penal, para perceber que a visita ao preso não pode ser limitada pelo grau de parentesco. Ademais, esse dispositivo legal menciona, na parte final, “parentes e amigos”. Logo, mesmo que não se comprove o vínculo afetivo ou familiar (casamento ou união estável, por exemplo) ainda seria possível a visita na condição de amigo(a).
Contudo, muitos estabelecimentos prisionais e até mesmo os próprios Juízes das Varas de Execução Criminal restringem indevidamente as pessoas que podem realizar as visitas, como se somente cônjuges, companheiros, pais e filhos pudessem visitar o preso. Trata-se de uma daquelas situações em que a lei é diuturnamente violada pela prática.
Interpretando adequadamente o art. 41, X, da Lei de Execução Penal, o Superior Tribunal de Justiça proferiu recentemente uma decisão de natureza ímpar:
[…] 2. O direito do preso de receber visitas, assegurado pelo art. 41, X, da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1.984), não é absoluto e deve ser sopesado, de acordo com a situação específica vivenciada no caso concreto, em conjunto com outros princípios, dentre os quais o que visa a garantir a disciplina e a segurança dentro dos estabelecimentos prisionais, velando, por consequência, também pela integridade física tanto dos reclusos quanto dos que os visitam. […] 4. No entanto, ao limitar o grau de parentesco das pessoas que podem ser incluídas no rol de visitantes do reeducando a parentes de 2º grau, o art. 99 da Resolução SAP 144, de 29/06/2010, que instituiu o Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo, desbordou de sua competência, tratando de matéria não afeta ao poder disciplinar, na medida em que não cabe à autoridade prisional pré-definir o nível de importância que os parentes têm para os reeducandos, elegendo alguns que têm mais direito a visitá-los do que outros. A regra não leva em conta a possibilidade de existência de um vínculo afetivo significativo entre uma tia e um sobrinho que, por exemplo, tenha ajudado a criar, ou mesmo que exerça a figura de efetiva educadora do sobrinho em virtude da circunstancial ausência dos pais. 5. Da mesma forma, ao restringir a possibilidade de ingresso no rol de visitantes do preso de parentes mais distantes à inexistência de parentes mais próximos, a Resolução (art. 101, § 1º) desborda de sua competência e, sem nenhuma justificativa razoável para tanto, impõe limitação não constante no art. 41, X, da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1.984). […] 8. Recurso provido, para determinar à autoridade apontada como coatora que não crie óbices à inclusão do nome da impetrante (tia do detento) no rol de visitas do reeducando em virtude de nele já constar o nome de sua mãe e de sua companheira que o visitam frequentemente (ou mesmo de outros parentes até 2º grau), se forem ditos óbices fundados unicamente na restrição posta no caput do art. 99 e no § 1º do art. 101 da Resolução SAP 144, de 29/06/2010. (STJ, Quinta Turma, RMS 56.152/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, julgado em 03/04/2018)
Trata-se de uma das decisões mais importantes para a Execução Penal nos últimos tempos, porque aborda legalmente o direito de visitas, evitando indevidas (e ilegais) limitações quanto aos indivíduos que podem visitar os presos. Apesar de se tratar de um vício na competência – não caberia ao Regimento tratar dessa matéria –, insta notar que há uma nítida discordância em relação à Lei de Execução Penal, que é uma lei federal.
Portanto, a decisão é correta, pois cabe ao preso e à sua família decidirem quais parentes têm mais contato e intimidade com o apenado, e não aos diretores dos presídios ou Juízes, que desconhecem a situação da família.
O direito de visita deve ser ampliado o máximo possível, considerando que o paulatino retorno ao convívio externo contribui efetivamente para a ressocialização. Obviamente, o limite seria a manutenção da disciplina e da ordem no interior dos estabelecimentos prisionais. De qualquer forma, com o rígido controle realizado para o ingresso de visitas no sistema carcerário (alguns estabelecimentos ainda realizam a visita íntima), raramente haveria algum risco na visita, por exemplo, de sobrinhos, tios, primos e amigos.
Sempre deve ser analisado o caso concreto e, em algumas hipóteses, será justificável a limitação, ainda que temporária, da visita, como no caso de visitante que já tentou ingressar com objetos proibidos no estabelecimento, como drogas, armas e celulares.
Nesse diapasão, a jurisprudência entende que “o direito do preso à visitação não é absoluto e pode ser restringido mediante ato motivado” (STJ, Sexta Turma, REsp 1690426/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/10/2017). Nesse caso, a companheira do preso havia sido condenada por tráfico de drogas justamente porque havia tentado ingressar com entorpecentes no presídio num dia de visitação.
Nessas hipóteses, a limitação deve ser bem fundamentada e guardar relação com a ordem e a disciplina no estabelecimento prisional, conforme já referido. Não basta a mera especulação sobre o risco de que ocorra algo. É necessário que exista um fundamento concreto, sério e atual que justifique a restrição, parcial e temporária, desse direito que é tão importante para a ressocialização dos apenados.
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