A pena em abstrato: observando as consequências e prevendo eventual pena
O art. 59, incisos I e II, do Código Penal, afirma que o Juiz estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, as penas aplicáveis dentre as cominadas e a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.
Ao utilizar as expressões “dentre as cominadas” e “dentro dos limites previstos”, o legislador determinou o respeito às penas instituídas de forma abstrata, que integram o preceito secundário de cada tipo penal.
No crime de homicídio simples (art. 121, “caput”, do Código Penal), por exemplo, após a definição da conduta criminosa no preceito primário (“matar alguém”), o legislador instituiu que a pena prevista é de reclusão, de seis a vinte anos. Portanto, a pena cominada é de reclusão, tendo como quantidade possível seis a vinte anos.
A defesa deve analisar atentamente se a pena é de reclusão ou de detenção, considerando que, no primeiro caso, será possível qualquer regime (fechado, semiaberto ou aberto), mas, no caso de detenção, não é possível o regime inicial fechado, havendo possibilidade apenas de início no regime semiaberto ou aberto, nos termos do art. 33 do Código Penal.
Da mesma forma, tendo ciência da quantidade de pena prevista no tipo penal, surgem possibilidades processuais e relativas à dosimetria da pena.
No que concerne às possibilidades processuais, cita-se, por exemplo, a competência do Juizado Especial Criminal, que exigirá uma análise da natureza da infração penal, ou seja, se é uma infração penal de menor potencial ofensivo, caso a lei comine pena máxima não superior a 2 anos, cumulada ou não com multa (art. 61 da Lei 9.099/95).
Tratando-se de infração penal de menor potencial ofensivo, será cabível o oferecimento da transação penal, se preenchidos os requisitos legais (art. 76 da Lei 9.099/95).
Por outro lado, mesmo que não se trate de infração penal de menor potencial ofensivo, se a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 ano, caberia o oferecimento da suspensão condicional do processo, caso estejam preenchidos os outros requisitos (art. 89 da Lei 9.099/95).
Essas são apenas algumas possibilidades processuais que dependem das penas cominadas na legislação, isto é, necessitam de uma análise da pena abstrata.
Quanto à dosimetria da pena, ponto central deste texto, a análise da defesa pode ser prévia ou posterior à sentença.
Uma análise prévia das penas cominadas permite ao Advogado avaliar e prever – ainda que sem garantia de certeza – qual será a pena (regime e quantidade) em caso de condenação. Tratando-se de um crime que tenha pena de detenção, de 1 a 4 anos, é provável que lhe seja imposta uma pena entre 1 e 2 anos no regime aberto, salvo reincidência, circunstâncias judiciais negativas e outros fatores que aumentem (agravantes e causas de aumento) ou diminuam (principalmente causas de diminuição, como a tentativa, considerando que prepondera o entendimento de que atenuantes não podem diminuir a pena abaixo do mínimo legal) a pena. Evidentemente, tudo dependerá do caso concreto, mas é possível fazer algumas previsões.
Aliás, no momento de apresentar eventuais teses subsidiárias de desclassificação para infrações menos graves, o Advogado precisará analisar quais serão as consequências do êxito nessa alegação. Em outras palavras, qual é a diferença entre as penas cominadas para a infração imputada na exordial acusatória e aquelas relativas à infração para a qual se pretende desclassificar? Se a diferença for insignificante, deve-se perquirir se vale a pena adotar a tese de desclassificação como estratégia do interrogatório. Logo, a análise de uma tese de desclassificação é também uma avaliação das penas em abstrato.
Como se observa, a defesa, pensando nas penas em abstrato, terá duas finalidades:
1. desclassificar para uma infração que tenha penas abstratas menores que as da infração imputada na denúncia ou queixa;
2. manter a pena o mais perto possível do mínimo previsto no tipo penal, especialmente nas duas primeiras fases da dosimetria, que, segundo entendimento preponderante, não podem resultar em uma pena-base ou uma pena provisória abaixo do mínimo legal. Mantendo a pena no mínimo legal nas duas fases iniciais da dosimetria, a incidência de eventuais causas de diminuição ou de aumento de pena será realizada no melhor cenário possível, com possibilidade de que se defenda o máximo de redução possível pela aplicação da minorante e o afastamento da majorante ou seu aumento no mínimo possível, em ambos os casos considerando, repita-se, a pena mínima.
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