A investigação defensiva durante a investigação oficial
Como é sabido, o inquérito policial é dispensável (arts. 12, 27, 39, §5º e 46, §1º, todos do CPP), mas, em regra, é amplamente utilizado como procedimento para investigar e subsidiar a exordial acusatória.
Ademais, prepondera o entendimento de que eventuais vícios ocorridos no inquérito policial não contaminam o processo, além de ser considerado um procedimento pré-processual que não tem contraditório ou, no mínimo, terá um contraditório diferido ou postergado. Nesse sentido, o STJ:
(…)
I – É cediço que o inquérito policial é peça meramente informativa, de modo que o exercício do contraditório e da ampla defesa, garantias que tornam devido o processo legal, não subsistem no âmbito do procedimento administrativo inquisitorial. Precedentes.
(…)
(RHC 57.812/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 22/10/2015)
Outrossim, também é relevante asseverar que o Ministério Público exerce o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da Constituição Federal) e, como titular da ação penal pública, tem grande ingerência na investigação, inclusive com constantes manifestações sobre diligências.
Ainda, a participação de Advogados no inquérito policial é mínima, muitas vezes sem qualquer comunicação para que participem da oitiva de testemunhas. O acesso aos autos do inquérito policial, uma das questões mais básicas, encontra obstáculos na prática, como a absurda exigência de procuração, quiçá uma petição requerendo o acesso. Em alguns lugares, chega-se a um absurdo ainda maior: aguardar a deliberação do Delegado de Polícia sobre deferir ou não o acesso do Advogado aos autos do inquérito.
Conquanto exista previsão de requerer diligências no inquérito policial (art. 14 do CPP), é comum que se defenda a discricionariedade do Delegado para deferir ou não as medidas requeridas. Como regra, as chances de deferimento dos pedidos de diligências formulados pelo Advogado do investigado são mínimas.
Por esses motivos, o inquérito policial virou um instrumento de busca incessante da autoria e da materialidade, muitas vezes sem a consideração de outras linhas de investigação que poderiam favorecer o investigado e justificar, v. g., o arquivamento do inquérito.
Assim, a investigação defensiva pode funcionar como um instrumento para efetivar a paridade de armas na persecução penal, propiciando-a na fase de investigação, mas posteriormente repercutindo na fase processual.
Nesse sentido, Oliveira (2008, p. 21) demonstra que a atuação defensiva no inquérito repercutirá durante toda a persecução penal:
Impulsionar o conhecimento da argumentação contrária aos pontos de vista da Defesa, logo no momento da Acusação, se este vier a ter lugar. Pela intervenção da Defesa nas investigações criminais e pela exploração das suas teses iniciais por parte das autoridades judiciárias, o defensor obterá ainda um precioso contributo para a reavaliação da direcção da Defesa, em toda a sua actuação subsequente. Isto, porque os resultados das diligências de investigação requeridas passarão a constar do Inquérito e, certamente, sobre tais resultados as entidades judiciárias terão de pronunciar-se.
Também é importante observar que aquilo que interessa ao investigado não necessariamente estará alinhado ao que as autoridades pretendem obter nas investigações oficiais, motivo pelo qual pode ser difícil contribuir para o inquérito policial se a contribuição não for bem-vinda. Logo, não se deve apenas tentar participar ativamente da investigação oficial, mas também instaurar e presidir a própria investigação, qual seja, a investigação criminal defensiva.
Além do inquérito policial, também seria admissível realizar a investigação defensiva durante outras investigações oficiais, como o inquérito policial militar, as comissões parlamentares de inquérito e as investigações relativas a autoridades com foro por prerrogativa de função.
Em tese, nada impediria a realização da investigação defensiva durante o termo circunstanciado. Entrementes, a forma como é lavrado, muitas vezes sendo concluído no mesmo dia do fato, poderia ser um empecilho ao desenvolvimento da investigação defensiva.
Da mesma forma, caso exista um procedimento que apure fatos em outras áreas, mas que tenha o condão de repercutir na seara criminal, como o inquérito civil público e o procedimento administrativo disciplinar contra servidor público, a investigação criminal defensiva poderá ser um instrumento preparatório e uma estratégia de antecipação contra eventual persecução penal.
Por derradeiro, as investigações oficiais podem ser utilizadas como parâmetro de avaliação do que ainda precisa ser produzido pela defesa, isto é, o Advogado ou Defensor Público poderá, ao examinar os autos da investigação oficial, traçar a estratégia da investigação defensiva quanto às diligências que ainda precisam ser desenvolvidas. Nas palavras de Oliveira (2008, p. 25), “pode o arguido partir da avaliação que fez das investigações judiciárias para a investigação de factos e recolha de meios de prova, por sua conta, em sentidos que se lhe mostrem convenientes”.
Referência:
OLIVEIRA, Francisco da Costa. A defesa e a investigação do crime. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2008.
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