Recentemente, o torcedor brasileiro presenciou o conhecidíssimo narrador Galvão Bueno se irritando após a transmissão de um jogo da seleção brasileira masculina de futebol, durante a Olimpíada realizada no Rio (veja aqui). O motivo da irritação não foi tanto o futebol apresentado, mas sim a ausência de declarações por parte dos jogadores, que se recusaram a falar após o jogo.
Pergunta-se: em tempos de declarações repetidas, haveria necessidade de ouvi-los? Se o time vence, a declaração é “graças a Deus, conquistamos os 3 pontos”. Se perde, falam “o time jogou bem, mas não tivemos sorte”. Outras declarações também são comuns, como “o adversário é forte e devemos respeitá-lo” e “não há mais bobo no futebol”. Essa é a argumentação futebolística.
Infelizmente, o Direito está (sobre)carregado de argumentações futebolísticas, ou seja, expressões e termos padronizados que são cabíveis em todas as situações. Quando a expressão não se amolda ao fato, muda-se o fato.
Alguns exemplos das argumentações futebolísticas no Direito são:
– “Ofensa à dignidade da pessoa humana”;
– “É nulo porque viola a Constituição”;
– “Viola o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal”;
– “Viola os direitos humanos”;
– “Ofensa ao princípio da igualdade”.
Há inúmeros outros exemplos que, normalmente, são utilizados sem um “pois”, “porquanto” ou “porque”. Fala-se: “a decisão judicial viola o princípio do contraditório e, por isso, deve ser anulada”. Falta o complemento: “porque, no caso concreto, a parte não foi intimada para se manifestar sobre o documento X, que foi utilizado como fundamento explícito da decisão.”
Noutros termos, há expressões que são empregadas sem uma relação concreta com o caso sub judice. São verdadeiros “argumentos de autoridade” que bastam por si sós e que não necessitam de explicação. Exemplo: Analisando o inteiro teor do acórdão da ADPF nº 54, observa-se que o STF empregou a expressão “dignidade” 299 vezes, mas em nenhum momento a conceituou. Pronto! Conquistamos os 3 pontos e não interessa se foi 4-4-2 ou 3-5-2. O “conquistamos os 3 pontos” do futebol é a “dignidade” das decisões do STF.
Tentando solucionar essa fundamentação genérica e cabível para qualquer caso, o Novo Código de Processo Civil disciplinou hipóteses em que a decisão judicial não será considerada fundamentada:
Art. 489, § 1o, do CPC: Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Espera-se que, com o novo regramento, diminua a utilização de argumentos futebolísticos no Direito… e todos possam “jogar pelo bem da equipe”.