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Evinis Talon

STJ: é ilícita sanção jurídica mais grave contra quem atue com dolo eventual, enquanto menos grave a sanção jurídica destinada a quem atue com dolo direto

31/08/2019

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Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 101.531/MG, julgado em 22/04/2008 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

Receptação/receptação qualificada (punibilidade menor/maior). Lei nº 9.426/96 (imperfeições). Norma/preceito secundário (desconsideração). 1. É nossa a tradição da menor punibilidade da receptação, “em confronto com o crime de que deriva” (por exemplo, Hungria em seus comentários). 2. Fruto da Lei nº 9.426/96, o § 1º do art. 180 do Cód. Penal ? receptação qualificada ? reveste-se de imperfeições ? formal e material. É que não é lícita sanção jurídica maior (mais grave) contra quem atue com dolo eventual (§ 1º), enquanto menor (menos grave) a sanção jurídica destinada a quem atue com dolo direto (art. 180, caput). 3. Há quem sustente, por isso, a inconstitucionalidade da norma secundária (violação dos princípios da proporcionalidade e da individualização); há quem sustente a desconsideração de tal norma (do § 1º, é claro). 4. Adoção da hipótese da desconsideração, porque a declaração, se admissível, de inconstitucionalidade conduziria, quando feita, a semelhante sorte, ou seja, à desconsideração da norma secundária (segundo os kelsenianos, da norma primária, porque, para eles, a primária é a norma que estabelece a sanção ? negativa, também a positiva). 5. Ordem concedida a fim de substituir-se a reclusão de três a oito anos do § 1º pela de um a quatro anos do caput (Cód. Penal, art. 180). (HC 101.531/MG, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 22/04/2008, DJe 16/06/2008)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Primeiro, a instância de origem, iniludivelmente, cumpriu e acabou o ofício jurisdicional, de sorte que se encontra aberta, sem restrições, a competência do Superior Tribunal. Segundo, não é exato não se tenha lá conhecido da questão da qual se pede aqui se conheça, observem pois estes tópicos do acórdão:

“Proferida a sentença, o MM. Juiz realizando a denominada emendatio libelli, condenou o apelante nas sanções do artigo 180, § 1º, do Código Penal.

.. …………………………………………………………………………………………………..

Ressalta-se, ainda, a improcedência do pedido para desclassificar o crime para receptação simples, uma vez comprovada a sua forma qualificada, nos termos do artigo 180, § 1º, do Código Penal. Ademais, não vejo nenhuma inconstitucionalidade no § 1º, do artigo 180, do Código Penal. Outrossim, entendo que a receptação qualificada não infringe o princípio constitucional da proporcionalidade, inexistente qualquer ofensa constitucional na norma definidora do crime em questão. Sob tal enfoque, prevê o artigo 180 do Codex o delito de receptação simples, e o seu parágrafo 1º, denominado de receptação qualificada, traz na verdade uma hipótese de delito autônomo, cujo sujeito ativo deve ser necessariamente um comerciante ou industrial, mesmo que exerça a sua atividade de forma irregular. Assim sendo, este tipo penal autônomo visa punir mais severamente a conduta daquele que, sendo profissional do comércio, pratica a receptação. Por conseguinte, por ser a figura do autor um comerciante regular, sua conduta é tida como mais grave. Esta é a mens legis e, justamente, por ser esta conduta mais grave, é que se ajudando a teoria penalista contratualista, aplica-se a pena de acordo com as conseqüências do dano.”

É a essa questão que estou aqui dando cuidados, visto faltarem-me elementos para aqui também dar cuidados à alegada falta de intimação da expedição de precatórias.

2. Sabemos todos das imperfeições formal e material do mencionado § 1º – fruto da Lei nº 9.426/96: em suma, o fato menos grave é apenado mais severamente. Mas é mesmo o § 1º que me leva a algumas reflexões.

Vou começar com duas lições de Hungria (“Comentários ao Código Penal”, 1955, págs. 292 e segs.) relembradas, aliás, recentemente, por Cezar Bitencourt (“Código Penal”, 2002, pág. 792):

“Na atualidade, raro é o código em que não se lobrigue a preocupação de punir a receptação (que alguns persistem em considerar cumplicidade post factum) menos severamente que o crime de que é subseqüente. Somente nos casos mais graves (notadamente no de habitualidade do receptador) é que é colocada em pé de igualdade com o crime originário. Em código algum figura a receptação com pena aprioristicamente mais grave do que a daqueles de que pode provir.

…………………………………………………………………………………………………..

No direito brasileiro, a tradição constante foi no sentido da menor punibilidade da receptação, em confronto com o crime de que deriva. Os Códigos de 1830 e 1890 reputavam-na simples cumplicidade post delictum…”

Também estoutra lição:

“É preciso que haja certeza da proveniência criminosa da coisa. Se o agente procede na dúvida, o que se apresenta é a receptação culposa. Esta será reconhecida ainda quando o agente proceda com dolo eventual.”

Confiramos: menor punibilidade da receptação; tradição brasileira, também estrangeira. Vejam este ponto: a receptação culposa será reconhecida ainda quando o agente proceda com dolo eventual. Todavia, na atual redação, o dolo eventual transformou a punibilidade de menor (menos grave) em maior (mais grave).

Vou agora me valer da já conhecida opinião de Damásio:

“… o preceito secundário do § 1º deve ser desconsiderado, uma vez que ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização legal da pena.

…………………………………………………………………………………………………..

Vigora, pois, como princípio expresso, o da individualização da resposta penal, determinando uma graduação de severidade da pena em face da prática do crime. Do contexto, extrai-se a regra da proporcionalidade: para os crimes mais graves, penas e conseqüências severas; para as infrações penais de menor potencial ofensivo, respostas mais brandas. E esse princípio conduz a outro, o da harmonia legislativa: na descrição das infrações penais e na cominação das sanções o legislador deve guardar o sentido da concordância, da conformidade e da igualdade.”

E também da de Silva Franco:

“Ora, tendo-se por diretriz o princípio da proporcionalidade, não há como admitir, sob o enfoque constitucional, que o legislador ordinário estabeleça um preceito sancionatório mais gravoso para a receptação qualificada quando o agente atua com dolo eventual e mantenha, para a receptação do caput do art. 180, um comando sancionador sensivelmente mais brando quando, no caso, o autor pratica o fato criminoso com dolo direito. As duas dimensões de subjetividade ‘dolo direto’ e ‘dolo eventual’ podem acarretar reações penais iguais, ou até mesmo, reações penais menos rigorosas em relação ao ‘dolo eventual’. O que não se pode reconhecer é que a ação praticada com ‘dolo eventual’ seja três vezes mais grave…”

Daí é que se vem sugerindo o seguinte: (I) que se reconheça a inconstitucionalidade do § 1º; (II) que se desconsidere o preceito secundário do § 1º. Sobre o item II, disse, por exemplo, Silva Franco:

“Daí a correta conclusão de que o preceito sancionatório do § 1º do art. 180, do CP não pode ser aplicado, por lesar o princípio constitucional da proporcionalidade, devendo, em conseqüência, o preceito primário da referida regra penal ter, por comando sancionatório, a pena reclusiva, variável entre um e quatro anos e a pena pecuniária, cominadas para o caput do art. 180 do CP. Só assim se restabelece, através do juiz, que é o garantidor de todos eles, o império contestado de um dos princípios fundamentais, de caráter substancial, próprios do Estado Democrático de Direito.”

Pensando em suscitar a argüição de inconstitucionalidade, ocorreu-me haver dificuldade de seu acolhimento no âmbito da 6ª Turma, daí a razão pela qual, pondo-me em conformidade com a doutrina que trouxe à colação, inclusive com a lição de Hungria, a qual não deixa de ter aqui aplicação, é que estou desconsiderando o preceito secundário do § 1º. Aliás, a declaração, se admissível, de inconstitucionalidade conduzir-nos-ia, quando feita, a semelhante sorte, ou seja, à desconsideração da norma secundária (segundo os kelsenianos, da norma primária, porque, para eles, a primária é a norma que estabelece a sanção – positiva ou negativa).

3. Voto pela concessão da ordem a fim de substituir a reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos do § 1º pela de 1 (um) a 4 (quatro) anos do caput (Cód. Penal, art. 180). Adotando as diretrizes originalmente adotadas pela sentença, fixo, em conseqüência, a pena-base em 1 (um) ano de reclusão, aumentando-a de um sexto, pela reincidência – pena definitiva: 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão. Relativamente à multa, a da sentença. Estabeleço o regime aberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. De tal maneira, o meu voto concede, pois, a ordem em parte.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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