Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 248232/RJ, julgado em julgado em 03/04/2014 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CONTINUIDADE DA PERSECUÇÃO PENAL. ARQUIVAMENTO PROMOVIDO A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA. DESARQUIVAMENTO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. NECESSIDADE DE NOVAS PROVAS. INEXISTÊNCIA.ENUNCIADO 524 DA SÚMULA DO STF. ORDEM CONCEDIDA. 1. Arquivado o inquérito por falta de indicativos da materialidade delitiva, a persecução penal somente pode ter seu curso retomado com o surgimento de novas provas. Enunciado 524 da Súmula do STF. Precedentes do STJ. 2. Por novas provas, há de se entender aquelas já existentes, mas não trazidas à investigação ao tempo em que realizada, ou aquelas franqueadas ao investigador ou ao Ministério Público após o desfecho do inquérito policial. 3. Na hipótese, o que ensejou o reinício da persecução penal foram declarações de testemunha que, em processo cível, expôs os fatos que já havia indicado no inquérito policial arquivado. Não houve ineditismo de prova que se exige para a retomada da persecução penal. 4. Recurso provido. Extinção da ação penal. (RHC 27.449/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 16/03/2012)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE(RELATOR):
A solução do imbróglio trazido neste recurso exige definir se existente prova nova a autorizar o desarquivamento do inquérito policial.
E aqui, tenho que com razão o douto parecerista que neste opinou: “o Ministério Público não logrou produzir novos elementos probatórios necessários para a reabertura do inquérito policial” (fl. 268).
Depois do arquivamento do inquérito por falta de indicativos da materialidade delitiva, a persecução penal somente pode ter seu curso retomado com o surgimento de novas provas. E, por novas provas, há de se entender aquelas já existentes, mas não trazidas à investigação ao tempo em que realizada, ou aquelas franqueadas ao investigador ou ao Ministério Público após o desfecho do inquérito policial.
Na hipótese, o fato que ensejou o pedido de desarquivamento foi o testemunho de Fábio Monteiro de Souza em processo cível, no qual se verificava o mesmo evento cuja apuração havia sido arquivada em sede criminal.
Essa testemunha já havia prestado seus esclarecimentos no inquérito penal. Na oportunidade, aduziu que (fl. 350):
Salvo engano no mês de julho, conduzia seu veículo VW Gol, pela rodovia W Luiz, há aproximadamente 100 KM, quando um veículo GM Celta, de cor prata, que seguia a frente, há aproximadamente uns 110KM, efetuou uma manobra brusca a esquerda, adentrando o canteiro central, vindo a capotar; Que logo após o fato, também pode ver a lanterna de uma motocicleta que seguia logo a frente do veículo; Que parou seu veículo no acostamento e acionou socorro; Que, somente viu um rapaz que saia do veículo e também outro rapaz e uma garota caídos no chão, pois haviam sido atirados fora do veículo no momento do capotamento; Que, somente soube da outra garota que havia falecido, quando da chegada dos policiais que a encontraram há alguns metros do veículo; Que, acredita que o condutor do Celta efetuou a manobra para desviar da motocicleta que seguia a frente; Que não conhece nenhum dos ocupantes do veículo GM Celta.
Já do fatídico testemunho prestado fora do inquérito penal, colhe-se (fl. 106):
Presenciou o acidente, pois trafegava em seu veículo Gol cerca de 50 metros atrás do Celta, no mesmo sentido, ou seja, Catiguá-Catanduba. Repentinamente o celta derivou para a esquerda, saindo da pista, iniciando uma sequência de capotamento. Viu também, que, no momento em que o Celta fez esta manobra brusca para a esquerda, á sua frente seguia uma moto, pois, “deu para ver a lanterna vermelha traseira desta moto”. Tanto o depoente quanto o condutor do Celta haviam acabado de acessar a rodovia Washington Luis. O depoente conduzia o gol a uma velocidade de 100km/hora, verificando que o Celta se distanciava à sua frente, afirmando assim, que o Celta trafegava a mais de 100 km/h, não podendo afirmar entretanto, em que velocidade trafegava exatamente o Celta. Ao ver o acidente parou seu veículo para socorrer as vítimas. Não estava com as pessoas que trafegavam no Celta. Ao ver o acidente parou de prestar atenção na moto, e não sabe dizer se chegou a parar no local.
Note-se que, entre um e outro, não há ineditismo. Os fatos indicados num, aparecem noutro, embora sem exímia fidelidade, o que, diga-se, é próprio de eventos aclarados por recordações fundadas apenas na memória.
Essa constatação faz necessária a conclusão de que não houve prova materialmente nova a legitimar a retomada da persecução penal. O desarquivamento, portanto, não deveria ter ocorrido.
Para esse desfecho, há firme arrimo jurisprudencial. Cite-se o enunciado nº 524 da Súmula do Supremo Tribunal Federal:
“Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas.”
A jurisprudência desta Corte tem igual orientação. Vejam-se os precedentes:
A – AÇÃO PENAL. DESARQUIVAMENTO. ADITAMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. NOVAS PROVAS. SÚMULA 524/STF. – A denúncia somente poderá ser aditada e receber nova capitulação legal, com o surgimento de novas provas. – Novas provas, são as que já existiam e não foram produzidas no momento processual oportuno, ou que surgiram após o encerramento do inquérito policial. – Arquivado o inquérito a requerimento do Ministério Público, nova ação penal não pode ser iniciada sem novas provas. – Súmula 524 do STF. (APN 311/RO, Relator o Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJe 4/9/2006.)
B – HABEAS CORPUS. PREFEITO. DECRETO-LEI 201/67. DESARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO. PROVAS NOVAS. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DO FEITO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Segundo o enunciado nº 524 da Súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas.” 2. “Novas provas capazes de autorizar início da ação penal, segundo a súmula 524, serão somente aquelas que produzem alteração no panorama probatório dentro do qual fora concebido e acolhido o pedido de arquivamento do inquérito. A nova prova há de ser substancialmente inovadora, e não formalmente nova” (RT 540/393), nela não se incluindo, por certo, a simples mudança de entendimento jurisprudencial. 3. Ordem concedida para anular a ação penal. (HC 24028/PR, Relator o Ministro HAMILTON CARVALHIDO, DJe 16/2/2004.)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso a fim de extinguir a ação penal, ressalvada, porém, outra denúncia, desde que preenchidas as exigências legais.
É como voto.
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