No processo penal, fala-se muito sobre a necessidade de respeito à paridade de armas como decorrência dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, além, evidentemente, do direito à igualdade. Argumenta-se pela necessidade de que a acusação e a defesa tenham acesso a meios processuais equivalentes para influenciar o julgador, evitando o beneficiamento legislativo e fático de alguma das partes.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro não apenas desconsidera a paridade de armas, como também coloca a defesa em nítida desvantagem, atribuindo ao acusador poderes exclusivos e benefícios simbólicos.
Cada um desses temas merece – e futuramente será objeto de – um artigo próprio. Por ora, abordarei sucintamente alguns desses problemas, sem pretender elaborar uma lista exaustiva de situações e previsões legais que ofendem a paridade de armas.
De início, constata-se a ausência de investigação preliminar defensiva na legislação (existe apenas o Provimento 188/2018 do Conselho Federal da OAB – clique aqui, que não tem caráter de Lei e, por isso, não obriga as autoridades públicas a respeitá-lo). Enquanto o Ministério Público tem a seu dispor o inquérito policial, com enorme ingerência na atividade policial (art. 13, II, do Código de Processo Penal – CPP), o indiciado tem pouquíssimas possibilidades de requerer diligências, haja vista que depende do “juízo da autoridade” (art. 14 do CPP). Ademais, a prática forense tem evidenciado a dificuldade da defesa até mesmo para acessar os inquéritos, em que pese o enunciado da súmula vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal (STF).
O art. 13 do Projeto de Lei nº 8.045/10 (Novo CPP) pretende mudar essa lógica, disciplinando uma investigação exclusiva da defesa, que ocorreria de forma paralela ao inquérito policial.
Também há uma violação à paridade no art. 409 do CPP, que indevidamente institui uma “réplica” do Ministério Público nos procedimentos relativos aos processos de competência do tribunal do júri.
Há de se destacar, da mesma forma, a quantidade elevada de órgãos e instituições que se encontram do lado acusatório no inquérito policial e na fase processual, enquanto a defesa permanece isolada. Explico: considerando que o réu é presumidamente inocente, qualquer iniciativa na produção de provas tem a finalidade principal de desconstituir essa presunção, obtendo, por consequência, um édito condenatório.
Assim, o polo acusatório abrange a Polícia Militar, a Polícia Civil, o Ministério Público, a assistência à acusação, os Juízes que insistem em produzir prova de ofício. Não raramente, a assistência à acusação é realizada pela Defensoria Pública, formando, assim, um polo acusatório integralmente de órgãos e instituições públicas. Por outro lado, o polo defensivo tem apenas o investigado/réu, cujas manifestações são juridicamente formalizadas por um Advogado ou pela Defensoria Pública.
Nos júris, ainda há o benefício simbólico da acusação no que concerne à composição do plenário. Ao lado do Juiz e próximo aos jurados, o Ministério Público; do outro lado do plenário, afastada de tudo e de todos, a defesa. Conquanto tenhamos juízos e decisões de Tribunais de Justiça determinando uma reorganização do plenário, de modo a colocar a acusação e a defesa no mesmo patamar, ainda há uma resistência quanto a essas mudanças, fruto de um simbolismo que invariavelmente contribui para influenciar os jurados.
Poder-se-ia elencar uma quantidade absurda de situações e previsões legais que violam a paridade de armas. Esses são apenas alguns exemplos, que não necessariamente refletem as hipóteses mais graves.
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