Crime contra o sistema financeiro e a competência da Justiça Federal (Informativo 637 do STJ)
No CC 160.077-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/10/2018, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a simulação de consórcio por meio de venda premiada, operada sem autorização do Banco Central do Brasil, configura crime contra o sistema financeiro, tipificado pelo art. 16 da Lei n. 7.492/1986, o que atrai a competência da Justiça Federal (clique aqui).
Informações do inteiro teor:
Cinge-se a controvérsia a definir se a “venda premiada” de motocicletas pode ser considerada uma simulação de consórcio, de forma que a conduta descrita na denúncia possa se subsumir em tipos penais incriminadores descritos na Lei n. 7.492/1986, dentre eles, o crime tipificado no art. 16, consistente em operar instituição financeira, sem a devida autorização.
Preliminarmente, cumpre salientar que em pesquisa à jurisprudência do STJ, constata-se mudança de entendimento em curto espaço de tempo. O precedente da Terceira Seção, CC 121.146/MA, de relatoria do Min. Sebastião Reis Júnior, de junho de 2012, dispõe que “as operações denominadas compra premiada ou venda premiada – caracterizadas pela promessa de aquisição de bens, mediante formação de grupos, com pagamentos de contribuições mensais e sorteios, cujos contemplados ficam exonerados de adimplir as parcelas restantes – não constituem atividades financeiras para fins de incidência da Lei n. 7.492/1986”.
De outro lado, há precedentes, em sede de habeas corpus, no sentido de que a compra premiada – ainda que levada a efeito sem autorização do Banco Central do Brasil e mesmo não caracterizando um consórcio puro – trata-se de um simulacro de consórcio, que capta e administra recurso de terceiros, de modo a se enquadrar no tipo penal previsto do art. 16, caput, da Lei n. 7.492/1986.
Feito um panorama jurisprudencial do STJ acerca do tema, observa-se que o melhor posicionamento é o de que a simulação de consórcio por meio de venda premiada, operada sem autorização do Banco Central do Brasil, configura crime contra o sistema financeiro devendo, assim, ser apurada pela Justiça Federal. Ademais, ainda que não haja identidade perfeita entre a venda premiada e o consórcio, é evidente que não se trata de venda comum, na medida que a pessoa jurídica capta recursos de terceiros, podendo, portanto, ser considerada instituição financeira a teor do art. 1º da Lei n. 7.492/1986.
Desse modo, a ausência de autorização do Banco Central do Brasil não afasta a prática de crime contra o sistema financeiro, ao contrário, constitui justamente elemento constante no tipo descrito no art. 16 da Lei n. 7.492/1986.
Confirma a ementa do CC 160.077-PA:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA ESTADUAL E A JUSTIÇA FEDERAL. INQUÉRITO POLICIAL. VENDA PREMIADA. CAPTAÇÃO DE RECURSOS DE TERCEIROS. EQUIPARAÇÃO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL. CARACTERIZAÇÃO, EM TESE, DO DELITO DESCRITO NO ART. 16 DA LEI N. 7.492/86. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. O presente conflito negativo de competência deve ser conhecido, por se tratar de incidente instaurado entre juízos vinculados a Tribunais distintos, nos termos do art. 105, inciso I, alínea “d” da Constituição Federal – CF.
2. O núcleo da controvérsia consiste em definir se a “venda premiada” de motocicletas pode ser considerada uma simulação de consórcio de forma que a conduta descrita na denúncia possa se subsumir em tipos penais incriminadores descritos na Lei n. 7492/86, dentre eles, o crime tipificado no art. 16, consistente em operar instituição financeira, sem a devida autorização. Em outras palavras, discute-se se teria havido, em tese, prática de estelionato – tendo como vítima exclusivamente particulares – ou a prática de crime que afeta o sistema financeiro.
3. A venda premiada – ainda que levada a efeito sem autorização do Banco Central do Brasil e mesmo não caracterizando um consórcio puro – trata-se se um simulacro de consórcio, que capta e administra recursos de terceiros, de modo a se enquadrar no tipo penal previsto do art. 16 da Lei n. 7492/86. O fato de o indivíduo contemplado não precisar mais arcar com prestações demonstra apenas o alto risco do negócio, diante da possibilidade de não se conseguir o ingresso de outra pessoa para sustentar a viabilidade de aquisição dos bens.
4. Ademais, ainda que não haja identidade perfeita entre a venda premiada e o consórcio, é evidente de que não se trata de venda comum, na medida em que a pessoa jurídica capta recursos de terceiros, podendo, portanto, ser considerada instituição financeira a teor do art. 1º da Lei n. 7.492/06. Precedente (RHC 50.101/BA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 27/11/2015).
5. No caso concreto, está caracterizado, em tese, crime contra o sistema financeiro, cuja análise e julgamento compete à Justiça Federal, tendo em vista que, conforme apurado no inquérito policial, pessoa jurídica teria captado recursos de terceiros, sem autorização da autoridade competente, em atividade temerária diante da dificuldade de contemplação do sorteado na chamada venda premiada.
6. Conflito de competência conhecido para declarar que compete ao Juízo Federal da Vara Única de Redenção – SJ/PA, o suscitante.
(STJ, Terceira Seção, CC 160.077/PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/10/2018)
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