O princípio do Juiz natural é uma garantia relevantíssima prevista no art. 5º, incisos XXXVII (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”) e LIII (“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”), da Constituição Federal.
Trata-se de um pressuposto para garantir a independência e a imparcialidade do órgão julgador. Na verdade, evita que o Magistrado seja “escolhido” para julgar determinado processo ou afastado do julgamento de um feito.
Da mesma forma, essa garantia proíbe a criação de tribunais extraordinários (de exceção) e a transferência do processo para outro juízo. Institui, ainda, a exigência de que a competência do juízo seja prévia. Trata-se de uma garantia vinculada ao próprio devido processo legal, porque a legitimidade do processo pressupõe que um terceiro imparcial examine as provas.
Em suma, o princípio do Juiz natural diz respeito ao juízo adequado para apreciar determinado processo.
Em razão de sua importância história, no Brasil, todas as Constituições, com exceção da de 1937, previam o princípio do Juiz natural.
A aplicação do princípio do Juiz natural repercute em inúmeras situações do processo penal.
Cita-se, por exemplo, a hipótese em que, no plenário do júri, os jurados consideram que o crime praticado não foi um crime doloso contra a vida (desclassificam, por exemplo, de tentativa de homicídio para lesão corporal). Nesse caso, o juízo inicialmente (e aparentemente) competente deixa de ser o conselho de sentença, que, ao fazer a desclassificação, reconhece a sua incompetência, passando o julgamento para o Juiz togado (art. 492, §1º, do Código de Processo Penal).
No plano ideal, o princípio do Juiz natural seria uma garantia inafastável, por ter previsão constitucional e ditar todo o devido processo legal. Assim, o princípio do Juiz natural não deveria ser limitado por normas infraconstitucionais, como as que dispõem sobre conexão e continência, que não possuem amparo constitucional nem mesmo de forma implícita.
Entretanto, a súmula nº 704 do Supremo Tribunal Federal prioriza uma norma infraconstitucional em detrimento da Constituição Federal, ao dispor o seguinte: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.”
Também não deveria ser admitido, por violação ao princípio do Juiz natural, o entendimento que tem se ampliado na jurisprudência, inclusive do STJ, quanto à competência territorial para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (leia aqui), que desconsidera o art. 70 do Código de Processo Penal apenas para criar uma facilidade inconstitucional em prol da acusação.
Ora, como é possível desconsiderar que o art. 70 do CPP prevê que a “competência será determinada pelo lugar em que se consumar a infração”? Substituir a competência territorial dos crimes dolosos contra a vida (legalmente prevista) pelo lugar que seja o melhor para a formação da verdade real (STJ, CC 131566/DF) é desconsiderar que as regras do jogo são instituídas previamente, não sendo admitidas alterações casuísticas.
Verdadeiramente, se o princípio do Juiz natural realmente fosse levado a sério, não haveria, no processo penal, a separação entre competência absoluta e competência relativa. A competência, por si só, seria sempre uma garantia do acusado, e não uma escolha que poderia precluir ou, pior ainda, ser utilizada para beneficiar a acusação, como na hipótese acima mencionada.
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