STJ: validade vencida não configura crime contra relação de consumo
O art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990, dispõe que é crime contra as relações de consumo “vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo”.
Analisando um caso que tinha como objeto esse tipo penal, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, entendeu, no HC 412180, que o fato de os denunciados terem em depósito para venda aditivos e matérias-primas com validade vencida não é suficiente para configurar crime contra relação de consumo.
Com esse entendimento, o STJ reformou decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que havia entendido que o mero fato de ter produto com o prazo de validade expirado é um crime formal, dispensando a realização de perícia, por se tratar de perigo abstrato ou presumido.
O STJ, corretamente, considerou que, se o crime deixa vestígios – como é o caso –, é imprescindível a realização de exame pericial que aponte a impropriedade da mercadoria para consumo, conforme determinação do art. 158 do Código de Processo Penal (“Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado).
Curiosamente, a fiscalização incinerou o material no dia da inspeção no estabelecimento comercial, inviabilizando a realização da perícia. Trata-se de uma demonstração inequívoca de que a cadeia de custódia não é levada a sério no Brasil, uma vez que raramente os materiais apreendidos são preservados respeitando a integralidade e a integridade dessas evidências após a realização da perícia. Aliás, nesse caso concreto, nem mesmo foi realizada a perícia.
Por derradeiro, se não houve a realização da perícia, não há demonstração da materialidade desse crime não transeunte. Como decorrência, o STJ reconheceu a ausência de justa causa para a ação penal.
Salienta-se que, em outras oportunidades, o STJ já havia se manifestado dessa forma em relação ao tipo penal do art. 7º, IX, da Lei nº 8.137/1990:
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 2. ART. 7º, IX, LEI N. 8.137/1990. IMPROPRIEDADE DO ALIMENTO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. MATERIALIDADE NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. 3. RECURSO PROVIDO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou prova da materialidade do delito. 2. A materialidade do crime descrito art. 7º, inciso IX, da Lei n. 8.137/1990 apenas se perfaz com a realização da perícia, não sendo possível iniciar a ação penal sem a constatação da materialidade delitiva. De fato, cuidando-se de crime que deixa vestígios, revela-se indispensável a perícia, conforme estabelece o art. 158 do Código de Processo Penal, a fim de aferir a efetiva impropriedade do alimento para o consumo humano. 3. Recurso em habeas corpus provido, para trancar a Ação Penal n. 0000393-63.2016.8.12.0030. (STJ, RHC 86.698/MS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 3/8/2017, DJe 16/8/2017)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ARTIGO 7º, INCISO IX, DA LEI 8.137/90. EXPOR À VENDA MERCADORIA EM CONDIÇÕES IMPRÓPRIAS AO CONSUMO. PRODUTO COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDO. INEXISTÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA. AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA. ABSOLVIÇÃO. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Inviável, na via eleita, o exame de violação de dispositivo constitucional, cuja competência é reservada ao STF, nos termos do art. 102, III, da CF. 2. O delito de expor à venda produtos impróprios ao consumo exige exame pericial para a prova da materialidade delitiva, nos termos do art. 158 do Código de Processo Penal. 3. Agravo regimental improvido” (AgRg no REsp 1342523/SC, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 20/6/2017, DJe 26/6/2017)
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