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Evinis Talon

STJ: A aplicação do princípio do favor rei veda a revisão criminal pro societate

31/05/2019

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Direito Penal, Processo Penal e Execução Penal com o prof. Evinis Talon

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Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1324760/SP, julgado em julgado em 16/12/2014 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. PUBLICAÇÃO DE ACÓRDÃO QUE NÃO CORRESPONDE AO JULGAMENTO DO ÓRGÃO COLEGIADO. COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. PERCEPÇÃO DO EQUÍVOCO PELO TRIBUNAL APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. DESCONSIDERAÇÃO DA PUBLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. SEGURANÇA JURÍDICA. LEALDADE E ÉTICA PROCESSUAIS. PRETENDIDAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DECORRENTES DE ATOS ILÍCITOS. DESCONSIDERAÇÃO. SUSPEIÇÃO DE JULGADORES. UTILIZAÇÃO DE EXPRESSÕES INADEQUADAS. CIRCUNSTÂNCIA INSUFICIENTE A CONFIGURAR PARCIALIDADE NO JULGAMENTO. […] 5. É bem verdade que a revisão criminal encontra limitações no direito brasileiro, e a principal delas diz respeito à modalidade de decisão que pode desconstituir. Desde que instituída a revisão criminal na Constituição de 1891, é tradição do processo penal brasileiro reconhecer – tomando o princípio do favor rei como referência – que somente as sentenças de condenação podem ser revistas. 6. A revisão pro societate, cumpre dizer, reclamaria a mesma lógica que explica a revisão pro reo, qual seja, a necessidade de preservar a verdade e a justiça material, sobretudo quando o tempo demonstra a falsidade das provas sobre as quais se assentou a decisão absolutória, de modo a comprometer a legitimidade da sentença perante a comunhão social. 7. Embora entre nós não se preveja, normativamente, ainda que em caráter excepcional, a possibilidade de revisão do julgado favorável ao réu, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal autoriza desconstituir decisão terminativa de mérito em que se declarou extinta a punibilidade do acusado, em conformidade com os arts. 61 e 62 do Código de Processo Penal, tendo em vista a comprovação, posterior ao trânsito em julgado daquela decisão, de que o atestado de óbito motivador do decisum fora falsificado. 8. Ainda que a hipótese em exame não reproduza o caso de certidão de óbito falsa, retrata a elaboração de acórdão de conteúdo ideologicamente falsificado sobre o qual se pretende emprestar os efeitos da coisa julgada, da segurança jurídica e da inércia da jurisdição, o que ressoa incongruente com a própria natureza da revisão criminal que é a de fazer valer a verdade. 9. A desconstituição do acórdão falso não significa que houve rejulgamento da revisão criminal, muito menos se está a admitir uma revisão criminal pro societate. Trata-se de simples decisão interlocutória por meio da qual o Judiciário, dada a constatação de flagrante ilegalidade na proclamação do resultado de seu julgado, porquanto sedimentado em realidade fática inexistente e em correspondente documentação fraudada, corrige o ato e proclama o resultado verdadeiro (veredicto). Pensar de modo diverso (é que) ensejaria ofensa ao princípio do devido processo legal, aqui analisado sob o prisma dos deveres de lealdade, cooperação, probidade e confiança, que constituem pilares de sustentação do sistema jurídico-processual. 10. O processo, sob a ótica de qualquer de seus escopos, não pode tolerar o abuso do direito ou qualquer outra forma de atuação que dê azo à litigância de má-fé. Logo, condutas contrárias à verdade, fraudulentas ou procrastinatórias conspurcam o objetivo publicístico e social do processo, a merecer uma resposta inibitória exemplar do Judiciário. 11. Portanto, visto sob esse prisma, não há como se tolerar, como argumento de defesa, suposta inobservância à segurança jurídica quando a estabilidade da decisão que se pretende seja obedecida é assentada justamente em situação de fato e em comportamento processual que o ordenamento jurídico visa coibir. 12. A seu turno, o emprego, por desembargador que oficiou nos autos, de expressões inadequadas ou de linguajar não compatível com a nobre função de julgar não significa, por si só, a ocorrência de julgamento parcial. A suspeição se comprova pelo laço íntimo de afeição ou de desafeição e não pela ausência de técnica escorreita de linguagem. 13. Recurso Especial não provido. (REsp 1324760/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 18/02/2015)

Leia o voto:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR): A discussão trazida no presente recurso diz respeito à existência de violação da coisa julgada e da segurança jurídica na retificação de resultado de julgamento de revisão criminal pelo Tribunal, de ofício, quase dois anos após a sua proclamação, quando já publicado o acórdão, sem que houvesse recurso das partes.

A questão foi enfrentada pelo Tribunal de origem quando da apreciação dos embargos declaratórios, conforme se extrai, mais claramente, do voto lavrado pelo Desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan, que acompanhou o voto vencedor, subscrito pelo Desembargador Ricardo Tucunduva (fls. 127/143):

 […] Inicialmente, quanto ao trânsito em julgado cumpre observar que existe certidão da Secretária do Tribunal de que não havia nos autos a competente certidão de trânsito em julgado, referente ao julgamento de 31 de janeiro de 2008. Consta que a certidão fora aposta no processo de Justificação, apensado ao primeiro e que não era o local adequado para tal fato. Todavia, tal fato desimporta, porque o acórdão que constou referente ao dia 31 de janeiro de 2008, mencionava na folha de rosto e tira de julgamento que o voto do Desembargador Pedro Gagliardi, que teria absolvido Mauro Henrique Queiroz, falecido em 05 de maio de 1998, tê-lo-ia absolvido por unanimidade e que a absolvição se dava por inexistência de crime. Ocorre, todavia, que tal não havia ocorrido nesse julgamento, ao qual o defensor esteve presente, mas na primeira sessão que foi adiada para esse dia, o Desembargador Pedro Gagliardi, relator sorteado, só foi acompanhado pelo Desembargador Carlos Biasotti na sua absolvição, sendo certo que o signatário, e os desembargadores Ricardo Tucunduva, Ericson Maranho e Debatin Cardoso, já naquela sessão de 25 de outubro de 2007 votaram pelo indeferimento da revisão. O feito foi adiado e o julgamento completou-se no dia 31 de janeiro de 2008, onde 11 (onze) desembargadores indeferiram a Revisão e apenas os 02 (dois) mencionados a deferiram. Estranhamente, constou resultado completamente diverso do que ocorre no dia, ou seja, que a família do peticionário houvera conseguido que o mesmo fosse absolvido por inexistência de crime por unanimidade, o que não era verdade. Em razão de publicação no jornal Folha de São Paulo, tempos depois, noticiando que o Tribunal houvera reparado erro judiciário, é que o signatário pediu um “print” do julgamento e observou que o resultado, por equívoco ou má-fé, houvera sido completamente divorciado do que ocorrera. Após confirmar as votações com todos os desembargadores que assinaram o documento ratificando tal fato, marcou o signatário, como Presidente do Grupo de Câmaras, retificação de tira para que constasse o verdadeiro teor do julgamento e não aquele equivocado. Ao mesmo tempo, noticiou os fatos ao Eminente Presidente da Corte que determinou a instauração do procedimento para apuração do que ocorrera. Portanto, não houve segundo julgamento da Revisão, nem reformatio in pejus, mas sim, a colocação das coisas nos devidos lugares, pois o acórdão juntado aos autos não tinha a inscrição de “DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO” nem de “RELATOR SORTEADO VENCIDO”, nem os autos foram remetidos ao E. Desembargador Ricardo Tucunduva, que era o Relator Designado para redigir o acórdão. Tudo isto foi corrigido, sem novo julgamento, não cabendo, pois, a matéria alegada agora a título de embargos, pois é sabido que aquilo que redunda de erro material não se convalida […] Cumpre ainda consignar que o voto condutor do acórdão, relatado pelo Desembargador Pedro Gagliardi com RELATOR SORTEADO é inexistente, posto que foi vencido no julgamento por onze votos a dois, não espelhando, portanto, o pensamento do Colendo Grupo. Dessa forma, foi designado Relator o E. Desembargador Ricardo Tucunduva, a quem cabia relatar a decisão manifestada pela maioria do Grupo. Portanto, não sendo mais o Desembargador Pedro Gagliardi o relator do voto condutor do acórdão, mas sim relator do voto vencido, o acórdão baseado no seu voto não pode subsistir porque não tinha poderes para manifestar-se quanto ao decidido por maioria no Egrégio Grupo, não se podendo falar em trânsito em julgado. Somente no momento em que o E. Desembargador Ricardo Tucunduva, desembargador designado para relatar o acórdão, apresentou seu voto é que se cumpriu a deliberação originária da tira de julgamento, manifestando-se então, a vontade da maioria dos componentes do Grupo e tornando o julgamento a real expressão do decidido. Como voto condutor do acórdão recorrido, o voto vencido do Desembargador Pedro Gagliardi é inexistente já que vencido por ampla maioria, e não produziu qualquer efeito legal, mesmo porque com o voto do Relator Designado Ricardo Tucunduva, os prazos para eventuais recursos especial e extraordinário se reabrem. […] Por outro lado, a assertiva de que o subscritor é professor da Academia de Polícia Militar e o Desembargador Ricardo Tucunduva é professor da Academia de Polícia Civil e, portanto, estariam impedidos de julgar o presente feito, por se tratar de ex-guarda civil, não tem qualquer fundamento legal, posto que a Guarda Civil se encontra extinta a longos anos e as hipóteses de impedimento e suspeição estão previstas nos artigos 252 e 254 do Código de Processo Penal, tendo sido ignoradas pelo advogado dos embargantes, que delas passou ao largo, demonstrando ignorar completamente a matéria. Se assim fosse, o subscritor estaria impedido de julgar qualquer processo em que se envolvesse um dos policiais militares que compõem a Polícia Militar de São Paulo, que conta com 94 mil homens. […]

Para uma melhor compreensão do tema, faço uma sinopse dos acontecimentos.

Ajuizada a revisão criminal e devidamente processada, com parecer do Ministério Público pela procedência do pedido, designou-se o julgamento para o dia 25/10/2007. Segundo consta da certidão de julgamento de fl. 33, que, embora apócrifa, não teve seu conteúdo contestado, o advogado da defesa e o Parquet proferiram sustentação oral. O Relator, Desembargador Pedro Gagliardi, votou deferindo o pedido, no que foi acompanhado pelo Desembargador Carlos Biasotti. Teriam votado em sentido contrário os Desembargadores Ricardo Tucunduva, Debatin Cardoso, Damião Cogan e Ericson Maranho. Após, adiou-se o julgamento a pedido do Desembargador Pinheiro Franco.

Retomou-se o julgamento em 31/1/2008, sendo lavrados certidão e acórdão – o último assinado pelo Relator, Desembargador Pedro Gagliardi –, segundo os quais, por unanimidade, teria sido deferido o pedido revisional, para absolver o condenado, pela inexistência do fato. Publicou-se o acórdão absolutório, com o voto do Relator, em 7/3/2008 (fl. 40), do qual já havia sido intimada a Procuradoria-Geral de Justiça em 26/2/2008 (idem). Não houve recurso de nenhuma das partes.

Passados quase dois anos, de ofício, em 5/9/2009, em razão de ter tomado conhecimento de notícias veiculadas na mídia acerca da procedência do pedido revisional, o Desembargador Presidente do Terceiro Grupo de Câmaras Criminais proferiu despacho suspendendo os efeitos do acórdão que julgara procedente a revisão criminal e, em 9/11/2009, convocou, por meio de ofício, sessão específica para a retificação do julgamento proferido, o que ocorreu em 12/11/2009. Contra o acórdão a defesa opôs embargos declaratórios, que foram rejeitados, por maioria, advindo o presente recurso especial.

O recurso merece prosperar.

A meu ver, a atuação da Corte estadual afastou-se do devido processo legal, ofendendo os princípios da legalidade, da segurança jurídica, bem como violando a coisa julgada, porque, após a proclamação do resultado do julgamento e encerrada a prestação jurisdicional do Tribunal de origem, inclusive com intimação das partes do acórdão acolhendo a revisão criminal, sem que qualquer delas tenha interposto recurso, retificou o julgamento, modificando o resultado proclamado. E o fez sem permitir às partes acesso à sessão em que tal questão foi apreciada, uma vez que convocada especificamente para essa finalidade, por meio de ofício expedido aos Desembargadores, sem que dela tenha sido dada publicidade.

Vale conferir os seguintes dispositivos do Código de Processo Civil, aplicáveis ao caso concreto, por analogia, por força do art. 3º do Código de Processo Penal, in verbis (grifo nosso):

Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I – para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração. Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II – nos demais casos prescritos em lei. Art. 556. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator, ou, se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor. Parágrafo único. Os votos, acórdãos e demais atos processuais podem ser registrados em arquivo eletrônico inviolável e assinados eletronicamente, na forma da lei, devendo ser impressos para juntada aos autos do processo quando este não for eletrônico.

Por oportuno, trago à colação os seguintes apontamentos de Theotônio Negrão:

Art. 463. Mutatis mutandis, o princípio [segurança jurídica] também se aplica aos tribunais: publicado o acórdão, já não pode ser alterado, a não ser nos casos dos ns. I [erros materiais] e II [embargos declaratórios] ou através de recurso cabível contra ele. Art. 556: 2. Nos órgãos colegiados dos tribunais, o julgamento se encerra com a proclamação do resultado final, após a coleta de todos os votos. Enquanto tal não ocorrer, pode qualquer dos seus membros, inclusive o relator, retificar o voto anteriormente proferido […] 2a. Impossibilidade de retificação em sessão seguinte, de votos e do julgamento já proclamados, dado que, proclamada a decisão, o Tribunal cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la nos casos inscritos nos incisos I e II do art. 463, CPC […] É defeso ao magistrado proceder, de ofício, à retratação de voto depois de anunciado o resultado do julgamento pelo presidente do órgão judicante’ […] (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 41ª ed., Editora Saraiva, 2009, págs. 478 e 800 – grifo nosso)

Sobre o tema, confira-se o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira:

A doutrina brasileira, em peso, […] parte da premissa de que o julgamento colegiado se encerra quando, colhidos os votos, o presidente do órgão, ou quem esteja a substituí-lo, anuncia o resultado. Nesse instante, torna-se pública a decisão. Dela tomam ciência, de maneira geral, as pessoas presentes ao julgamento, e em especial os interessados diretos: os advogados e, talvez, as partes mesmas, caso tenham querido comparecer. Pode até suceder, se se trata de pleito do interesse de largas coletividades, quiçá da inteira nação, que o resultado seja incontinenti divulgado pelos meios de comunicação social. Exigências primárias de segurança requerem que daí em diante se exclua, com óbvia ressalva dos recursos legais, qualquer possibilidade de retificação de votos, sempre capaz, em princípio, de importar em alteração do próprio resultado. […] Mas é da essência do julgamento colegiado que todos os julgadores possam ouvir e ponderar as razões que cada qual invoca em favor de sua opção. Se alguém retifica o voto ainda no curso do julgamento, tem muito maior probabilidade de ser ouvido pelos outros juízes do que terá em momento posterior, quando, além das eventuais ausências supervenientes, é preciso contar com o afrouxamento da atenção dos restantes membros do colegiado, inevitável quanto a causa ou recurso que já se julgou, talvez horas atrás. […] Reza o artigo 556 do Código de Processo Civil: […]. Se aí não se proíbe expressis verbis a posterior modificação de voto, com certeza é o que se depreende do texto, olhado em seu conjunto. A inexistência de cláusula expressa acha explicação provável no fato de haver-se reputado ocioso dizer com todas as letras o que se afigurava óbvio. Realmente, que utilidade terá a proclamação do resultado pelo presidente, se o panorama, ainda é suscetível de alterar-se até o fim da sessão? Devemos entender que se cuida de uma “proclamação provisória” e de um “resultado idem”? É entendimento que a meu ver não se compadece com a seriedade – quase ia escrevendo solenidade – do ato. Caso a retificação superveniente venha a inverter o desfecho da votação, ficará sem efeito a designação do relator do acórdão? […] Tratando-se de acórdão enquadrável no conceito lato de “sentença”, existe a mais o obstáculo do artigo 463, segundo o qual, cumprido e acabado que está, com a publicação, o ofício jurisdicional do órgão judicante, só lhe é lícito alterá-la “para corrigir inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo”, ou então no julgamento de embargos de declaração que se venham a interpor. Daí extraio que, ainda a admitir-se a modificação superveniente de voto, jamais poderá ela acarretar mudança do teor do julgamento fere a vista o impasse. Convém precisar que a decisão do tribunal está juridicamente publicada com o próprio anúncio coram populo do resultado. E ajunto que a melhor exegese do dispositivo citado lhe amplia o campo de incidência literalmente restrito à “sentença de mérito”, para fazê-lo compreender as sentenças (e, portanto, os acórdãos) em geral. (Julgamento Colegiado – Modificação de voto após a proclamação do resultado? Adv (Advocacia Dinâmica) Seleções Jurídicas, Jan. 2000, págs. 35/36 – grifo nosso)

No mesmo sentido, Alexandre Freitas Câmara leciona nos seguintes termos:

 […] A deliberação do tribunal para elaboração do acórdão é publica, por força do disposto no art. 93, IX, da Constituição da República. Assim é que, em sessão pública, são tomados os votos dos magistrados que compõem o órgão colegiado. Afirma, então, o art. 556 do Código de Processo Civil que proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator, ou, se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor. Uma vez proclamado o resultado, pois, torna-se pública a decisão. No que concerne aos acórdãos que exercem função de sentença, é de se aplicar o disposto no art. 463 do CPC, segundo o qual ao publicar-se a sentença, torna-se esta irretratável, só podendo a mesma ser modificada pelo mesmo órgão jurisdicional se forem interpostos embargos de declaração ou para correção de erros materiais. Assim sendo, uma vez proclamado o resultado do julgamento colegiado que tenha natureza de sentença, e tornada pública, por conseguinte, tal decisão, não poderá mais o órgão colegiado alterá-la (feitas as ressalvas do art. 463 do CPC). Não havendo qualquer regra para disciplinar a irretratabilidade das decisões interlocutórias, parece evidente que se deve empregar a analogia, como método de integração da lei, nos termos do que dispões o art. 126 do CPC. Em outros termos, também os acórdãos interlocutórios […] devem ser tidos como irretratáveis após a proclamação do resultado. Nem poderia mesmo ser outra a conclusão, data venia dos que pensam de modo diverso. Permitir a modificação da decisão […] após encerrado o julgamento seria admitir que as partes fossem surpreendidas […] pela nova decisão, diferente daquela que havia sido proclamada pelo presidente do Tribunal após a colheita dos votos dos magistrados que compõem a turma julgadora. Ocorre que qualquer decisão que surpreende as partes é atentatória ao princípio do contraditório, devendo ser repudiada. Sobre este ponto já tem se pronunciado autorizada doutrina, afirmando que surpreender as partes implica violar o contraditório. […] Ora, sendo violadora do contraditório uma decisão que surpreenda a parte por adotar um novo enfoque jurídico tomado como seu fundamento, muito maior será a violação se o próprio resultado da decisão for alterado, após sua proclamação, surpreendendo as partes. […] Sendo o contraditório a garantia política do processo, consistente em assegurar a participação dos interessados na formação do provimento estatal, será violador da garantia constitucional (…) qualquer acontecimento que, em um processo, leve à formação de um provimento cuja elaboração tenha se dado sem que se permitisse às partes participar de sua elaboração. O contraditório não pode ser, porém, garantia meramente formal. Exige-se, para que se tenha processo democrático, que o contraditório seja efetivo e equilibrado. Em outros termos, o contraditório deve vir acompanhado do equilíbrio assegurado pela observância do princípio da isonomia, assegurando-se a ambas as partes oportunidades equivalentes de influir no resultado do processo. […] A decisão modificada depois de sua proclamação surpreende, indubitavelmente, as partes do processo, o que a torna violadora da garantia constitucional do contraditório, razão pela qual deve ser repudiada. Basta imaginar a surpresa de que será tomada a parte que, avisada por seu advogado que saiu vencedora do julgamento proferido, descobre, no dia seguinte, que após a proclamação […] o tribunal modificou a decisão, através da retificação dos votos capazes de alterar o resultado, restando ela, afinal, vencida. […] Por todo o exposto, concluo pela impossibilidade de se modificar voto após a proclamação do resultado do julgamento pelo presidente do tribunal, já sendo a decisão, a partir daquele momento, irretratável […] (Julgamento por órgão colegiado. Modificação de voto após a proclamação do resultado. Impossibilidade. Escritos de Direito Processual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2001, págs. 341/344 – grifo nosso)

Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero comungam do mesmo entendimento:

O julgamento só se encerra com o anúncio de seu resultado pelo presidente do órgão fracionário. Até aí qualquer dos membros do colegiado pode rever o seu posicionamento e/ou pedir vista do feito. Depois de anunciado o resultado, incide o art. 463, CPC, sendo insuscetível de modificação a decisão. Opera-se a preclusão consumativa. O relator redigirá o acórdão, salvo se vencido, hipótese em que o autor do primeiro voto vencedor o redigirá. (Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. RT, 3ª ed., pág. 598 – grifo nosso)

Ou seja, proclamado o resultado, publicado o acórdão, sem posterior recurso das partes, não poderia ter ocorrido, como ocorreu, a modificação do julgado de ofício. Ao assim proceder, houve ofensa à coisa julgada.

No caso concreto, mais grave se mostra a ofensa à coisa julgada porque a retificação da proclamação, no caso concreto, revogou a absolvição anteriormente proclamada, constituindo numa revisão pro societate, inadmitida no nosso ordenamento jurídico.

Verifico, ainda, que a alteração do acórdão proferido na revisão criminal, além da coisa julgada, ofendeu o devido processo legal e os princípios do contraditório e da segurança jurídica, por ter sido realizado de ofício e sem a necessária intimação prévia, em sessão específica designada apenas para que houvesse a aludida a retificação.

Ressalto que o tão só fato de, na primeira certidão de julgamento (fl. 33), constar que alguns Desembargadores teriam votado pelo indeferimento da revisão – após o que o julgamento foi adiado – não leva, por si só, à conclusão de que a segunda teria sido falseada, por nela constar que, por unanimidade, teria sido o pedido deferido.

Destarte, por força do permissivo do já mencionado art. 556 do Código de Processo Civil, na sessão em que finalizado o julgamento, poderiam os julgadores que votaram pelo indeferimento ter modificado seu voto, o que é plenamente admitido, até a proclamação do resultado.

A propósito:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO QUINQUENAL. RETIFICAÇÃO DE VOTO PELO RELATOR. POSSIBILIDADE, ATÉ A PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO. 1. Nos órgãos colegiados dos tribunais, o julgamento se encerra com a proclamação do resultado final, após a coleta de todos os votos. Enquanto tal não ocorrer, pode qualquer dos seus membros, inclusive o relator, retificar o voto anteriormente proferido. […] 3. Recurso especial desprovido. (REsp n. 258.649/PR, Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 13/9/2004)

Outrossim, publicado o acórdão julgando procedente a revisão criminal, o Parquet não recorreu, ou seja, não suscitou a existência de qualquer vício no julgamento; a defesa, tampouco, seja porque não tinha interesse recursal, seja porque não é possível sequer inferir se teve ela conhecimento do suposto erro de julgamento, pois, em razão do pedido de adiamento, a análise da revisão criminal foi concluída em sessão diversa daquela para a qual havia sido intimada.

Destaco, aqui, ser frágil o argumento – lançado no julgamento dos embargos de declaração – de que o acórdão não havia transitado em julgado porque a respectiva certidão não constava dos autos, mas havia sido equivocadamente colocada nos autos da Justificação Criminal, que estava apensada. Ora, o trânsito em julgado é fato jurídico que se consuma pelo decurso do prazo recursal sem a manifestação de insurgência por qualquer das partes, não necessitando de lavratura de certidão para a sua constituição.

Evidenciado está, portanto, que a retificação da proclamação do julgamento, no caso concreto, ofendeu a coisa julgada, o devido processo legal, o contraditório e a segurança jurídica.

Sobre o tema, menciono os seguintes precedentes desta Corte:

RECURSO ESPECIAL – DIREITO PROCESSUAL PENAL – ROUBO MAJORADO – CONDENAÇÃO PELO JUÍZO SENTENCIANTE – ANULAÇÃO DO FEITO POR VÍCIO PROCESSUAL PELA CORTE DE ORIGEM – REJEIÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – NOVO JULGAMENTO DOS MESMOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITO INFRINGENTE E MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU – ALEGAÇÃO DA DEFESA DE OFENSA AO ART. 619, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM FUNDAMENTO NA CONTRADIÇÃO ENTRE OS DOIS JULGADOS – INOCORRÊNCIA – NULIDADE DO NOVO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE RETIFICAÇÃO DO VOTO APÓS PROCLAMADO O RESULTADO DO JULGAMENTO – CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO – DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO PENAL A PARTIR DO SEGUNDO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. O julgamento nos órgãos colegiados se encerra após a proclamação do resultado final pelo seu Presidente, sendo vedada a retificação do voto anteriormente proferido, sob pena de ofensa à segurança jurídica e ao contraditório. Aplicação do art. 556, do Código de Processo Civil, por analogia. Precedentes. 2. Não conhecimento do recurso especial. 3. Concessão de habeas corpus de ofício para a declaração da nulidade do processo a partir do segundo julgamento dos Embargos de Declaração. (REsp n. 1.370.651/MG, Ministro Moura Ribeiro, Quinta Turma, DJe 19/3/2014)

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO PELO COLEGIADO. RETIFICAÇÃO NA SESSÃO SEGUINTE POR QUESTÃO DE ORDEM. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos termos do art. 556 do Código de Processo Civil, o julgamento nos órgãos colegiados se encerra após a proclamação do resultado final pelo seu Presidente, não podendo haver nenhuma retificação de ofício após o seu desiderato, sob pena de ofensa aos princípios do devido processo legal, da segurança jurídica e do contraditório. Precedente. 2. Recurso especial provido. (REsp n. 1.147.274/RS, da minha relatoria, Sexta Turma, DJe 28/11/2011)

PROCESSO CIVIL – RETRATAÇÃO DE VOTO APÓS A PUBLICAÇÃO DO RESULTADO – ARTIGO 556 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – VIOLAÇÃO – OCORRÊNCIA. É defeso ao magistrado proceder, de ofício, a retratação de voto depois de anunciado o resultado do julgamento pelo presidente do órgão judicante. Por isso, o próprio Tribunal de origem, ao decidir embargos de declaração, reconheceu não haver sido unânime a decisão da apelação. Logo, comportáveis os embargos infringentes. Recurso provido. (REsp n. 351.881/PB, Ministro Castro Filho, Terceira Turma, DJe 7/6/2004)

Se realmente houve o apontado equívoco da máquina judiciária, devem ser apuradas as responsabilidades, como já se determinou no despacho constante de fl. 33, mas isso não autoriza a subversão das regras do ordenamento jurídico.

Também prospera em parte a alegação de nulidade da retificação do julgamento, pela existência de suspeição.

Vale aqui lembrar que, segundo a tese sustentada pela defesa, a suposta injusta condenação teria origem em flagrante forjado pela Força Pública de São Paulo (atual Polícia Militar) contra Mauro Henrique Queiroz, então integrante da Guarda Civil, em razão de divergências existentes entre as duas corporações.

Dessa forma, segundo a defesa, por serem os Desembargadores Ricardo Tucunduva e Damian Cogan professores, respectivamente, nas Academias de Polícia Civil e Militar, seriam suspeitos de julgar processos envolvendo a Polícia Militar paulista. Entretanto, entendo eu, o tão só fato de os referidos magistrados lecionarem nas aludidas Academias de Polícia não os torna suspeitos para julgar processos envolvendo a Polícia Militar de São Paulo. Seria necessária a verificação da existência de elementos adicionais, cuja aferição, em princípio, esbarra no comando da Súmula 7/STJ, por demandar reexame de questões de cunho fático.

Contudo, como exceção à regra geral de incidência do comando sumular, a meu sentir, no que diz respeito ao Relator designado para lavrar o acórdão, após a retificação, Desembargador Ricardo Tucunduva, é desnecessária a incursão ao campo fático-probatório para se constatar a falta de imparcialidade para análise do caso concreto, que fica evidenciada pelo conteúdo do julgado por ele proferido.

Para elucidação do tema, transcrevo trechos extraídos do relatório e do voto por ele elaborados (fls. 76/79 – grifo nosso):

 […] Trata-se de mais uma Revisão Criminal (a terceira), desta vez interposta pelos familiares do falecido sentenciado MAURO HENRIQUE QUEIROZ, condenado ao desconto de 6 meses de detenção com sursis por 2 anos, por infração ao artigo 233 do Código Penal, conforme o V. Acórdão de fls. 103/105v do feito em apenso, que transitou em julgado. Alegam os postulantes, em resumo, que as provas coligidas ao processo não são suficientes para alicerçar a condenação que desfavoreceu MAURO HENRIQUE QUEIROZ, razão pela qual pedem que ele seja absolvido, nos moldes do artigo 386, inciso I, do Estatuto de Rito, quer dizer, por estar provada a inexistência do fato. O parecer do Ministério Público encontra-se a fls. 18/24. Entre parênteses, consigno que em 1962 e em 1963 foram interpostas outras duas Revisões Criminais, tendo sido a primeira indeferida e a segunda não conhecida (fls. 112v e 116 dos autos em apenso). Os respectivos autos não se sabe onde estão. É o relatório. Conheço do pedido, até porque – repito – não se pode adivinhar o teor das anteriores Revisões. Desta feita, buscam a esposa e os dois filhos do ex-guarda civil MAURO HENRIQUE QUEIROZ, a sua absolvição, por estar provada a inexistência do fato, depois de quase passados quase 50 anos da sua condenação. O serôdio pedido, datado de novembro de 2005, teria sido motivado pelo fato do ex-miliciano, pouco antes de morrer, ter feito patético desabafo ao seu filho Amauri, a quem narrou “a grande injustiça que modificou-lhe o destino” (sic, fl. 3), quer dizer, a condenação criminal pelo fato de ter esfregado o pênis no braço de uma menina, no interior de um ônibus, em janeiro de 1957. Registro, inicialmente, que a existência das outras duas Revisões Criminais anteriores demonstram a insinceridade dessa justificativa no presente pedido. Realmente, tudo indica que os peticionários, ao revés do que ocorreu em 1962 e em 1963, não estavam querendo, propriamente, apenas reabilitar a imagem de MAURO, mesmo porque o homem estava morto há vários anos (fl. 4), quando foi ajuizado. Por outro lado, fala por ele próprio o fato dos peticionários terem se apressado em ajuizar ação contra o Estado – que hoje corre pela 14ª Vara da Fazenda Pública – conforme extrato do processo que fiz juntar a estes autos –, após a misteriosa troca do resultado do julgamento que este Grupo de Câmaras havia realizado (fls. 30 e seguintes). É curioso notar que o ajuizamento desta Revisão foi ensaiada por vários anos: primeiro, um Advogado pediu o desarquivamento do processo, no início de 1991, ficou uns tempos com os autos e nada fez; depois, quem pediu o desarquivamento dos autos principais, em fevereiro de 2003, foi um estagiário, alegando que objetivava “concluir trabalho de pesquisa profissional” (fl. 123 daquele processo). Mais curioso, ainda, é o fato desse estagiário ser integrante do escritório do Advogado Dr. Álvaro Nunes Jr., que, dois anos mais tarde, subscreveu a Justificação (em fevereiro de 2005) e a Revisão (em novembro do mesmo ano). A base do pedido foi o depoimento de fls. 113/115, que a vítima Sonia Brasil prestou, no dia 3 de outubro de 2005, nos autos da Justificação, dizendo que o que afirmara na Delegacia, décadas antes, em 22 de janeiro de 1957, era mentira, esclarecendo que assim agiu por ordem da sua avó Gabriela. Entretanto, exagerou na dose, não só quando afirmou que a assinatura no corpo do flagrante não era sua – o que qualquer legio, numa simples vista d’olhos, pode constatar que não é sincero –, mas também quando, deslavadamente, falseou a verdade, ao afirmar que não foi ouvida em Juízo. Na realidade, Sônia não só foi ouvida pelo Juiz, como também ao Magistrado confirmou o que dissera, na Polícia (fls. 42/44). Resta, então, a este Grupo de Câmara, para julgar este caso com a necessária isenção, escolher entre a palavra da menina Sônia, de 11 anos, que descreveu minuciosamente a atitude abjeta do guarda civil MAURO, tanto na fase do inquérito, quanto em Juízo, e a palavra da sexagenária D. Sonia, que confessou ter sido achada pelo filho do réu MAURO (fl. 114) e que tem como “defensor constituído”, ninguém menos do que o Dr. Álvaro Nunes Jr., ou seja, o mesmo Advogado que subscreve tanto a Justificação, quanto a revisão! […]

Vejamos.

Primeiro, apesar de ser a primeira revisão criminal ajuizada pelos familiares do acusado (as duas primeiras foram pelo próprio condenado) e de o próprio julgador afirmar não ser possível conhecer o teor das anteriores, pois os autos foram perdidos pelo Tribunal, assevera ele que o pedido seria insincero, apenas por se tratar da terceira revisão criminal. Ora, se não conhecia ele o teor das duas primeiras revisões criminais, é evidente que, apenas em razão de pré-concepções, declarou que a terceira revisão estava eivada de insinceridade.

Segundo, o julgador afirma que a razão do ajuizamento da terceira revisão seria um patético desabafo do condenado feito a seu filho pouco antes de morrer. A referida expressão “patético desabafo”, utilizada para qualificar o pedido do falecido condenado, antes mesmo de ser apreciado, demonstra a existência de uma tendência prévia do julgador, afastando a imparcialidade necessária.

Mais, no voto, são mencionados elementos ocorridos posteriormente ao julgamento que deveria ele refletir.

Com efeito, para sustentar a tese de que o ajuizamento da revisão criminal teria por real escopo a obtenção de vantagem financeira, afirma-se que, logo depois da publicação do acórdão que deferiu a revisão criminal, ajuizou-se ação de indenização contra o Estado.

Ora, se se tratava apenas de uma retificação de proclamação do julgamento ocorrido em 31/8/2008, o voto proferido deferia refletir os fatos existentes na época do julgamento. Não era cabível a inclusão de fatos posteriores, como no caso, o ajuizamento da ação indenizatória. Além disso, a propositura de referida ação, em razão da obtenção de uma absolvição, constitui mero exercício regular de direito, não havendo motivo para que fosse usado contra os autores da revisão criminal, como se se cuidasse de ato de má-fé.

Ainda, o julgador relaciona o ajuizamento da indenização à “misteriosa troca” de resultados de julgamento, deixando transparecer, implicitamente, que imputava o suposto erro de proclamação de resultado a alguma atividade ilícita da defesa, mas sem trazer nenhum elemento concreto que desse azo à sua assertiva.

A reforçar a ausência de imparcialidade, também está a circunstância de que o julgador afirma que o ajuizamento da revisão criminal havia sido ensaiado por vários anos, por meio de curiosos procedimentos que por ele são descritos no voto. Contudo, tais procedimentos, que, na verdade, constituíram-se no pedido de desarquivamento dos autos principais e sua análise, bem como o ajuizamento de ação de Justificação, nada mais são do que etapas normais para o ajuizamento de uma revisão criminal.

Também afirmou o referido Relator designado causar estranheza o fato de que os autores da revisão tivessem procurado a vítima e que o mesmo advogado teria subscrito a Justificação e, depois, a revisão. Entretanto, também nada há de estranho nisso.

Se a família procurava ajuizar a ação de revisão criminal, sob alegação de inexistência do fato, de condenação que estava lastreada no depoimento da vítima, nada mais normal que primeiro procurasse a aludida vítima. De igual maneira, sendo a Justificação procedimento preparatório para o ajuizamento da revisão criminal, nenhuma estranheza causa o fato de ter sido subscrita pelo mesmo advogado.

A seguir a linha defendida pelo julgador, a revisão criminal somente seria cabível se a vítima procurasse sponte propria o acusado (ou, no caso, a sua família) e constituísse advogado próprio para o ajuizamento da Justificação que – salvo eventuais motivos ético-morais-religiosos próprios da suposta vítima – somente o condenado possuiria interesse em promover.

O conjunto dessas expressões e conclusões de cunho pejorativo ultrapassou os limites da questão que estava sendo julgada e, a meu ver, demonstram que o referido julgador – não obstante sua capacidade técnica, que não se discute – não estava imbuído da isenção necessária para participar do julgamento da causa.

Esta Corte, em decisão recente, reconheceu a suspeição de julgador em razão de atitudes por ele tomadas ao longo do processo, que demonstravam estar agindo com parcialidade:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO LIMINAR DE ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO (ART. 135, INCISO V DO CPC) PELO PRÓPRIO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. MANUTENÇÃO DO ANDAMENTO DO PROCESSO. INADMISSIBILIDADE (ART. 306 DO CPC). DESLINDE PROCESSUAL QUE INDICA AUSÊNCIA DA DESEJÁVEL IMPARCIALIDADE DO JUIZ. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. É dever do Magistrado exercer a sua competência jurisdicional com impessoalidade, desatrelado de sentimentos ou interesses próprios, comprometendo-se, todavia, com os valores que emanam da ordem jurídica – sobretudo com a justiça. 2. Para assegurar a imparcialidade do Órgão Julgador, o Estatuto Processual Civil enumera algumas situações nas quais o Juiz, na sua condição de pessoa natural incumbida de promover a prestação jurisdicional, considera-se fragilizado em sua capacidade de ser firme e imparcial, com o risco de mostrar-se menos resistente a pressões e tentações a que, como ser humano, poderia estar sujeito: vêm daí os conceitos de impedimento e suspeição do juiz (CPC, arts. 134-135), como leciona o Professor Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de Direito Processual Civil I, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 202). 3. Verifica-se a suspeição do Magistrado que, ao receber exceção de suspeição contra si (art. 304 do CPC), indefere, ele próprio, a petição liminarmente e promove o andamento do feito, em clara inobservância às normas processuais, que exigem a imediata suspensão do processo e a autuação da exceção em apenso aos autos principais, com posterior resposta, pelo Juiz, no prazo de 10 dias e a consequente remessa dos autos ao Tribunal a que se encontra vinculado, para o julgamento do incidente (arts. 265, III e 313, do CPC). 4. Recurso Especial provido, determinando-se a remessa dos autos ao substituto legal do Magistrado de piso (art. 314 do CPC). (REsp n. 1.440.848/DF, Rel. p/ acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 4/8/2014)

O reconhecimento da nulidade do julgamento pela suspeição do aludido Desembargador, entretanto, fica limitado à retificação do julgamento, uma vez que, como visto, a proclamação do julgamento pelo qual a revisão criminal havia sido deferida está acobertada pela coisa julgada.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para anular a retificação de julgamento realizada em 12/11/2009 e restabelecer o acórdão que deferira a revisão criminal, conforme a proclamação de resultado datada de 31/1/2008.

Leia também:

  • Análise de caso concreto: teses contra a decretação da prisão preventiva – tráfico de drogas (leia aqui)
  • A teoria do domínio do fato e sua (má) utilização no ordenamento jurídico brasileiro (leia aqui)
  • A criminalização do recebimento dos honorários advocatícios (leia aqui)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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