Aplicação do ANPP a processos iniciados antes de sua criação pela lei
É possível que o acusado, já processado por um crime antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, que instituiu o acordo de não persecução penal, possa ter esse direito?
A Constituição estabelece, de forma clara, que a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL).
O acordo de não persecução penal foi adicionado no Código de Processo Penal pela Lei nº 13.964/2019. Trata-se de um instituto que objetiva proporcionar ao acusado um tratamento mais favorável, ao possibilitar que ele evite o processo, desde que cumpra as condições estabelecidas.
Nesse contexto, se a norma em questão tem como finalidade beneficiar o réu, ela deve ser aplicada também aos processos em curso à época de sua criação, desde que não haja condenação definitiva — ou seja, desde que ainda seja possível interpor recurso.
A aplicação retroativa, nesse caso, não apenas é compatível com os princípios constitucionais, mas também se alinha com a lógica de garantir a efetividade de direitos fundamentais.
Nesse sentido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no HC 185.913, que os acordos de não persecução penal (ANPP) podem ser aplicados também em processos iniciados antes de sua criação pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), nos casos em que não houver condenação definitiva, mesmo que o réu não tenha confessado até aquele momento. Na tese de julgamento, o colegiado definiu que é responsabilidade do Ministério Público avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do acordo.
Para os processos que já tiverem iniciado na data da referida decisão (18/09/2024), o Ministério Público deverá se manifestar sobre a possibilidade de oferecer o acordo de não persecução penal na primeira oportunidade de falar nos autos. Tal manifestação pode ocorrer de forma espontânea, a requerimento da defesa ou do juiz.
Já nos processos iniciados após essa decisão, o MP deverá se posicionar sobre o acordo antes de o juiz receber a denúncia contra o acusado.
Confira as teses de julgamento fixadas no HC 185.913, julgado em 18/09/2024 pelo Tribunal Pleno, tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes:
Teses de julgamento:
“1. Compete ao membro do Ministério Público oficiante, motivadamente e no exercício do seu poder-dever, avaliar o preenchimento dos requisitos para negociação e celebração do ANPP, sem prejuízo do regular exercício dos controles jurisdicional e interno;
2. É cabível a celebração de Acordo de Não Persecução Penal em casos de processos em andamento quando da entrada em vigência da Lei nº 13.964, de 2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado;
3. Nos processos penais em andamento na data da proclamação do resultado deste julgamento, nos quais, em tese, seja cabível a negociação de ANPP, se este ainda não foi oferecido ou não houve motivação para o seu não oferecimento, o Ministério Público, agindo de ofício, a pedido da defesa ou mediante provocação do magistrado da causa, deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, após a publicação da ata deste julgamento, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo;
4. Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir da proclamação do resultado deste julgamento, a proposição de ANPP pelo Ministério Público, ou a motivação para o seu não oferecimento, devem ser apresentadas antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura, pelo órgão ministerial, no curso da ação penal, se for o caso”.
Fonte: HC 185.913
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