O título deste texto envolve duas questões:
1. A sociedade aceita a venda de CDs e DVDs piratas?
2. Em caso positivo, essa aceitação tem alguma relevância para o Direito Penal?
Para entender essas indagações, deve-se observar, inicialmente, o crime de violação de direito autoral, por meio da análise dos arts. 184 e 186 do Código Penal.
Especificamente quanto à conduta popularmente conhecida como pirataria, o art. 184, §2º, do Código Penal, dispõe:
§ 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
Apesar da tipicidade formal, debate-se incessantemente sobre a atipicidade material, considerando que a sociedade não apenas tolera a pirataria, mas, em grande parte, incentiva. Afinal, a venda de produtos piratas somente ocorre porque há um grande mercado consumidor.
Nesse esteio, diante da aceitação pela sociedade, discute-se a possibilidade de aplicação do princípio da adequação social.
Ademais, a conduta não apenas é tolerada pela sociedade, mas também poderia ser inibida por outros ramos do Direito, como o Direito Civil (indenização) e o Direito Administrativo (sanções administrativas). O Direito Penal, como “ultima ratio”, não deveria ser utilizado para proteger um direito que outros ramos poderiam proteger suficientemente.
Ocorre que, longe de ser apenas um problema individual (dos produtores de conteúdo), há também um problema socioeconômico, considerando que todo o setor audiovisual é atingido pela pirataria, o que produz prejuízos, desemprego etc.
Além disso, as empresas que possuem os direitos autorais são, como regra, formalizadas, razão pela qual pagam adequadamente os tributos. Por outro lado, quem vende ou expõe à venda os produtos piratas normalmente não recolhe os tributos, afetando a arrecadação estatal.
Talvez por esses motivos socioeconômicos – e não jurídicos – a jurisprudência seja tão cautelosa quanto à aplicação do princípio da adequação social ao crime do art. 184, §2º, do Código Penal. Aliás, vale observar que o art. 186, § 2º, do Código Penal, menciona que tal infração penal é processada mediante ação penal pública incondicionada, o que, mais uma vez, demonstra a pífia preocupação estatal com o interesse meramente individual.
Nessa linha, a súmula nº 502 STJ dispõe que “presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas”.
Além da súmula, o STJ também já deixou claro que há uma aceitação popular e, inclusive, alguma tolerância das autoridades públicas quanto à pirataria de CDs e DVDs, mas ressaltou as graves consequências econômicas:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. 1. Não se aplica o princípio da adequação social, bem como o princípio da insignificância, ao crime de violação de direito autoral. 2. Em que pese a aceitação popular à pirataria de CDs e DVDs, com certa tolerância das autoridades públicas em relação à tal prática, a conduta, que causa sérios prejuízos à indústria fonográfica brasileira, aos comerciantes legalmente instituídos e ao Fisco, não escapa à sanção penal, mostrando-se formal e materialmente típica. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, Sexta Turma, AgRg no REsp 1380149/RS, Relator Min. Og Fernandes, julgamento em 27/08/2013)
Evidentemente, a existência de uma súmula rejeitando a aplicação do princípio da adequação social não significa que não caiba discussão a respeito do tema.
De qualquer sorte, insta perceber que o princípio da adequação social é afastado de forma incorreta, porque há aceitação da sociedade, como mencionado no julgado anterior. O fato de existirem outras consequências, como o próprio prejuízo ao Fisco, deveria ser objeto de outros meios de tutela, seja penal (denúncia por crimes contra a ordem tributária), seja tributária (execução fiscal), mas não por meio da criminalização de uma conduta aceita pela sociedade. Noutras palavras, considerar atípica a pirataria como decorrência da adequação social não inviabilizaria a persecução penal pelo crime tributário.
Leia também: