As escolhas difíceis no processo penal
O processo penal tem inúmeros caminhos. A escolha de um significa, “a priori”, a rejeição de outro. Em alguns casos, a escolha é irreversível; em outros, pode ser revertida, mas normalmente para prejudicar o réu.
Nesse diapasão, quem atua na defesa (Advogado ou Defensor Público) precisa definir estratégias e, se for o caso, influenciar o réu na escolha da opção mais favorável, haja vista que o horizonte do cliente é razoavelmente pequeno para vislumbrar todos os efeitos de cada escolha. Como um cliente poderia, por exemplo, decidir sozinho se é melhor aceitar a proposta de transação penal ou enfrentar o processo em busca de uma absolvição incerta?
No âmbito dos Juizados Especiais Criminais (procedimento sumaríssimo), há várias escolhas que podem evitar o risco de uma sentença condenatória ou de uma futura ação civil.
O art. 74 da Lei 9.099/95 prevê a composição dos danos civis, que é tentada durante a audiência preliminar. Conforme o parágrafo único do art. 74, “tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”.
Assim, para o autor do fato, tentar a composição civil dos danos pode produzir relevantes efeitos penais, pondo fim às chances de uma sentença condenatória quando se tratar de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação. Além disso, inviabilizaria eventual ação civil reparatória relacionada ao mesmo fato. Dessa forma, a escolha pela composição dos danos civis, salvo em casos nos quais aparentemente seja possível o trancamento do processo ou existam nítidas chances de absolvição, é uma opção interessante para o autor do fato.
Entretanto, caso se trate de crime sujeito à ação penal pública incondicionada, o acordo não impediria o oferecimento de denúncia pelo “Parquet”, produzindo apenas o efeito civil entre a vítima e o autor do fato. Nesse caso, aceitar o acordo de composição dos danos civis teria pouca relevância, demonstrando-se como uma escolha desinteressante.
Para a vítima, a escolha entre realizar ou não o acordo depende de inúmeros aspectos. Deve-se considerar, por exemplo, que um processo cível demoraria anos até uma incerta sentença que lhe seja favorável, razão pela qual o acordo parece interessante, especialmente porque tem eficácia de título executivo.
Dependendo do caso, a vítima poderá ter maior ou menor poder de negociação nesse acordo. No caso das ações penais de iniciativa privada e das ações penais públicas condicionadas à representação, como a homologação do acordo produz efeitos penais, a vítima normalmente se encontra em um plano superior na negociação. Por outro lado, como a ação penal pública incondicionada não sofre nenhuma interferência com a homologação do acordo, a vítima tem menos margem de negociação, sobretudo se o autor do fato souber que eventual processo cível demoraria muitos anos, de modo que, para a vítima, é melhor receber menos nesse acordo do que tentar obter mais em um processo incerto e demorado.
Não menos difícil é a escolha entre aceitar ou não as propostas de transação penal e de suspensão condicional do processo.
No que tange à transação, aceitar a aplicação desse instituto significa não ser denunciado, mas inviabiliza esse benefício pelo prazo de cinco anos (art. 76, §2º, II, da Lei 9.099/95).
Quanto à suspensão condicional do processo, é possível que o réu permaneça cumprindo as condições (apresentação em juízo, por exemplo) por mais tempo do que em caso de condenação. A suspensão condicional do processo relativa a um furto simples, por exemplo, duraria no mínimo dois anos, enquanto a pena mínima desse crime é de somente um ano.
Assim, quanto a esses institutos despenalizadores, a escolha consiste em analisar se é melhor antecipar aquilo que seria aplicado em caso de condenação – mas permanecer primário – ou enfrentar um duvidoso e sofrível processo penal tentando obter a absolvição. Eventualmente, é possível que o autor do fato, apesar de considerar benéfica a proposta de algum desses benefícios, sinta-se desconfortável para aceitá-la, porque considera uma “injustiça pagar por aquilo que não fez”. Além disso, também há o temor de ser criticado por não ter provado a sua inocência.
Sobre as delações premiadas – tão utilizadas atualmente –, as escolhas são incontáveis. Deve-se escolher se é melhor delatar – o que pode pôr fim à carreira política do delator – ou se defender, qual é o melhor momento para delatar, quais vantagens pretende obter com a delação, se há algo que, por motivos diversos, deve ser mantido fora do acordo etc.
De qualquer sorte, as escolhas no processo penal não se restringem à seara negocial.
Em um processo penal relativo a crime doloso contra a vida, o Advogado precisa escolher, por exemplo, se impetra ou não “habeas corpus” para trancar o processo em virtude da legítima defesa. Caso escolha impetrar o remédio constitucional, pode conseguir que o fato não seja levado ao tribunal do júri ou, no mínimo, saberá qual é a Câmara preventa para o julgamento de futura apelação. Entretanto, caso a ordem não seja concedida, é possível que o acusador, durante o plenário, informe aos jurados o julgamento do “habeas corpus” denegado, considerando que não há vedação legal nessa hipótese, como se observa no art. 478 do Código de Processo Penal.
Em razão da vedação à “reformatio in pejus”, a escolha entre recorrer ou deixar transitar em julgado não é uma decisão difícil. Havendo margem para discussão na instância superior, é recomendável recorrer, salvo quando, pelas peculiaridades do caso, seja preferível cumprir a pena imediatamente. Nesse segundo caso, tem-se, por exemplo, a possibilidade de deixar transitar em julgado para iniciar logo o cumprimento da pena e, consequentemente, chegar ao mês de dezembro com mais chances de ser beneficiado com o indulto ou a comutação, que exigem, como regra, o cumprimento de determinadas frações da pena.
O processo penal é um cenário de inúmeras escolhas definidoras de anos ou décadas da vida de alguém.
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