As maiores penas previstas no Direito Penal brasileiro são as dos crimes de homicídio qualificado, latrocínio e extorsão mediante sequestro (leia aqui). Contudo, esses crimes não sofrem a mesma repulsa social que incide sobre o crime de estupro, cujas penas, em sua modalidade simples, são consideravelmente inferiores.
Há poucos assuntos que se apresentam de forma praticamente unânime na sociedade. Podemos mencionar como principais exemplos o combate aos crimes de estupro e de corrupção e a melhora das políticas de saúde e educação.
Nos estabelecimentos prisionais, os condenados por crimes sexuais precisam permanecer em locais separados, evitando o contato com outros apenados, que normalmente expressam a repulsa a tais crimes por meio de violência física e tortura.
Obviamente, não discuto a gravidade do crime de estupro, tampouco a sua repulsa (moral e social). O meu objetivo é analisar apenas a proposta de imprescritibilidade desse crime e a sua (im)possibilidade constitucional.
Como mencionei em outro artigo (leia aqui), há uma constante tentativa de tornar imprescritíveis alguns crimes. A PEC 229/12, por exemplo, pretende tornar imprescritíveis os crimes hediondos. Por sua vez, o PL 6240/16 objetiva criar o crime de desaparecimento forçado de pessoa, classificando-o como imprescritível.
No final de 2016, foi apresentada pelo Senador Jorge Viana (PT/AC) a PEC 64/16, que pretende alterar a redação do inciso XLII do art. 5º da Constituição, deixando-o assim: “a prática do racismo e do estupro constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.” Atualmente, essa PEC tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.
Independentemente do fato de se tratar de crime de estupro, crimes hediondos de modo geral ou crime de desaparecimento forçado de pessoa, o ponto nevrálgico é a análise da compatibilidade com a Constituição. Em outros termos, seria possível a criação de novas hipóteses de imprescritibilidade? Em caso positivo, dependeria de emenda à Constituição ou bastaria uma alteração infraconstitucional?
No caso do crime de desaparecimento forçado, que seria criado e classificado como imprescritível por meio de alteração no Código Penal – sem alteração da Constituição Federal -, haveria inegável inconstitucionalidade.
A um, considero que o rol de crimes imprescritíveis constitucionalmente previstos é taxativo, não havendo margem para a instituição de novas hipóteses por reforma infraconstitucional.
A dois, como esclareci no artigo anteriormente citado, qualquer tentativa de instituir novos crimes imprescritíveis geraria uma pena de caráter perpétuo, haja vista que a possibilidade de aplicação da pena acompanharia o agente por toda a sua vida.
Quanto à ampliação do rol de crimes imprescritíveis por meio de emenda à Constituição, como no caso do crime de estupro, haveria a necessidade de debate sobre a natureza da norma constitucional que seria alterada, ou seja, se é ou não cláusula pétrea. Em caso de aprovação pelo Congresso Nacional, seria uma daquelas matérias que provavelmente seriam levadas ao Supremo Tribunal Federal para indagar sobre a constitucionalidade dessa alteração, assim como ocorreria em eventual aprovação legistativa da redução da maioridade penal.
Assim, não desconsidero que a atuação legislativa deve representar os anseios sociais e que, no caso do crime de estupro, há um clamor público exigindo maior rigor.
Contudo, para o crime de estupro ou para qualquer outro crime, o aumento do rigor punitivo depende do inafastável respeito à Constituição Federal. Nesse caso, seria incabível tornar o crime de estupro – ou qualquer outro não previsto na Constituição – imprescritível, pois a ampliação do rol de crimes imprescritíveis ofenderia a taxatividade das hipóteses constitucionais e a proibição de penas de caráter perpétuo.
O enfrentamento ao crime de estupro deve ser efetivado por meio de outros instrumentos, preventivos e repressivos, que não violem a Constituição Federal. Deve-se buscar um permanente diálogo legislativo em busca de tais soluções, não incorrendo no equívoco de apenas procurar essas medidas que reduzam os estupros após a ocorrência de algum fato grave e que desperte o clamor público (leia aqui). Caso contrário, teremos apenas o efeito simbólico de algo que provavelmente será declarado constitucional.
STF: A subtração de munições de uso restrito, de propriedade das Forças Armadas, não permite a aplicação do princípio da insignificância
Decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 108168, julgado