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Evinis Talon

O inquérito policial na jurisprudência do STJ

24/04/2017

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O inquérito policial na jurisprudência do STJ

No texto anterior, tratei de 4 decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o termo circunstanciado (veja aqui).

No presente escrito, citarei e analisarei algumas decisões do STJ que tratam do inquérito policial.

De início, impende ressaltar que, conforme o enunciado da súmula nº 444 do STJ, “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. Essa súmula impede que inquéritos policiais sejam utilizados como fundamento para a elevação da pena-base em virtude da circunstância judicial referente aos maus antecedentes. Portanto, inquéritos policiais em curso não são antecedentes e não podem repercutir na dosimetria da pena, sob pena de violação do princípio da presunção de inocência.

Em decisão recente, o STJ entendeu da seguinte forma quanto ao inquérito policial:

[…]
3. Se a defesa teve acesso amplo e integral aos autos do inquérito policial, não há falar em ocorrência de nulidade ante a ausência de juntada aos autos da ação penal de cópia integral do inquérito, por meio eletrônico, eis que não houve cerceamento nem prejuízo à defesa.
[…]
(AgRg nos EDcl no REsp 1633461/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 28/03/2017, DJe 04/04/2017)

Portanto, considerou-se que não é nulidade a ausência de juntada do inquérito policial, por meio eletrônico, aos autos da ação penal. Trata-se de entendimento que possui vários desdobramentos.

Sempre que se fala sobre alterações na legislação processual penal, instaura-se o debate sobre o desentranhamento do inquérito policial após o recebimento da denúncia. Em outras palavras, muitos doutrinadores defendem que a legislação deveria ser alterada para que o inquérito policial somente permanecesse nos autos até o recebimento da denúncia, para que, após o recebimento, o inquérito seja desentranhado dos autos, de modo a não contaminar a análise do julgador quando do proferimento da sentença. Ocorre que há muita resistência legislativa quanto a essa alteração.

De qualquer forma, o STJ entendeu que a ausência de juntada do inquérito policial aos autos da ação penal não gera nulidade, desde que tenha sido dado à defesa acesso amplo e integral. Assim, apesar de não haver disposição legal determinando o desentranhamento do inquérito policial, há entendimento jurisprudencial no sentido de que não há nulidade se o inquérito não for juntado. Estranhamente, a inércia do Poder Legislativo e essa decisão do STJ – que são contraditórias – prejudicam a defesa.

Por outro lado, de forma correta, o STJ já entendeu, como determina claramente o art. 311 do Código de Processo Penal, que não é possível, de ofício, a decretação de prisão preventiva na fase policial, “in verbis”:

PROCESSUAL PENAL E PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ROUBO MAJORADO. PRISÃO DECRETADA DE OFÍCIO NA FASE DE INQUÉRITO POLICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. A decretação da prisão preventiva de ofício somente é admitida no curso da ação penal, e na fase de inquérito policial somente caberá a decretação da custódia, em face de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, devendo ser reconhecido o constrangimento ilegal.
[…]
(HC 382.226/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 30/03/2017, DJe 07/04/2017)

De modo aparentemente contraditório em relação à súmula nº 444, o STJ também já manifestou o seu entendimento sobre inquérito policial nos seguintes termos:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO.
HABITUALIDADE CRIMINOSA. EXISTÊNCIA DE PROCESSOS ADMINISTRATIVO-FISCAIS PELA PRÁTICA DE DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
1. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao manter a rejeição da denúncia pela prática do crime de descaminho, diante da aplicação do princípio da insignificância, divergiu da orientação jurisprudencial desta Corte Superior no sentido de que a existência de outras ações penais, inquéritos policiais em curso ou procedimentos administrativos fiscais é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e, consequentemente, afastar a incidência do princípio da insignificância no delito de descaminho.
2. No presente caso, há notícia nos autos de que o acusado já responde a outros procedimentos administrativos, comprovada pelo histórico de autuações aduaneiras, pela prática do crime de descaminho. Dessa forma, o afastamento do princípio da insignificância, como causa de não recebimento da denúncia, é medida que se impõe.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1647127/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/03/2017, DJe 27/03/2017)

Percebe-se que o STJ considerou que a existência de inquéritos policiais é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e, por conseguinte, afastar a aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho. Assim, considerou que, havendo inquéritos policiais em andamento, a conduta do descaminho é típica, ainda que o valor seja ínfimo.

Em suma, inquéritos policiais não configuram maus antecedentes para o fim de elevar a pena-base, mas podem afastar a aplicação do princípio da insignificância por significarem habitualidade delitiva.

Salienta-se, ainda, que o STJ tem entendimento de que o arquivamento do inquérito policial em razão da presença de uma causa extintiva da punibilidade é uma decisão que faz coisa julgada material, impedindo a reabertura do procedimento investigatório (HC 307.562/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 07/03/2017, DJe 15/03/2017).

Por fim, o STJ, de modo coerente com a duração razoável do processo, trancou inquérito policial que se arrastava por 14 anos:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÃO DOS CRIMES DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, LAVAGEM DE DINHEIRO, FALSIDADE IDEOLÓGICA, CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E OUTROS. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. INVESTIGAÇÃO QUE PERDURA DESDE SETEMBRO DE 2002. INEXISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO FORMAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. Embora o prazo de conclusão do inquérito policial, em caso de investigado solto, seja impróprio, ou seja, podendo ser prorrogado a depender da complexidade das investigações, a delonga por aproximadamente 14 anos se mostra excessiva e ofensiva ao princípio da razoável duração do processo.
2. Mostra-se inadmissível que, no panorama atual, em que o ordenamento jurídico pátrio é norteado pela razoável duração do processo (no âmbito judicial e administrativo) – cláusula pétrea instituída expressamente na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 45/2004 -, um cidadão seja indefinidamente investigado, transmutando a investigação do fato para a investigação da pessoa. Precedente.
3. Não se desconhece o fato de que a investigação é complexa, contando com indícios da prática de crimes de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, crimes contra o sistema financeiro e outros, por meio de associação criminosa atuante por quase vinte Estados da Federação, além da criação de “empresas de fachada”, nacionais e estrangeiras, em nome de “testas de ferro” e “laranjas” das atividades desenvolvidas, bem como manobras contratuais e contábeis efetuadas para “maquiar” o patrimônio dos efetivos sócios das empresas.
4. Colocada a situação em análise, verifica-se que há direitos a serem ponderados. De um lado, o direito de punir do Estado, que vem sendo exercido pela persecução criminal que não se finda. E, do outro, da recorrente em se ver investigada em prazo razoável, considerando-se as consequências de se figurar no pólo passivo da investigação criminal e os efeitos da estigmatização do processo.
5. Recurso provido para trancar o Inquérito Policial n.
2002.38.01.005073-9, em trâmite na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, sem prejuízo da abertura de nova investigação, caso surjam provas substancialmente novas. O trancamento deve abranger os demais investigados, que se encontram em situação fático-processual idêntica.
(RHC 61.451/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 15/03/2017)

A decisão acima demonstra que, em que pese a conclusão do inquérito policial de investigado solto tenha um prazo impróprio, é possível a aplicação da duração razoável do processo (judicial e administrativo) para trancar o inquérito, garantindo, destarte, que o Estado não prolongue indevidamente o seu direito de punir. O estigma de investigado/réu não pode se perpetuar por mera inércia das autoridades que atuam na persecução criminal.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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